Encontraremos na narrativa de O Evangelho Segundo
Lucas o encontro entre Jesus e um homem rico, de destacada posição
social na comunidade judaica. Em clara demonstração de referência e
admiração, o insigne judeu Lhe perguntou: Bom Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna? Ao que Jesus replicou: Por que me chamas bom? Ninguém é bom, senão só Deus!
Numa análise superficial, não encontraríamos justificativa para que o Mestre contestasse o título “bom”,
haja vista que – de fato – Ele o era, e que se tratava de uma saudação
amistosa e reverente. Além disso, diferente de muitas outras autoridades
que buscaram Jesus para confrontá-lo, aquele nobre hebreu desejava,
sinceramente, aprender com o Raboni de Deus.
Por essas palavras, Jesus não anelava descartar
aquele homem rico e bem posicionado, como encontraremos explanado na
magistral interpretação de Allan Kardec acerca da salvação dos ricos,
contida em O Evangelho Segundo o Espiritismo, muito ao contrário,
desejava tê-lo entre Seus discípulos.
Nada obstante, Jesus nunca desaproveitava as
oportunidades para moralizar e desenvolver inteligências, ensinando a
pensar, e, por conseguinte, ensinando a melhor maneira de bem viver.
O respeito e a deferência são valores muito nobres, e
devem ser aplicados não somente no tratamento para com aqueles em
posição superior, mas também aos compares e subalternos,
indiscriminadamente. Contudo, poder-se-ia interpretar a postura de Jesus
como uma advertência, para que fugíssemos da prática do enaltecimento
exagerado, e da adulação visando à obtenção de favores e privilégios
indevidos.
A sabedoria das lições do Mestre Amorável são de
pragmatismo ímpar, posto que a aplicabilidade de Sua doutrina logra bom
êxito prático em todas as situações da vida, e em qualquer época
histórica, mormente nos dias atuais, quando – a propósito dos ensinos
apreendidos dessa passagem evangélica – poder-se-ia estender a
preciosíssima instrução do Nazareno até um dos maiores escolhidos da
prática mediúnica: a interferência dos espíritos imperfeitos nas
comunicações espirituais.
Assédio persistente de um espírito sobre o outro, a
obsessão se afigura como o mais grave drama que pode assolar a tarefa
mediúnica, e nem mesmo os médiuns mais dignos e moralizados estão livres
da ação dos espíritos levianos e pseudossábios. Além do mais, também
assevera Allan Kardec que As boas intenções, a própria moralidade
do médium nem sempre são suficientes para o preservarem da ingerência
dos espíritos levianos, mentirosos ou pseudossábios, nas comunicações.
Além dos defeitos de seu próprio espírito, pode dar-lhes guarida por
outras causas, das quais a principal é a fraqueza de caráter e uma
confiança excessiva na invariável superioridade dos espíritos que com
ele se comunicam.
É possível reconhecer o médium sob má influência
pelos seguintes caracteres, entre outros: confiança do médium nos
elogios que lhe fazem os Espíritos que com ele se comunicam; disposição
para afastar-se das pessoas que podem lhe dar úteis conselhos; levar a
mal a crítica, a propósito das comunicações que recebe. Dessa maneira,
faz-se compreensível o efeito deletério que produz a aceitação da
lisonja pelos medianeiros, sob qualquer pretexto.
Para preventivo contra essa intervenção nociva, nunca
será demasiado recordar a elucidação proporcionada pelo Codificador,
poderosamente capaz de mudar o ponto de vista do médium no que diz
respeito à própria condição de falibilidade: Os Espíritos bons aprovam aquilo que acham bom, mas não fazem elogios exagerados. Estes, como tudo que denota lisonja, são sinais de inferioridade da parte dos Espíritos.
Além do mais, o fiel apóstolo lionês de O Espírito de Verdade explica que (…) até
os melhores médiuns também são iludidos pelos espíritos inferiores com
assiduidade, e que o melhor médium é aquele que, simpatizando somente
com bons Espíritos, tem sido enganado menos frequentemente.
Portanto, pode-se ser enganado pelos espíritos sem estar obsidiado,
assim como qualquer homem honestíssimo também pode ser enganado por
encarnados vigaristas. Trata-se de grave advertência do mestre
Rivail/Kardec.
A conclusão racional para os inolvidáveis
ensinamentos de Jesus – e de Seu mais excelente intérprete, Allan Kardec
– é que todo médium deve repelir impiedosamente os elogios de todos os
espíritos, ainda que se lhe apresentem como instrutores ou guias,
especialmente se estiverem pregando ser dispensável o estudo metódico e
continuado de todas as obras kardecianas. São sempre espíritos levianos e
pseudossábios, que tendem a se impor aos homens cercando-os de lisonja e
assistência, para conquistar-lhes a amizade e a confiança. O
despistamento é o ato de iludir a vigilância dos médiuns, afastando
suspeições.
Declinemos, pois, da adulação e da blandície
indevida, traiçoeiros véus capazes de obnubilar a visão de nossa real
pequenez e de levar-nos aos abismos da perturbação e do erro, jamais
esquecendo que, verdadeiramente, ninguém é bom, senão só Deus.
Autor(a): Fabiano Pereira Nunes
Revista Cultura Espírita – Instituto de Cultura Espírita do Brasil (ICEB)
Ano IV – Edição nº 41 – Página: 15 – Agosto/2012.
Livros Pesquisados:
Bíblia, N. T. Lucas – Português – Bíblia de Jerusalém
– Nova edição revisada e ampliada – São Paulo: Paulus, 2002 – 3ª
impressão, 2004 Capítulo: 18, Versículos: 18-19, Página: 1.821.
KARDEC, Allan – O Evangelho Segundo o Espiritismo–
Tradução de Guillon Ribeiro – 102ª Edição – Cap. XVI “Não se pode
servir a Deus e Mamon” – Federação Espírita Brasileira (FEB) – Rio de
Janeiro – 1990.
KARDEC, Allan – O Livro dos Médiuns
– Tradução de Maria Lúcia Alcântara de Carvalho – 1ª Edição – Editora
CELD – Segunda Parte, Capítulo XXIII, “Da Obsessão”, Itens: 237, 238 e
243 Páginas: 283, 284 e 287 – Rio de Janeiro – 2010.
KARDEC, Allan – O que é o Espiritismo
– Tradução de Albertina Escudeiro Seco – 3ª Edição – Editora CELD –
Capítulo II, “Qualidade dos Médiuns”, Item: 82, Página: 178 – Rio de
Janeiro – 2010.
KARDEC, Allan – “Escolhos dos Médiuns” – Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos
– Tradução de Evandro Noleto Bezerra – Ano II – Página: 55,
Fevereiro/1859 – 3ª Edição 2ª Reimpressão – Editora Federação Espírita
Brasileira (FEB) – Rio de Janeiro – 2009.
KARDEC, Allan – “Aforismas Espíritas e Pensamentos Avulsos” – Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos
– Tradução de Evandro Noleto Bezerra– Ano II – Páginas: 534 e 535 –
Dezembro/1859 – – 3ª Edição 2ª Reimpressão – Editora Federação Espírita
Brasileira (FEB) – Rio de Janeiro – 2009.
KARDEC, Allan – O Livro dos Médiuns
– Tradução de Maria Lúcia Alcântara de Carvalho – 1ª Edição – Editora
CELD – Segunda Parte, Capítulo XX, “Influência Moral do Médium”, Item:
226, Perguntas: 9 e 10, Página: 264 – Rio de Janeiro – 2010.
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