segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Afetividade

No que consiste a afeição? Em nossa essência, existe instalada a necessidade de afeto? A troca de afetos é fator estimulante do progresso? Por que a repressão de nossa afetividade gera desequilíbrios? Somos plenamente afetivos, afetuosos? Por que a aspiração pelo amor causa medo em inúmeras pessoas?

Defluente da lei natural da Vida, a afetividade é sentimento inato ao ser humano em todos os estádios do seu processo evolutivo.

Esse conjunto de fenômenos psicológicos expressa-se de maneira variada como alegria ou dor, bem-estar ou aflição, expectativa ou paz, ternura ou compaixão, gratidão ou sofrimento...

Embora no bruto se manifeste com a predominância da posse do instinto, aprimora-se à medida que a criatura alcança os patamares mais elevados da razão, do discernimento e do amor.

Mesmo entre os animais denominados inferiores, vige a afetividade em formas primárias que se ampliarão através do tempo, traduzindo-se em apego, fidelidade, entendimento, como automatismos que se fixaram por meio da educação e da disciplina.

Não obstante os limites impostos pelos equipamentos cerebrais, em alguns é tão aguçada a percepção, que o instinto revela pródromos de inteligência, que são também expressões de afeto.

No ser hominal, em face dos valores da mente, o sentimento desata a emoção, e a afetividade exterioriza-se com mais facilidade.

Imprescindível à existência feliz, por intermédio do tropismo do amor, desenvolve-se e enternece-se, respondendo pelas glórias da sociedade, pelo progresso das massas, pelo crescimento da consciência e pela amplitude do conhecimento.

Na raiz de todo o empreendimento libertador ou de todo empenho solidário, encontra-se a afetividade ao ideal, à pessoa, à Humanidade, estimulando, e, quando os desafios fazem-se mais graves, ei-la amparando o sentimento nobre que não pode fenecer e a coragem que não deve enfraquecer-se.

No começo, é perturbadora, por falta de discernimento do indivíduo a respeito do seu significado especial. No entanto, quando se vai fixando nos refolhos da alma, torna-se abençoado refrigério para os momentos difíceis e estímulo para a continuação da luta.

Sem ela a vida perderia o seu significado, tão eloquente se apresenta na formação da personalidade e da estrutura psicológica do homem e da mulher.

A afetividade proporciona forças que se transformam em alavancas para o progresso, alterando as faces desafiadoras da existência e tornando a jornada menos áspera, porque se faz dulcificada e esperançosa.

Ninguém consegue fugir-lhe à presença, porque, ínsita no Espírito, emerge do interior ampliando-lhe na área externa e necessitando de campo para propagar-se.

A afetividade é o laço de união que liga os indivíduos por meio do sentimento elevado e os impulsiona na direção do Divino Amor. [1]



A afeição, segundo definição, é um “sentimento de carinho, de ternura por algo ou alguém”. [2] Corroborando as palavras de Joanna de Ângelis, quando diz que “a afetividade é sentimento inato ao ser humano em todos os estádios do seu processo evolutivo”, em O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, temos que o amor é de essência divina e todos nós, indistintamente, carregamos “no fundo do coração a chama desse fogo sagrado.” E tal fato pode ser constatado, muitas vezes, naquele indivíduo, que, por mais abjeto, vil e criminoso que seja tem por um ser, ou por um objeto qualquer, uma afeição viva e ardente, à prova de tudo que tendesse a diminuí-la, e atingindo, frequentemente, proporções sublimes. 

(...) Mas, qualquer coisa que façam, não saberão sufocar o germe vivaz que Deus lhes depositou nos corações, na sua criação; esse germe se desenvolve e engrandece com a moralidade e a inteligência, e, ainda que comprimido pelo egoísmo, é a fonte de santa e doces virtudes que fazem as afeições sinceras e duráveis, e vos ajudam a transpor a rota escarpada e árida da existência humana. [3] 

Em nossa essência existe a necessidade de afeto, ou seja, das experiências de carinho e de ternura que possamos ter para com o mundo à nossa volta. Amar, bem como sentir-se amado e respeitado, representa, desse modo, a convergência de todos os objetivos humanos. No entanto, muitos são os indivíduos que enganam a si mesmos, acreditando que estão buscando, em primeiro lugar, a sabedoria, o dinheiro ou o poder.



A troca de afetos é também fator estimulante de progresso. Sem esse compartilhar “a vida perderia o seu significado, tão eloquente se apresenta na formação da personalidade e da estrutura psicológica do homem e da mulher.” [1]

Por isso, proibir, reprimir ou mesmo restringir as mais variadas manifestações da afetividade somente tem o poder de desviá-la para alternativas que, na maioria vezes, acabam em desequilíbrios. Porque é o conjunto de nossos afetos – ou seja, a nossa afetividade – que caracteriza a conduta de cada um de nós, expressando-se nos sonhos e desejos, nas expectativas, nas palavras, nos gestos...

Em razão do atual estágio evolutivo da humanidade, a vida afetiva ainda é caracterizada por dois sentimentos bastante antagônicos, o amor e o ódio, e estão sempre presentes na vida psíquica de cada um de nós, de modo mais ou menos integrado. É nesse sentido que de Ângelis afirma que esse conjunto de fenômenos psicológicos – a afetividade – manifesta-se através das polaridades positiva e negativa, ou seja, na alegria e na dor, no bem-estar e na aflição, na ternura e na compaixão, na gratidão e no sofrimento. Em outro momento de suas considerações, ela ensina:

Quando se pode entender e se tem olhos de ver, é possível distinguir a afetividade nos mais variados sentimentos humanos, a saber:

o egoísmo é a afetividade a si mesmo;

o ressentimento é a afetividade egoísta que não foi comprazida;

a bondade é a afetividade que se expande;

o ciúme é a afetividade insegura e possessiva;

o trabalho é a afetividade ao dever;

o ódio é a afetividade que enlouqueceu;

o auxílio fraterno é a afetividade em ação;

a vingança é a afetividade que enfermou;

a preguiça é a afetividade adormecida;

o amor é a afetividade que se sublima;

a caridade é o momento máximo de afetividade... [1]



Tais palavras nos levam a refletir sobre a nossa capacidade de sermos afetivos, afetuosos. Será que já podemos sair de nós mesmos, dos nossos conflitos e bloqueios, de modo a oferecer à outra pessoa, seja ela quem for, uma atenção, uma consideração, um carinho a mais, sem que ela nos peça ou mesmo esteja esperando por isso? Jason de Camargo enfatiza:

Dar e receber afeto estão entre as necessidades fundamentais do ser humano. O afeto representa aquele tipo de energia que chega a nós como uma mensagem silenciosa de carinho. No geral, as pessoas que têm dificuldades em receber ou dar carinho é porque possuem bloqueios psíquicos na área da afetividade. Muitas vezes as rejeições afetivas, o desgosto sofrido no passado por pessoas a quem se estimava, as desconfianças demasiadas e outros problemas psicológicos têm levado as pessoas a sofrerem a perda desse contato de capital importância na vida de relações. [4]

A realidade é que a maioria dos indivíduos sofre por questões afetivas, muitas vezes, transformando sua vida numa sucessão de experiências dolorosas pela falta de habilidade para viver em harmonia com os demais. Desse modo, a busca pelo autoconhecimento e a percepção de si mesmo favorecerá a conscientização de que essa inabilidade é a principal responsável pela sensação de vazio interior. Ademais, a solidão somente existe para quem se sente só, mesmo estando rodeado de circunstâncias diversas, capazes, portanto, de propiciarem variadas realizações e satisfações. O espírito Hammed atesta:

Por não admitirmos nossa incapacidade de amar verdadeiramente, é que permanecemos desestimulados e conformados a viver uma existência com fronteiras bem limitadas na área da afetividade. [5]

Amar não significa esperar que alguém nos satisfaça todos os anseios e necessidades que cabe só a nós satisfazer. [6]

A busca pelo amor é legítimo e saudável, bem como estimula, em cada um de nós, o despertar da inteligência e dos potenciais inatos, a fim de crescermos tanto nos campos da religião, do conhecimento, da ciência, como em outros tantos setores do desenvolvimento humano. A afetividade responde “pelas glórias da sociedade, pelo progresso das massas, pelo crescimento da consciência e pela amplitude do conhecimento.” [1]

No entanto, a aspiração pelo amor causa em inúmeras criaturas uma sensação de inadequação, de medo. E, por esse motivo, elas reprimem sua afetividade, voluntária ou inconscientemente, acreditando que o desejo de amar possa representar motivo de fraqueza, de vergonha ou mesmo de submissão. Tais criaturas, por apresentarem um íntimo inseguro e imaturo para a doação – isso porque a afetividade implica em doação e entrega –, são arredias e apresentam, de maneira geral, dificuldades para estabelecer contatos afetivos. Não apenas são de difícil sociabilidade, como também não sabem expressar seus sentimentos, desejos e necessidades.

Existem aquelas também que somente se unem a outras por medo de ficarem sozinhas. Dessa forma, a busca do amor é mascarada pela necessidade de se sentirem amparadas e cuidadas.

Outras, para compensarem sua insatisfação no campo da afetividade, trabalham incessante e exaustivamente, aspirando à aprovação alheia de tudo o que fazem ou acreditam. Querem ser compreendidas, parecerem perfeitas e importantes, impressionarem as pessoas. Em suma, é o anseio de ser plenamente aceita pelos demais, custe o que custar.

Em outros casos, a afetividade é dirigida apenas à determinada pessoa ou grupo de pessoas (filhos, pais, amigos etc), mas de forma excessiva e compensatória. Com isso, sobrecarrega-se a relação, exigindo do outro mais do que ele pode oferecer em termos de manifestações afetivas, carinho, atenção ou – até mesmo! – obediência.

Não rara, então, é a confusão entre amor e poder. Vários comportamentos são justificados como manifestações de amor, quando, na verdade, o que os motiva é o desejo de controle e de poder. É óbvio que todos esperamos ser correspondidos quanto ao afeto que oferecemos, mas isso nem sempre é possível. Quando as expectativas não se encontram bem ajustadas, doar em excesso, quase sempre, significa cobrar em demasia. Dessa forma, as desilusões afetivas, de modo geral, são ocasionadas pelas ilusórias expectativas que se cria em torno dos relacionamentos.



Em razão de a troca de afetos aprimorar-se à medida que a criatura alcança“patamares mais elevados da razão, do discernimento e do amor” [1], a autêntica afetividade também encontra-se associada a um consistente amadurecimento espiritual. Assim, aquela que a possui caracteriza-se pela amorosidade, caridade, generosidade e benevolência, porque seus contatos acontecem em todos os níveis, com todas as pessoas, independente de sexo, idade ou qualquer outra discriminação, propiciando crescimento, sobretudo, àqueles que com ela convive.

Segurança, alegria e sucesso na vida estão diretamente relacionados à capacidade de se estabelecer conexões afetivas caracterizadas pelo comprometimento e desapego. Nessa direção, as palavras finais de de Ângelis são as seguintes:

Em qualquer circunstância libera a tua afetividade desencarcerando-a, a fim de que se expanda e beneficie os demais.

A afetividade é portadora de especial conteúdo: quanto mais se doa, mais possui para oferecer.

É rica, infinitamente possuidora de recursos para expender.

Jamais te arrependas por haveres sido afetuoso.

Não te facultes, porém, uma afetividade exigente, que cobra resposta, que se impõe, que aguarda retribuição.

Atinge o elevado patamar emocional da afetividade que se esquece de si mesma para favorecer a outrem, conforme Jesus a viveu, sem apego nem decepção, por não haver recebido compensação.

A afetividade se completa no próprio ato de expandir-se. [1]

Amor Sempre

“Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”

Mt 22:39


O amor é a emoção máxima que o ser humano consegue sentir no atual estágio de evolução em que se encontra. Ao reafirmar a regra áurea bíblica, o Cristo nos trouxe a certeza de que, por enquanto, nenhum outro sentimento se sobrepõe ao amor.

O próximo mais próximo de nós é a personalidade interna e oculta em nosso íntimo, que nos exige atenção e equilíbrio. Isso não se constitui em justificativa para nos isolarmos das pessoas com as quais estejamos em relação direta. O próximo com quem nos relacionamos externamente terá sempre primazia em relação ao “próximo” interno.

O como a ti mesmo significa a necessidade de nos amarmos como somos, a fim de podermos entender o amor ao próximo. Só verdadeiramente ama o próximo quem se conhece o suficiente para não realizar projeções enganosas.

(...) Podemos tomar a afirmação acima num sentido psicológico estabelecendo que o amor a si mesmo predispõe a mente a permanecer num estado de consciência que permite a compreensão da totalidade à sua volta. Amar a si mesmo é entrar em contato com sua essência íntima, assumindo-se como ser no universo, responsável total e de forma consciente pelos próprios atos, sem transferir sua responsabilidade para terceiros. É a consciência de ser deus e ter Deus em si mesmo.

Psicologicamente, é mais sensato entregar-se à busca do amor universal do que do amor particular. Enquanto este traz predisposições momentâneas e se presta facilmente às projeções, aquele capacita à vida eterna e elimina projeções inconscientes.

(...) O amor ao próximo não se resume ao sentimento de afeição e ternura que temos para com um companheiro ou companheira, para com um parente ou alguém especial em nossa vida. Ele extrapola os limites da consanguinidade e da sexualidade. O amor ao próximo é o amor indiferenciado, sem face nem rótulo, sem restrições, sem bandeira e sem países. É o amor à Vida em toda sua plenitude. É aquele que se tem ao ser humano na sua humanidade e que possibilita a percepção da obra de Deus através dele mesmo.

(...) Esse sentimento de amor para consigo mesmo serve, ao mesmo tempo, para permitir à mente um estado de paz e felicidade, como também para uma espécie de autoterapia preventiva dos estados psíquicos que impedem o bom desenvolvimento da personalidade. Amar alguém como a si mesmo garante, do ponto de vista psíquico, clareza nas percepções dos próprios processos conscientes e, principalmente, inconscientes.

Quando realizamos projeções, isto é, quando notamos, de forma inconsciente, nos outros, características de personalidade que são nossas, não nos damos conta de que a simpatia ou antipatia que nutrimos por aquela pessoa se refere a nós mesmos. Por este ângulo, quem ama ou detesta alguém, o faz a si mesmo. Amar o próximo como a si mesmo pressupõe que as duas atitudes estão intrinsecamente relacionadas. Quanto mais amo o próximo, indistintamente, mais a mim mesmo amo. Quanto mais amo a mim mesmo, sem exagero narcisista, mais sou capaz de amar meu semelhante.

Do ponto de vista psicológico, amar o próximo como a si mesmo é predispor-se ao equilíbrio psíquico e à possibilidade de trabalhar seus conteúdos emocionais, desta ou de outras encarnações, com a certeza de que será bem sucedido no intento.

(...) Amar o próximo como a si mesmo é permitir a manifestação de Deus em nós. [7]





Silvia Helena Visnadi Pessenda


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] ÂNGELIS, Joanna de (espírito); FRANCO, Divaldo Pereira (psicografado por). Diretrizes para o êxito. 2. ed. Salvador, BA: Livr. Espírita Alvorada, 2004. Cap. 26.
[2] iDicionário Aulete. Disponível em: <http://aulete.uol.com.br/afeicao>. Acesso em: 31.10.2012.
[3] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. 11. Item 9. p. 147.
[4] CAMARGO, Jason de. Educação dos sentimentos. 5. ed. Porto Alegre: Letras de Luz, 2003. Cap. 4. p. 78.
[5] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Espelho d’água. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2001. p. 88.
[6] ______. Os prazeres da alma. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2003. Cap. “Afetividade”. p. 51.
[7] NOVAES, Adenáuer. Psicologia do evangelho. 2. ed. Salvador, BA: Fundação Lar Harmonia, 2001. Cap. 11.
NOVAES, Adenáuer. Evangelho e família. 1. ed. Salvador: Fundação Lar Harmonia, 2002.

domingo, 30 de agosto de 2015

Aceitação

A aceitação consiste na adoção do conformismo, principalmente perante as situações desagradáveis, numa passividade sofrida e frustrante?


Aceita a vida que Deus te deu.

Aceite-te como és.

Aceita teus familiares.

Aceita teus conflitos.

Aceita tuas decepções.

Aceita tua parentela.

Aceita tuas dificuldades financeiras.

Aceita tuas desilusões.

Aceita as ingratidões contra ti.

Aceita tudo e todos. [1]



Essas palavras iniciais do Espírito Hammed podem nos suscitar as seguintes indagações: Temos mesmo de concordar com tudo isso? Aceitar significa se conformar com algumas dessas situações, numa passividade sofrida e frustrante?.

Para o desenvolvimento do assunto, entendamos o que significa a palavra aceitar: “Receber (o que é dado ou oferecido). Concordar com, conformar-se com. Admitir, reconhecer.” [2]

Como nos dispormos a receber algo que não desejamos? Como concordar com circunstâncias que não compreendemos?

De início, vejamos o que a Doutrina Espírita tem a nos ensinar. O capítulo V, deO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, intitulado “Bem-aventurados os aflitos”, traz a interpretação espírita para estas palavras de Jesus.

Ao desenvolver o assunto, Allan Kardec explica que as vicissitudes da vida são de duas espécies. Umas têm causa em vivências anteriores e outras têm origem na presente existência. E, se aquele que sofre, atentasse para seu comportamento, perceberia que, em grande número de situações, foi o seu orgulho, sua imprevidência e ambição, ou ainda mesmo seus ilimitados desejos, que o colocaram na presente condição. Assim, o homem evitará suas dificuldades “quando trabalhar para seu aprimoramento moral, tanto quanto para o seu aprimoramento intelectual” [3], pois os sofrimentos que o afligem são, além das consequências de suas opções, a advertência de que errou.

Mas Kardec também aborda os problemas que têm origem em vivências anteriores: eles podem referir-se a provas que o próprio indivíduo escolheu, antes de assumir a presente existência, para que sua evolução acontecesse de maneira mais rápida e efetiva.

E, assim, o Espírito Hammed prossegue com suas considerações sobre a aceitação:

Aceita atos e atitudes e fazes o melhor que puderes.

Aceitar não quer dizer aplaudir e fazer o mesmo, mas compreender que cada um de nós tem e faz o que pode, que cada indivíduo está num determinado grau de evolução. Portanto, aceita o próximo como ele é.

Tu, porém, aceita, mas trabalha em favor do teu adiantamento espiritual e autoconhecimento, a assim serás mais feliz, livre de amargores e sentimentos que te aprisionam a vida interior.

(...) Portanto, aceita-te como és, aceita teu próximo e faze sempre o teu melhor.

Com isso, alcançarás vitória sobre teus conflitos existenciais e encontrarás o devido valor para todas as coisas da vida. [1]


Ainda no mesmo capítulo de O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, podemos encontrar:

O homem pode abrandar ou aumentar a amargura de suas provas pela maneira que encara a vida terrestre. [4] 

Analisar a vida pelo prisma espiritual – procurando compreender o que a Sabedoria Divina designou para cada um de nós – tende a nos fortalecer e a nos proporcionar a devida serenidade perante a dor e o sofrimento.

Uma das emoções que mais derrubam o ânimo de uma pessoa – minando com seu espírito empreendedor e de superação de percalços – é a autocomiseração, ou seja,quando ela sente pena ou dó de si mesma, tornando-se uma criatura amarga, ressentida, frustrada, rebelde...

A infelicidade que passa a sentir, então, é decorrente da visão negativa que alimenta em relação às circunstâncias e às pessoas, superdimensionando tudo aquilo que a aborrece. Mas, ao deixar de alimentar a crença de que viver é difícil – elevando, com isso, a qualidade de seus sentimentos e pensamentos –, passa a compreender que não é a vida que é tão problemática como supõe, mas são as suas atitudes perante a própria existência que a transformam em algo complicado. Com essa mudança de percepção, sua amargura diminui consideravelmente, em razão de, entre outras coisas, deixar de idealizar fatos e pessoas.

No entanto, inúmeros são os aspectos de nosso cotidiano que julgamos estarem além da nossa capacidade de aceitação ou de adequada solução, e pelos quais reclamamos, brigamos e dos quais nos queixamos. Mas quando avaliamos, com a devida acuidade, todo esse dispêndio de energia e frustração, o resultado é quase sempre o mesmo: muitas das coisas que nos importunam continuam as mesmas, não importando o quanto nos enfureçamos em relação a elas.

Embora preferíssemos que algumas coisas fossem diferentes – e não há como negar essa preferência –, necessitamos admitir e reconhecer (e isso é sinônimo de aceitar) que há aspectos em nossa vida que não temos como modificar completamente! E é neste momento que receber, mas com serenidade e sabedoria, o que nos é ofertado pelas situações e pessoas (e isso também significa aceitar), que nos possibilitará a indispensável maturidade em nossas ações e reações.

Das considerações do Espírito Hammed, podemos concluir que aceitar não significa tornar-se apático perante as situações que consideramos desagradáveis ou ser conivente, por exemplo, com o desrespeito à nossa pessoa. A adequada atitude de aceitação implica uma criteriosa e imparcial análise da realidade e a consequente adoção de medidas que tragam não a mera satisfação de caprichos e desejos, mas um legítimo bem-estar.

A vida é feita de ajustes, e todos nós temos o dever de melhorar a própria qualidade de vida. Contudo, tomar atitudes apropriadas e positivas é completamente diferente de sentir-se irritado e frustrado diante de situações que não correspondem exatamente às nossas expectativas.

Muitas de nossas aspirações se concretizam apenas gradativamente, na época e no momento adequados. Fundamental, então, alimentarmos a crença de que a Sabedoria Divina sempre nos reserva algo de bom. Com isso, aceitar também consiste na sustentação de uma paciente espera, principalmente quando o nosso querer igualmente leva em consideração o bem-estar alheio. 

Quando deixamos um espaço em nosso coração para a aceitação dos erros humanos – tanto os nossos com os alheios –, mais facilmente conseguimos admitir e reconhecer que os contratempos da vida são situações que nos competem aprender a superar e a melhorar, ou simplesmente acatar, não carecendo de maiores desgastes de nossa parte. 

Conforme pudemos anotar, Hammed enfatiza: “Aceita tudo e todos”. E por quê? Acreditamos que a resposta pode se encontrar nas seguintes palavras:

Aceitação é a prática da humildade (ou seja, o reconhecimento de que ainda temos muito o que aprender e crescer). Cumpre-nos amar ao Criador e aceitar sua criação, tal como se apresenta. Toda a grandeza do Universo, embora não a compreendamos integralmente ainda, toda a diversificação da Criação, nos diversos reinos da Natureza, estão contidas na aceitação. Nela incluímos nós mesmos, como somos; nela respeitaremos sempre nosso semelhante, qualquer que seja sua condição evolutiva, sua posição na sociedade, sua crença, sua cor, sua raça, seu sexo, sua idade. [5]


RENOVEMO-NOS DIA A DIA



"...Transformai-vos pela renovação de vossa mente, para que proveis qual é a boa, agradável e perfeita a vontade de Deus." – Paulo. Romanos (12:2)


Não adianta a transformação aparente da nossa personalidade na feição exterior.

Mais títulos, mais recursos financeiros, mais possibilidades de conforto e maiores considerações sociais podem ser simples agravo de responsabilidade.

Renovemo-nos por dentro.

É preciso avançar no conhecimento superior, ainda mesmo que a marcha nos custe suor e lágrimas.

Aceitar os problemas do mundo e superá-los, à força de nosso trabalho e de nossa serenidade, é a fórmula justa de aquisição do discernimento.

Dor e sacrifício, aflição e amargura, são processos de sublimação que o Mundo Maior nos oferece, a fim de que a nossa visão espiritual seja acrescentada.

Facilidades materiais costumam estagnar-nos a mente, quando não sabemos vencer os perigos fascinantes das vantagens terrestres.

Renovemos nossa alma, dia a dia, estudando as lições dos vanguardeiros do progresso e vivendo a nossa existência sob a inspiração do serviço incessante.

Apliquemo-nos à construção da vida equilibrada, onde estivermos, mas não nos esqueçamos de que somente pela execução de nossos deveres, na concretização do bem, alcançaremos a compreensão da vida, e, com ela, o conhecimento da "perfeita vontade de Deus", a nosso respeito. [6]


Silvia Helena Visnadi Pessenda





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Um modo de entender: uma nova forma de viver. 2. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2004. Cap. 24. p. 91-92.
[2] MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.
[3] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. V. Item 4. p. 72.
[4] Idem. Item 13. p. 78.
[5] SOUZA, Juvanir Borges de. Tempo de transição. 2. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1990. Cap. 31. p. 265
[6] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Fonte viva. 12. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. 107.

HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Renovando Atitudes. 2. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 1997. Capítulo “A arte da aceitação”.



Literatura não-espírita

CARLSON, Richard. Não faça tempestade em copo d’água com a família: maneiras simples de evitar que as responsabilidades diárias e o caos doméstico tomem conta de sua vida. Tradução de Joana Mosela. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

sábado, 29 de agosto de 2015

Vigilância

A atenção que a vigilância requer poupa-nos de maiores problemas? No que consiste a tentação? O que é ser tentado? A vigilância pode nos precaver das tentações?

No Evangelho de Mateus (26:26-46), temos que Jesus, após a última ceia, e sabedor de que seu fim era próximo, dirigiu-se ao Getsêmani – jardim ou horto situado ao redor de Jerusalém e ao pé do monte das Oliveiras, levando consigo Pedro, Tiago e João. Era noite, e quando chegou ao local, assim lhes disse:“Assentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar. (...) A minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai comigo.” [1]

O significado da palavra vigiar, especificamente nesse caso, equivale a estar de vigília ou sentinela. E estar de vigília é o “estado de quem à noite se conserva desperto, atento”, velando ou tomando conta de algo ou de alguém. Em outras situações, vigiar também pode representar: “observar atentamente; acautelar-se, precaver-se”. [2]

Depois dessas palavras, Jesus se afastou e assim orou a Deus: “Meu pai, se possível passe de mim esse cálice (imagem usada para se referir a um sofrimento, castigo ou prova difícil). Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres.”

E, voltando para os discípulos, encontrou-os dormindo, e foi dizendo a Pedro: “Então, nem uma hora pudestes vós vigiar comigo? Vigiai e orai (ou seja, fiquem acordados e orando comigo), para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.” Podemos afirmar que a intenção dos discípulos até era manterem-se despertos, mas cederam à tentação do sono.

No entanto, a interpretação evangélica para o termo vigiar também diz respeito à necessidade de tomarmos as devidas precauções, sustentando, assim, o indispensável equilíbrio e lucidez, para perceber além das aparências e, com isso, escolher o que verdadeiramente será o melhor para nós, nas várias situações de nosso cotidiano.

Com isso, o “vigiai e orai” consiste em um alerta sempre oportuno a envolver a razão e a emoção de cada um de nós. A razão, porque é através de sua observação atenta e constante que nos conscientizamos de nossas negativas predisposições íntimas. A emoção, porque é ela que nos ajuda a estabelecer, através da prece, uma sintonia mais intensa com Deus e com o plano espiritual superior, de modo a nos fortalecermos, moralmente, perante as dúvidas e os conflitos. Sendo a fé espírita caracterizada pelo uso da razão, necessariamente, ela converge esses dois indutores de nosso aprimoramento intelecto-moral: a mente e o coração.

Quanto à importância desse comportamento cuidadoso, o Espírito Miramez ensina:


Se o homem fosse espírito puro, não estaria reencarnado na Terra, sofrendo as duras consequências deste plano. A evolução é uma lei criada por Deus, e é contemplando os horizontes da Terra, que os espíritos se tornam conscientes das necessidades das lutas que devem empreender, para se libertarem do pesado fardo da ignorância em que se encontram.

Desde os primeiros instantes em que ingressa pelas portas da reencarnação, o espírito carrega consigo a bagagem das experiências e das necessidades, e se vê ante as lutas indispensáveis que vai enfrentar com o dragão dos seus instintos inferiores.

(...) Para o combate, a primeira arma necessária é a vigilância. Quem não aprendeu a vigiar, continua caindo nas armadilhas dos lobos. E como o Evangelho diz que só lobos caem em armadilha de lobos, os que não conseguem vigiar, continuam a ser lobos.

(...) Vigiar constitui a primeira defesa da alma na batalha consigo mesma: policiar suas mais caras experiências contra as investidas do mal que deturpa, da ignorância que desestimula, da sombra que entristece.

O exercício do pensamento poderá ser uma lavoura de conhecimentos inesgotáveis e, desse manejo individual, tiraremos lições valiosas, porque a razão constitui professor insubstituível, no templo do coração.

(...) Com esse exercício, os sentimentos tomarão outros rumos, e a alma entrará na era dos pensamentos puros, frutos da vigilância com Jesus, ensinada pelo Evangelho. A vigilância é a força que constrói, nas almas, as boas tendências. Deves vigiar no pensar, no falar e no viver. [3]



O “vigiai e orai” é um ensinamento tão relevante, que o próprio Cristo deixou um modelo de prece. Assim, no Sermão da Montanha (Mt 6:9-13), ensinou a oração dominical, ou o Pai Nosso, pedindo em um de seus pontos: “e não nos deixeis cair em tentação; mas livrai-nos do mal.” [1]

A tentação traduz-se por um “impulso íntimo dirigido para o pecado, originado dos instintos inferiores ou da malignidade do tentador”. E pecado expressa-se por meio de uma “transgressão da lei, ou de um preceito religioso ou qualquer regra”. [2]

Na realidade, esse desejo mais intenso sempre tem origem em nós, muito embora possa ser estimulado por fora de nós. É nesse sentido que o Espírito André Luiz afirma: “Cada um é tentado exteriormente pela tentação que alimenta em si próprio”. [4]

É natural a todo ser humano possuir anseios e necessidades. E a diligência pela conquista de compensação e gratificação para as suas mais variadas aspirações é que o impulsiona ao desenvolvimento pessoal, à superação de obstáculos, à obtenção de bem-estar. Entretanto, existem criaturas que nem sempre conseguem bem direcionar essa busca de satisfações. Principalmente aquelas que possuem sérias carências íntimas, algumas complicações podem lhes ocorrer, uma vez que procuram concretizar no mundo exterior muito dos anseios conflituosos que alimentam em sua mente e em seu coração. E é nesse contexto que o mecanismo da tentação pode acontecer: quando algo no exterior acena com a possibilidade de uma gratificação interior, porém, de forma inadequada.

Em vista disso, o Espírito Emmanuel realça:


Ser tentado é ouvir a malícia própria, é abrigar os inferiores alvitres de si mesmo (os inferiores desejos, necessidades, anseios), porquanto, ainda que o mal venha de fora, somente se concretiza e persevera se com ele afinizamos (ou seja, se mantemos sintonia), na intimidade do coração. [5]



Daquilo que apreendemos do estudo da Doutrina Espírita, podemos afirmar que, qualquer que seja a tentação, ela sempre representará uma espécie de prova, diante da qual poderemos constatar o grau de nosso adiantamento moral.

Mas, em virtude de esse impulso se caracterizar por uma força viciada que se exterioriza de nós, tende a nos predispor a inferiores e maléficas influências, sejam elas oriundas do mundo físico ou do mundo espiritual, porque toda sintonia com o negativo começa, invariavelmente, com a negatividade que acalentamos no íntimo.



“Cada qual de nós vive e respira nos reflexos mentais de si mesmo, angariando as influências felizes ou infelizes que nos mantêm na situação que buscamos ...” [4]



Daí a importância do alerta de Jesus, o “vigiai e orai”, porque, através da prece, temos a possibilidade de captar, com maior facilidade, a salutar influência dos espíritos que nos amam e que sempre procuram nos intuir nas melhores decisões e atitudes. Se atentarmos para as suas palavras, percebemos que, ao deixar-nos o Pai Nosso, ele não nos ensinou a pedir o afastamento ou supressão das tentações, mas a força necessária para vencê-las.


Sintonia

“Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto” (Mt 7:7)

Todas as coisas que existem no Universo vivem em regime de afinidade. Desde o átomo até os arcanjos tudo é atração e sintonia. Nada que te alcança a existência é ocasional ou fruto de uma reação sem nexo.

Teu livre arbítrio indica com precisão a posição que ocupas no Cosmo, uma vez que cada indivíduo deve a si mesmo a conjuntura favorável ou adversa em que se situa no momento atual.

Vieste da inconsciência – simples e ignorante – e, pela lei da evolução, caminhas para a consciência escolhendo a estrada a ser percorrida.

• Encontrarás o que buscas.

• Tens a posse daquilo que deste.

• Convives com quem sintonizas.

• Conhecerás o que aprendeste, mas somente incorporarás na memória o que vivenciaste.

• Avanças ou retrocedes de acordo com a tua casa mental.

• Felicidade e infelicidade são subprodutos do teu estado íntimo.

• Amigos são escolhas de longo tempo.

• Teu círculo doméstico é a materialização de teus anseios e de tuas necessidades de aprendizagem.

• Pelo seu jeito de ser, conquistarás admiração ou desconsideração.

• O que fizeres consigo hoje refletirá no teu amanha, visto que o teu ontem decidiu o teu hoje.

Com teus pensamentos, atrais, absorves, impulsionas ou rechaças. Com tua vontade, conferes orientação e rumo, apontando para as mais variadas direções. Disse Jesus:‘Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto’.

Sintonia é a base da existência de toda alma imortal. Seja na vida física seja na vida astral, a lei de afinidade é princípio divino regendo a ti, a todos os outros e a tudo.

Observa: viver no drama ou na realidade, na aflição ou na serenidade, na sombra ou na luz, é postura que está estritamente relacionada com teu modo de sentir, pensar e agir. [6]


Silvia Helena Visnadi Pessenda

REFERÊNCIAS

[1] BÍBLIA. Português. Bíblia de estudo Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
[2] MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.
[3] MIRAMEZ (espírito); MAIA, João Nunes (psicografado por). Alguns ângulos dos ensinos do mestre. 5. ed. Belo Horizonte: Editora Espírita Cristã Fonte Viva. Cap. “Vigilância”. p. 63-65.
[4] ANDRÉ LUIZ (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Ação e Reação. 21. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2001. Cap. 8. p. 111.
[5] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Caminho, verdade e vida. 16. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap.129.
[6] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Um modo de entender: uma nova forma de viver. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2004. Cap. 40. p. 145-146.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Os anjos guardiães

Autor: Allan Kardec
"Revista espírita", janeiro de 1859
 
Comunicação espontânea obtida pelo senhor L., um dos médiuns da Sociedade.
 
É uma doutrina que deveria converter os mais incrédulos pelo seu encanto e pela sua doçura: a dos anjos guardiães. Pensar que se tem, junto de si, seres que vos são superiores, que estão sempre aí para vos aconselhar, vos sustentar, para vos ajudar a escalar a áspera montanha do bem, que são amigos mais seguros e mais devotados que as mais íntimas ligações que se possa contrair nesta Terra, não é uma idéia bem consoladora? Esses seres estão aí por ordem de Deus; foi ele quem os colocou junto de nós, e estão aí pelo amor dele, e cumprem, junto de nós, uma bela mas penosa missão. Sim, em qualquer parte que estejais, ele estará convosco: os calabouços, os hospitais, os lugares de deboche, a solidão, nada vos separa desse amigo que não podeis ver, mas do qual vossa alma sente os mais doces impulsos e ouve os sábios conselhos.
 
Por que não conheceis melhor essa verdade! Quantas vezes ele vos ajudou nos momentos de crise, quantas vezes vos salvou das mãos de maus espíritos! Mas, no grande dia, esse anjo do bem terá, freqüentemente, a vos dizer: "Não te disse isso? E tu não o fizeste. Não te mostrei o abismo, e tu nele te precipitaste; não te fiz ouvir na consciência a voz da verdade, e não seguiste os conselhos da mentira?" Ah! questionai vossos anjos guardiães; estabelecei, entre ele e vós, essa ternura íntima que reina entre os melhores amigos. Não penseis em não lhes ocultar nada, porque são o olho de Deus, e não podeis enganá-los. Sonhai com o futuro, procurai avançar nesse caminho, vossas provas nele serão mais curtas, vossas existências mais felizes. Ide! homens de coragem; lançai longe de vós, uma vez por todas, preconceitos e dissimulações; entrai no novo caminho que se abre diante de vós; caminhai, caminhai, tendes guias, segui-os: o objetivo não pode vos faltar, porque esse objetivo é o próprio Deus.
 
Àqueles que pensam que é impossível a espíritos verdadeiramente elevados se sujeitarem a uma tarefa tão laboriosa e de todos os instantes, diremos que influenciamos vossas almas estando a vários milhões de léguas de vós: para nós o espaço não é nada, e mesmo vivendo em um outro mundo, nossos espíritos conservam sua ligação com o vosso. Gozamos de qualidades que não podeis compreender, mas estejais seguros que Deus não nos impôs uma tarefa acima de nossas forças, e que não vos abandonou sozinhos na Terra, sem amigos e sem sustentação. Cada anjo guardião tem o seu protegido, sobre o qual ele vela, como um pai vela sobre seu filho; ele é feliz quando o vê seguir o bom caminho, e geme quando seus conselhos são desprezados.
 
Não temais nos cansar com vossas perguntas; ficai, ao contrário, em relação conosco: sereis mais fortes e mais felizes. São essas comunicações, de cada homem com seu espírito familiar, que fazem todos os homens médiuns, médium ignorados hoje mas que se manifestarão mais tarde, e que se espalharão como um oceano sem limites para refluir a incredulidade e a ignorância. Homens instruídos, instruí; homens de talento, elevai vossos irmãos. Não sabeis que obra cumpris assim: é a do Cristo, aquela que Deus vos impôs. Por que Deus vos deu a inteligência e a ciência, se não para
partilhá-las com vossos irmãos, certamente para avançá-los no caminho da alegria e da felicidade eterna.
 
São Luís, Santo Agostinho.
 
Nota:
 
A doutrina dos anjos guardiães, velando sobre seus protegidos, apesar da distância que separa os mundos, nada tem que deva surpreender; ela é, ao contrário, grande e sublime. Não vedes sobre a Terra, um pai velar sobre seu filho, embora dele esteja distante, ajudar com seus conselhos por correspondência? Que haveria, pois, de espantoso que os espíritos possam guiar aqueles que tomam sobre sua proteção, de um mundo ao outro, uma vez que, para eles, a distância que separa os mundos é menor que aquela que, na Terra, separa os continentes?
 
 Aos Anjos Guardiões E Aos Espíritos Protetores
 
Autor: Allan Kardec
Evangelho Segundo o Espiritismo
 
            11 – Prefácio – Todos nós temos um Bom Espírito, ligado a nós desde o nascimento, que nos tomou sob a sua proteção. Cumpre junto a nós a missão de um pai junto ao filho: a de nos conduzir no caminho do bem e do progresso, através das provas da vida. Ele se sente feliz quando correspondemos à sua solicitude, e sofre quando nos vês sucumbir. Seu nome pouco importa, pois que ele pode não ter nenhum nome conhecido na Terra. Invocamo-lo, então, como o nosso Anjo Guardião, o nosso Bom Gênio. Podemos mesmo invocá-lo com o nome de um Espírito Superior, pelo qual sintamos uma simpatia especial.
 
            Além do nosso Anjo guardião, que é sempre um Espírito Superior, temos os Espíritos Protetores, que, por serem menos elevados, não são menos bons e generosos. São Espíritos de parentes ou amigos, e algumas vezes de pessoas que nem sequer conhecemos na atual existência. Eles nos ajudam com os seus conselhos, e freqüentemente com a sua intervenção nos acontecimentos de nossa vida. Os Espíritos simpáticos são os que se ligam a nós por alguma semelhança de gostos e tendências. Podem ser bons ou maus, segundo a natureza das inclinações que os atraem para nós. Os Espíritos sedutores esforçam-se para nos desviar do caminho do bem, sugerindo-nos maus pensamentos. Aproveitam-se de todas as nossas fraquezas, como de outras tantas portas abertas, que lhes dão acesso à nossa alma. Há os que se agarram a nós como a uma presa, mas afastam-se quando reconhecem a sua impotência para lutar contra a nossa vontade.
 
            Deus nos deu um guia principal e superior em nosso Anjo Guardião, e como guias secundários os nossos Espíritos Protetores e Familiares. É um erro, entretanto, supor que tenhamos forçosamente um mau gênio junto a nós, para contrabalançar as boas influências daqueles. Os maus Espíritos nos procuram voluntariamente, desde que achem possível dominar-nos, em razão da nossa fraqueza ou da nossa negligência em seguir as aspirações dos Bons Espíritos,e somos nós, portanto, que os atraímos. Disso resulta que não somos nunca privados da assistência dos Bons Espíritos, e que depende de nós o afastamento dos maus. Pelas suas imperfeições, sendo ele mesmo a causa dos sofrimentos que o atingem, o homem é quase sempre o seu próprio mau gênio. (Cap. V, nº 4). A prece aos Anjos Guardiães e aos Espíritos Protetores deve ter por fim solicitar a sua intervenção junto a Deus, pedir-lhes a força de que necessitamos para resistir às más sugestões, e a sua assistência para enfrentarmos as necessidades da vida.
 
            12 – Prece – Espíritos sábios e benevolentes, mensageiros de Deus, cuja missão é assistir aos homens e conduzi-los pelo bom caminho, amparai-me nas provas desta vida; dai-me a força de sofrê-las sem lamentações; desviai de mim os maus pensamentos, e fazei que eu não dê acesso a nenhum dos maus Espíritos que tentariam induzir-me ao mal. Esclarecei a minha consciência sobre os meus próprios defeitos, e tirai-me dos olhos o véu do orgulho, que poderia impedir-me de percebê-los e de confessá-los a mim mesmo. Vós, sobretudo, meu Anjo Guardião, que velais mais particularmente por mim, e vós todos, Espíritos Protetores, que vos interessais por mim, fazei que eu me torne digno da vossa benevolência. Vós conheceis as minhas necessidades; que elas sejam satisfeitas segundo a vontade de Deus.
 
            13 – Prece – Meu Deus, permiti que os Bons Espíritos que me assistem possam ajudar-me, quando me achar em dificuldades, e amparar-me nas minhas vacilações. Senhor, que eles me inspirem a fé, a esperança e a caridade, que sejam para mim um apoio, uma esperança e uma prova da Vossa misericórdia. Fazei, enfim, que eu neles encontre a força que me faltar nas provas da vida, e para resistir às sugestões do mal, a fé que salva e o amor que consola.
 

            14 – Prece –  Espíritos amados, Anjos Guardiães, vós a quem Deus, na sua infinita misericórdia, permite velarem, pelos homens, sede o nosso amparo nas provas desta vida terrena. Dai-nos a força, a coragem e a resignação; inspirai-nos na senda do bem, detendo-nos no declive do mal; que vossa doce influência impregne as nossas almas; fazei que sintamos a presença, ao nosso lado, de um amigo devotado, que assista os nossos sofrimentos e participe das nossas alegrias. E vós, meu Anjo Bom, nunca me abandoneis. Necessito de toda a vossa proteção, para suportar com fé e amor as provas que Deus quiser enviar-me.