sábado, 8 de abril de 2017

Ideologia partidária x Doutrina dos Espíritos

"Não temos necessidade absoluta de representantes oficiais do espiritismo em setor algum da política humana"
O legado da tolerância doutrinária não se deve manifestar na forma de omissão diante das enxertias conceituais e ideias anômalas que alguns companheiros intentam impor nas instituições doutrinárias em nome da militância política. Principalmente nas proximidades das disputas para eleições político-partidárias, em que surgem aqui e acolá discussões sobre se o espírita deve ou não candidatar-se a algum cargo eletivo.                                                          
Em verdade, a Doutrina dos Espíritos não estimula o engajamento para funções nas estruturas político-partidárias. E não ajusta sua tribuna a serviço da propaganda partidária de quaisquer candidatos. A tarefa urgente do espírita é a transformação de comportamento individual, a luta pelo ideal do bem, em nome do Evangelho. Agindo assim, os espíritas não estão alheios às questões políticas; engana-se quem pensa o contrário. Os espíritas incorruptíveis, fiéis à família, à sociedade e aos compromissos morais, são, integralmente, cidadãos ativos, que exercem o direito e/ou obrigação (depende do ponto de vista) de votar; porém, sem vínculos com as absurdas contendas ideológico-partidárias.
Se algum confrade estiver vinculado a qualquer partido político, se deseja concorrer como candidato a cargo eletivo, obviamente tem total liberdade de fazê-lo, mas que atue bem longe dos ambientes espíritas, de modo que não camufle, dentro da Instituição Espírita, disfarçada intenção, visando conquistar votos dos frequentadores. O excesso de cautela nesse caso é recomendável; não é questão de preconceitos; é até uma questão de lógica, pois, em se discutindo assuntos da política humana, é inadmissível trazer, para as hostes espíritas, o partidarismo, a ideologia (de “direita”, “esquerda”, “centro”, “ambas” etc. etc. etc.). Conquanto, como cidadão, cada espírita tenha o direito e o livre-arbítrio para militar no universo fragmentado das ideologias político-partidárias, não tem o direito de confundir as coisas. Não esqueçamos que o Espiritismo não é um fragmento da política mundana,  nem tampouco se envolve com grupos políticos sectários, que utilizam meios contraditórios com os fins de poder.
Como vimos, por razões óbvias, repetimos, é imperioso distinguir o interesse de valor inócuo da política humana da excelsa política de Jesus – a “Verdadeira luz que alumia a todo homem”(1). Quando trabalhamos pela erradicação da miséria e da exclusão social, estamos adotando a política “d’Aquele que é desde o princípio”(2). A política do verdadeiro espírita é a favor do ser humano e de seu crescimento espiritual. O espírita consciente não se submete nem se omite diante do poder político, e nem tampouco assume o lugar de “oposição” ou de “situação”. Até porque "o discípulo sincero do Evangelho não necessita respirar o clima da política administrativa do mundo para cumprir o ministério que lhe é cometido. O Governador da Terra, entre nós, para atender aos objetivos da política do amor, representou, antes de tudo, os interesses de Deus junto do coração humano, sem necessidade de portarias e decretos, respeitáveis embora"(3).  
Bezerra e Eurípedes
O primeiro capítulo do Estatuto da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas estabelece a seguinte PROIBIÇÃO (isso mesmo, PROIBIÇÃO!): “AS QUESTÕES POLÍTICAS, DE CONTROVÉRSIA RELIGIOSA E DE ECONOMIA SOCIAL NELA [S.P.E.E.] SÃO INTERDITAS”. Portanto, e por imparcial razão, é inaceitável alguém utilizar a tribuna espírita para propaganda político-partidária. Da mesma forma, é situação deprimente um espírita utilizar palanques eleitoreiros a fim de implorar votos, valendo-se demagogicamente de sofismas e simulacros de “modéstia”, “pobreza”, “humildade”, “altruísmo”, “tolerância”, exaltando suas inigualáveis “virtudes” e colossais obras de “caridade”. Aconselhamos a tais imponderados "espíritas”, mendicantes de votos, que se afastem do Espiritismo e optem por outro credo, a fim de que seja assegurado ao movimento espírita a não contaminação dessa infecciosa política reles e mesquinha de interesses pessoais.
Alguns defensores da politização nas casas espíritas evocam Bezerra de Menezes e Eurípedes Barsanulfo a fim de justificarem seus arrazoados. A carreira política de Bezerra de Menezes iniciou-se em 1861, quando foi eleito vereador municipal pelo Partido Liberal. Foi reeleito para o período 1864-1868 e elegeu-se Deputado Geral em 1867. Novamente foi eleito vereador em 1873. Ocupou o cargo de presidente da Câmara, que atualmente corresponde ao de prefeito do Rio de Janeiro, de julho de 1878 a janeiro de 1881. Nessa época, a intensificação da luta abolicionista teve a adesão de Bezerra, que usou de extrema prudência no trato do assunto. Entretanto, no dia 16 de agosto de 1886, o público de duas mil pessoas que lotava a sala de honra da Guarda Velha, no Rio de Janeiro, ouviu, silencioso e atônito, o famoso médico e político anunciar sua conversão ao Espiritismo. A partir daí, não se envolveu com o partidarismo político.
Quanto a Eurípedes Barsanulfo, foi respeitável representante político de sua comunidade, sem dúvida. Tornou-se secretário da Irmandade de São Vicente de Paula, tendo participado ativamente da fundação do jornal "Gazeta de Sacramento" e do "Liceu Sacramentano". Logo viu-se guindado à posição natural de líder, por sua segura orientação quanto aos verdadeiros valores da vida. Através de informações prestadas por um dos seus tios, tomou conhecimento da existência dos fenômenos espíritas e das obras da Codificação Espírita. Diante dos fatos, voltou completamente suas atividades para a nova Doutrina, pesquisando por todos os meios e maneiras, até desfazer totalmente suas dúvidas. A partir daí, o partidarismo político deixou de ser parte integrante dos anseios do jovem mineiro. 
Não temos necessidade de representantes políticos

Por fortes razões, é necessário que façamos profunda distinção entre Espiritismo e política partidária. Somos “políticos” desde que nascemos e vivemos em sociedade; sim, e daí? A Doutrina Espírita não poderá, jamais, ser veículo de especulação das ambições particulares nesse campo. Se o mundo gira em função de políticas econômicas, administrativas e sociais, não há como tolerar militância política dentro das hostes espíritas. Não se sustentam as teses simplistas de que só com a nossa participação efetiva nos processos políticos ao nosso alcance ajudaremos a melhorar o mundo. Isso é parvoíce ideológica.
Não há como confundir a política terrena de interesses menores com a política do “Filho do Altíssimo”(4). Cada situação na sua dimensão correta. Política partidária, aos políticos pertence, enquanto que prática espírita é atividade para espíritas cristãos. O argumento de que os parlamentares se servem, com o pretexto de "defender" os postulados da Doutrina, ou aliciar prestígio social para as hostes espíritas, ou, ainda, ser uma "luz" entre os legisladores, é argumento ardiloso, desonesto. "NÃO TEMOS NECESSIDADE ABSOLUTA DE REPRESENTANTES OFICIAIS DO ESPIRITISMO EM SETOR ALGUM DA POLÍTICA HUMANA"(5).
Os legítimos estudiosos espiritistas acercam-se da compreensão de viver naturalmente impregnados de bom senso e humildade. Entendem que "a missão da doutrina é consolar e instruir, em Jesus, para que todos mobilizem as suas possibilidades divinas no caminho da vida. Trocá-la por um lugar no banquete dos Estados é inverter o valor dos ensinos, porque todas as organizações humanas são passageiras em face da necessidade de renovação de todas as fórmulas do homem na lei do progresso universal"(6).
Mais uma vez, afiançamos que não se sustentam as teses inúteis de que só com a nossa participação efetiva nos processos políticos ao nosso alcance ajudaremos a “melhorar” o Brasil. Não esqueçamos que o “Rei dos Séculos”(7)cogitou muito a melhora da criatura em si. Não nos consta que o “Filho de Deus”(8) tivesse aberto qualquer processo político-partidário contra ou a favor do poder constituído à época. Portanto, a nossa conduta apolítica (apartidária) não deve ser encarada como conformismo; pelo contrário, essa atitude é sinonímia de paciência operosa, que trabalha sempre para melhorar as situações e cooperar com aqueles que recebem a responsabilidade da administração de nossos interesses públicos.
É acertado lembrar que, nos imperceptíveis consentimentos, vamos descaracterizando o programa da Terceira Revelação. A título de tolerância, diversas vezes fechamos os olhos para a politização nas casas espíritas; entretanto a experiência demonstra que, às vezes, é presumível até fechar um olho, porém nunca os dois. Considerando que nosso mundo é a morada da opinião, é natural que apresentemos para os companheiros militantes políticos desacordos sobre esse tema. Inadmissível, porém, tendo em vista a própria orientação da Doutrina Espírita, é o clima de injunções que se coloca, não raro, envolvendo os que confundem intensidade com agressividade, ou defesa da verdade com inflexibilidade.
Estamos investidos de compromisso mais imediato, em vez de mergulhar no mundo da política saturada por equívocos deploráveis. Por isso, não devemos buscar uma posição de destaque, para nós mesmos, nas administrações transitórias da Terra. Se formos convocados pelas circunstâncias, devemos aceitá-la, não por honra da Doutrina que professamos, mas como experiência complexa, onde todo sucesso é sempre muito difícil. "O espiritista sincero deve compreender que a iluminação de uma consciência é como se fora a iluminação de um mundo, salientando-se que a tarefa do Evangelho, junto das almas encarnadas na Terra, é a mais importante de todas, visto constituir uma realização definitiva e real. A missão da doutrina é consolar e instruir, em Jesus, para que todos mobilizem as suas possibilidades divinas no caminho da vida. Trocá-la por um lugar no banquete dos Estados é inverter o valor dos ensinos, porque todas as organizações humanas são passageiras em face da necessidade de renovação de todas as fórmulas do homem na lei do progresso universal."(9)
Conclusão
Fosse uma sociedade educada para a tolerância recíproca, para o respeito à autoridade, para o trabalho persistente, sem conflitos entre servidores e governo, empresários e trabalhadores, em que as pessoas se unissem para compreender a necessidade dos valores espirituais na vida de cada um ou de cada grupo social, seríamos um país venturoso e pacífico. Muitos podemos admirar a política enquanto ciência, enquanto princípios, enquanto filosofia, mas definitivamente não precisamos nos envolver em partidarismos políticos. Pensamos ser justos em lutar por nossa ação voluntária na Sociedade, seja na ação profissional, seja na ação de cidadania, sem trocar nossa dignidade por politicagens ou conveniências pessoais.

Referências bibliográficas: 
1        João 1:9
2        1 João 2:13
3        Xavier, Francisco Cândido. Vinha de Luz, ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1999, cap. 59
4        Lc 1.32
5        VIEIRA, Waldo. Conduta Espírita, Ditado pelo Espírito André Luiz, Rio de janeiro: FEB, 2001, Cap. 10
6        Xavier, Francisco Cândido. O Consolador, ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1984, pergunta 60
7        1Tm 1.17
8        Mt 2.15
9        Xavier, Francisco Cândido. O Consolador, ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1984, pergunta 60. 

Artigo escrito por Jorge Hesse

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Bebidas Alcoólicas em Eventos Espíritas

"O compromisso do Espiritismo é com a sociedade e sua melhoria, tudo que foge ao bom senso e propaga o vício não reflete os ideais da doutrina codificada por Kardec. Pensemos nisso."
 
Era um alcoolista em recuperação e trazia consigo a vontade de superar a dependência química e psicológica que caracteriza aqueles que se embrenharam pelo vício da bebida alcoólica. Alguns amigos espíritas apresentaram-lhe as lições da doutrina codificada por Kardec, e esta caiu como uma luva em seu desanimado coração. E desde então dedicou-se de corpo e alma ao estudo do Espiritismo, freqüentando o Centro, assistindo as palestras e também servindo na área de assistencial social.
 
 
Todavia, com o organismo ainda intoxicado pelos anos de consumo do álcool, era com freqüência que se via tentando a dar o último gole, que em realidade não seria o último, mas o primeiro de sua recaída.
 
E no dia 10 de outubro de 2006, encontrou-se novamente com o vício, tomando aquele malfadado gole da recaída. Curioso notar que não fez uso da bebida alcoólica em algum bar ou lanchonete, mas sim na festa beneficente promovida pelo centro espírita que freqüentava, onde os dirigentes levaram cervejas e vinhos com a desculpa de que se não houvesse bebida alcoólica o evento ficaria às moscas. Sucumbiu justamente no lugar que deveria servir de apoio para sua recuperação.
 
O Espiritismo tem função sociológica das mais relevantes na sociedade contemporânea. Ao difundir a necessidade de aperfeiçoamento moral e intelectual constante do indivíduo, presta importante colaboração para que se extirpem males sociais que são responsáveis pela infelicidade e desdita de muitos povos e pessoas. E o álcool é um desses males sociais que desagregam famílias, promovendo crimes e facilitando a derrocada moral de muita gente.
 
A história acima, caro leitor, foi inspirada em um relato feito por um amigo, "chateado" com a iniciativa de alguns dirigentes espíritas de uma cidade de nosso Brasil, que andam promovendo festas beneficentes regadas a bebida alcoólica, com a desculpa de que se não houver bebida o evento ficará vazio.
 
Lamentável que isso ocorra. Mas a realidade é que os centros espíritas irão sempre refletir as tendências de suas lideranças. Se lideranças saudáveis, baseadas na legítima vontade de difundir os postulados de Kardec, teremos Centros coerentes, atuando com o bom senso ensinado pelo codificador. Contudo, se lideranças com idéias equivocadas, desvirtuando propósitos, teremos centros espíritas inabilitados a ensinar o Espiritismo.
 
Ao proclamar que o verdadeiro espírita é aquele que se esforça por superar suas mazelas morais, Kardec deixou claro que o Espiritismo não pede indivíduos perfeitos, mesmo porque sabe que estes não existem neste planeta, mas sim indivíduos comprometidos com o trabalho de sua melhoria íntima que redunda em melhoria coletiva. Ou seja, não obstante as nossas limitações inerentes à condição humana, podemos superar nossas más inclinações e tornar o centro espírita um local de bênçãos a refletir nosso real compromisso com a renovação.
 
Em relação a justificativa dos dirigentes de que se não houver bebida alcoólica o evento beneficente ficará às moscas, afirmamos que é desprovida de lógica e bom senso. O Espiritismo não tem compromisso de agradar a gregos e troianos, portanto, não há qualquer vinculo da Doutrina Espírita com bebidas alcoólicas e quantidade de pessoas que haverá em um evento beneficente. O compromisso do Espiritismo é oferecer recursos de esclarecimento para que o ser humano desperte às realidades além da matéria, educando-se a fim de compreender os mecanismos que regem as leis da vida.
 
O compromisso do Espiritismo é com a sociedade e sua melhoria, tudo que foge ao bom senso e propaga o vício não reflete os ideais da doutrina codificada por Kardec. Pensemos nisso. 
 
Artigo de Wellington Balbo, trabalhador da USE Intermunicipal de Bauru

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Impaciente x Aborrecente- Este "conflito" parece não ter solução.

Este "conflito" parece não ter solução. Rogério Migoez

Conflito Incontáveis textos espíritas têm sido escritos sobre a família. Dada a sua inegável importância, variados aspectos desta instituição vêm sendo analisados, comentados, explorados, visando melhor entender todas as suas nuances. Justifica-se assim, plenamente, a abordagem frequente do tema para o nosso máximo esclarecimento e conscientização da necessidade de aproveitamento das inúmeras oportunidades de crescimento oferecidas pela organização familiar. Notória lei de Deus, consagrada pelo Espiritismo, como não poderia deixar de ser, estabelece o mecanismo básico mais adequado para promover o progresso dos Espíritos. Tal foi também a preocupação de Allan Kardec, ao registrar em O Livro dos Espíritos(1): “Qual seria, para a sociedade, o resultado do relaxamento dos laços de família? “Uma recrudescência do egoísmo.” Dentre as possíveis posições ocupadas por Espíritos no seio de uma família, considerando o sentido estrito, existem a de pais ou fi lhos, quando respeitadas, possibilitam também a continuação regular da espécie, atendendo a outra importante lei divina, a da reprodução. Antes da reencarnação, geralmente, há acertos entre Espíritos, empenhando-se já do lado de lá a manter e estruturar mais uma família. Estes compromissos têm as suas raízes na lei de ação e reação, ou seja, nas diversas interações e vivências comuns entre estes Espíritos em outras muitas vidas, que agora determinam ajustes e resgates entre todos. Contudo, ao chegar à Terra, após mais um reingresso na carne, acontece a benção do provisório esquecimento do passado(2), e os familiares, mesmo reiteradamente avisados pela voz da consciência e regularmente orientados pelos seus guias espirituais, em muitos casos acabam por negligenciar seus compromissos, relaxando os cuidados devidos nos relacionamentos familiares, tornando estes últimos problemáticos a ponto de causar, quando não bem vivenciados, a ruptura total ou a quebra parcial do organismo familiar, com prejuízos claros para os componentes do grupo e para a sociedade. Futuros pais se obrigam a bem orientar certos Espíritos quando sob sua guarda temporariamente permanecerão encarnados, todavia, alguns se impacientam, agindo de forma quase passional quando não há o atendimento de suas particulares expectativas em relação à prole, esquecidos da realidade, pois, seus rebentos, de fato, não lhes pertencem, antes são fi lhos de Deus e foram criados originalmente por Ele. Não se lembram, da mesma forma, que os fi lhos são Espíritos independentes com extensa bagagem particular forjada em muitas vidas, sendo em alguns casos mais antigos do que os próprios genitores. Estes fi- lhos agora detêm tendências e inclinações inatas construídas em vivências passadas, quando estiveram integrando outros agrupamentos familiares. Elaboraram gradativamente traços de personalidade a se manifestarem espontaneamente, sem terem sido incentivados ou recebido quaisquer exemplos paternos. Nem sempre estes traços antigos de caráter são positivos, daí a necessidade imperiosa dos pais em primar pela mansidão e pela pacifi-cação. Os fi lhos, por sua vez, de igual modo, não se recordam de seus pais como aqueles mesmos compromissados a tentar (re)orientá-los dentro de suas possibilidades, tornando-se rebeldes a todas as tentativas de (re)educação por parte dos impacientes, transformando-se, pouco a pouco, em consequência, em alguns casos, nos assim conhecidos aborrecentes. Tornam-se avessos a tudo, contestam os continuados esforços dos pais em aconselhá-los, alegando melhor preparo para a vida. Os pais são considerados antigos, obsoletos, arcaicos para uma vida moderna e tecnológica, tal qual se apresenta contemporaneamente. Este “conflito” parece não ter solução, considerando, à primeira vista, tudo indicar a existência constante de um enorme fosso de entendimento e possível intransigência entre uns e outros, oriundo do próprio progresso do planeta, ao 593 Dezembro de 2014 avançar rapidamente e, bem como, do possível progresso realizado na erraticidade. Ora, se os Espíritos formadores da família se encontrarão sempre razoavelmente defasados em evolução, é de se esperar embates contínuos entre gerações a se repetirem indefinidamente. Entretanto, felizmente, este não é o caso, pois na medida da aproximação dos Espíritos na escala evolutiva, em função de seus esforços – e isto faz parte da programação de Deus –, as gritantes diferenças tornam-se cada vez menores, não criando mais tantos desentendimentos entre genitores e fi lhos. Nós, Espíritos eternos, à parte certos períodos de estacionamento, estamos em evolução contínua, aparando deste modo as arestas a se apresentarem por ora bem ásperas, características marcantes do mundo de provas e expiações onde vivemos, mas, em vias de se tornar mundo de regeneração. Além disso, dependendo de como pais e fi lhos se conduzem, no ambiente familiar, sendo mais brandos e cuidadosos mutuamente, agindo com mais compaixão, os confl itos de origem cármica, muitas vezes, se atenuam, podendo mesmo desaparecer. Nada nos obriga a agir desta ou daquela forma, temos livre-arbítrio; deste modo, mesmo apresentando-se a possível lacuna de entendimento estre familiares, estes podem superar os atritos pelo exercício continuado das muitas virtudes conhecidas. A propósito, tudo indica ser a paciência uma das mais importantes virtudes para o sucesso da família, que deve ser entendido como convivência harmônica com aproveitamento das oportunidades de crescimento propiciadas pelo grupo familiar. Sobre esta nobre virtude há posição de muita sabedoria, expressa por Vinícius, em seu livro Em torno do mestre(3). Nesta obra o autor, certamente inspirado, esclarece sobre o conhecido dito popular: perdi a paciência. Esta expressão, usada tão corriqueiramente por todos quando se configura situação de acentuado desconforto ou atrito e explodimos em revolta, não se sustenta, considerando que só se perde o que se tem. Ao desenvolver virtudes, seja qual for, diz a lei de Deus não ser possível o desaparecimento destas conquistas da intimidade do ser; não mais se apagam, mesmo após os continuados processos de desencarnação e reencarnação.  “ O conflito entre pais e filhos é quase inevitável, cabendo aos dois lados exercer a tolerância e a compreensão mútua para diminuir o abismo que separa duas gerações. 594 Dezembro de 2014 é tesouro inalienável, é um dos dois exemplos daquilo a ser seguramente levado desta vida, o outro são as conquistas do intelecto. Neste particular caso, o uso correto da expressão popular deveria ser: ainda sou impaciente! Não detenho a virtude da paciência!... No relacionamento entre pais e fi lhos, cabe aos primeiros, em princípio, a maior responsabilidade de encaminhamento de solução nos conflitos familiares. Pelo fato de terem sido aceitos ou se apresentado como futuros educadores de outros Espíritos, isso indica um preparo maior, pois Deus não designaria, pelas suas leis sábias, Espíritos despreparados para, sob sua guarda, ensinar outros Espíritos durante uma vida. Não seria prudente. Ademais, os progenitores já tiveram também a escola do mundo para se preparar, encontrando-se, em tese, em melhores condições para orientar os fi lhos, através do entendimento de aspectos da vida já absorvidos, contudo, novas situações para os seus descendentes. Para o triunfo da família, neste caso em análise, como em outros, deve existir muita tolerância de ambos os lados, compreensão mútua, respeito às individualidades, às bagagens de experiência de uns e outros, afinal cada qual em sua posição na família pode aprender com o outro. O êxito em família, igualmente, não se deve esquecer, depende muitíssimo do exercício continuado do amor, virtude máxima que tudo conquista, tudo pode e engloba todas as outras. A tarefa é grave e de muita responsabilidade, e para não acreditar- -se ser a paternidade ou a maternidade mera situação biológica e passageira, basta recordar o livro Família(4), quando Emmanuel elucida ser o lar o local onde recebemos o nosso primeiro mandato de serviço cristão. Poderíamos acrescentar para todos os desejosos em conhecer as suas particulares missões nesta vida, a organização familiar, seja na paternidade seja na maternidade, que representa a primeira missão para Espíritos reencarnados. Há seguramente outros possí- veis caminhos para vencer em família, entretanto, podemos com certeza afirmar serem as atitudes sugeridas abaixo, acertadas providências nos auxiliando a alcançar este desiderato: Sejamos menos impacientes! Sejamos mais compassivos! Sejamos menos passionais! Pacifiquemos, agindo com regular manisidão. n 1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 69. ed. Rio de Janeiro: FEB Editora, 1987. Parte 3ª, cap. VII, q.775. 2. Reformador, ano 130, n, 2197, p. 32-34, Abril de 2012. 3. VINÍCIUS (pseudônimo de Pedro de Camargo). Em torno do mestre. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB Editora, 1985. p. 24 a 26. 4. XAVIER, Francisco C. Família. Espíritos Diversos. 1. ed. São Paulo: CEU, 1981. p. 24. O autor é engenheiro e integrante da USE de São José dos Campos-SP.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

A força do exemplo

Reformador | Dezembro de 2014 devemos sempre concentrar todos os nossos esforços nesta direção; se porém, não for, precisamos redirecionar a nossa atenção para o foco real, sem esquecer também a valiosíssima e tradicional divulgação. Em relação à primeira questão, é preocupante a conduta de alguns em alterar, acrescentar ou suprimir palavras e sentenças contidas em texto espírita. Muitas passagens dos Evangelhos foram afetadas por esta prática, fato previsto por Jesus, levando-o à promessa de nos enviar outro Consolador. Seus ensinos, sabia-o Ele, seriam esquecidos e deturpados, pois o Espírito, ainda em evolução, divisando um ponto de vista que não consegue bem compreender ou aceitar, ao transcrevê-lo ou divulgá-lo, altera-o, consciente ou inconscientemente, de modo a ajustar a ideia às suas limitações de entendimento, adaptando as ideias alheias aos seus próprios princípios e experiências. Devemos ser fiéis aos conceitos de outrem, independentemente se os aceitamos ou não em nosso íntimo. É regra, dentro da área de comunicação, jamais modiJcar o texto de um autor ao citá-lo, exceto se houver menção à modiJcação, fazendo as ressalvas necessárias. Se desejarmos divulgar opiniões outras, quando positivas, prá- tica muito salutar, é imperioso sermos fiéis ao original. Considerando a segunda questão em análise, cremos ser o desconhecimento a causa maior, justificando a posição dos disseminadores da máxima em avaliação. Do que conhecemos, há no livro Estude e viva, 1 escrito com ditados alternados dos Espíritos Emmanuel e André Luiz, um capítulo intitulado Socorro oportuno, da autoria de Emmanuel em que se encontra a forma original da tão propalada frase. Analisando, contudo, o seu conteúdo, conclui-se não ser exatamente esta a proposta de Emmanuel, conforme segue: Lembra-te deles, os quase loucos de sofrimento, e trabalha para que a Doutrina Espírita lhes estenda socorro oportuno. Para isso, estudemos Allan Kardec, ao clarão da mensagem de Jesus Cristo, e, ou no exemplo ou na atitude, na ação ou na palavra, recordemos que o Espiritismo nos solicita uma espécie permanente de caridade – a caridade da sua própria divulgação. (Destaques nossos.) Observa-se no texto menção a exemplo, atitude e ação, que são condutas claramente voltadas ao nosso dia a dia de espíritas. A última orientação de Emmanuel, que se refere à palavra, até poderia ser interpretada por dita ou escrita, mas, mesmo assim, nada sugere ser a palavra escrita, entre as quatro propostas citadas, a representante da maior caridade a se fazer pelo Espiritismo. Além disso, Emmanuel não elencou prioridades, simplesmente disse “caridade permanente”. Esta ligeira reflexão feita sobre o parágrafo não poderia apontar para outra dire- ção, caso contrário, Emmanuel estaria em contradição com Allan Kardec. Plenamente cônscio desta realidade, o mestre de Lyon, desencarnado em 31 de março de 1869, comparece em Espírito na sessão de 30 de abril de 1869, na Sociedade de Paris, apenas um mês após a sua desencarnação, e, em uma comunicação, registra esta sábia recomendação sob o título: O exemplo é o mais poderoso agente de propagação, entre tantas outras emitidas durante sua frutífera vida. Esta lúcida posição do Prof. Rivail consta da última edição da Revista Espírita, 2 de onde destacamos apenas um trecho bem objetivo, de interesse para o caso em exame: Venho esta noite, meus amigos, falar-vos por alguns instantes. [...] Tenho ainda alguns conselhos a vos dar quanto à marcha que deveis seguir perante o público, com o objetivo de fazer progredir a obra a que Dezembro de 2014 | Reformador 53 755 devotei a minha vida corporal, e cujo aperfeiçoamento acompanho na erraticidade. O que vos recomendo, principalmente e antes de tudo, é a tolerância, a afeição, a simpatia de uns para com os outros e também para com os incrédulos. [...] As brochuras, os jornais, os livros, as publicações de toda sorte são meios poderosos de introduzir a luz por toda parte, mas o mais seguro, o mais íntimo e o mais acessível a todos é o exemplo na caridade, a doçura e o amor. (Destaques nossos.) Vale a pena o registro quando, mais à frente, nesta mesma mensagem, Allan Kardec, destaca a importância da Gdelidade: Que o mais perfeito acordo, a maior simpatia e a mais singular abnegação reinem no seio da Comissão. Espero que ela saiba cumprir com honra, Fidelidade e consciência o mandato que lhe é confiado. (Destaque nosso.) Cremos ser o texto claro e suficiente, sem dar margem a outras interpretações, atestando a preocupação de Allan Kardec ao recomendar ser o exemplo o mais seguro, íntimo, acessível e poderoso (este último está no título da mensagem) agente de divulgação da Doutrina, exemplo este intimamente direcionado à conduta caridosa, entre todos, sejam ou não espíritas. Nada há a estranhar, considerando também o primeiro livro escrito por Allan Kardec, O livro dos espíritos, 3 quando, ao tratar do tema A Prece, registrou: Poderemos utilmente pedir a Deus que perdoe as nossas faltas? “Deus sabe discernir o bem do mal; a prece não esconde as faltas. Aquele que a Deus pede perdão de suas faltas só o obtém mudando de proceder. As boas ações são a melhor prece, por isso que os atos valem mais que as palavras.” (Destaques nossos.) O senso comum confirma serem os atos mais valiosos que mil palavras e poderíamos, por extensão, dizer também valer mais do que mil textos, imaginando a palavra dita e a escrita. Assim o diz igualmente a máxima popular: “A palavra convence, o exemplo arrasta”. Não há nesta análise, nenhuma oposição à boa prática da divulgação doutrinária, por qualquer meio lícito e mídia possível. Tal conduta, importante, nobre, meritória e permanente, conforme recomenda Emmanuel, sempre será bem- -vinda e louvada. Entretanto, dada a inquestionável força do exemplo, cremos deveria o mesmo receber a máxima atenção dos espíritas: na família; na atividade profissional; na seara religiosa e na sociedade, o que representa, isto sim, a maior caridade a ser feita pela Doutrina. Agindo assim, nos faremos (re)conhecidos dentro do organismo social por muito nos amarmos; seremos identificados na coletividade como praticantes da verdade, da honestidade, da honradez, da lisura no falar e, principalmente, no agir, ou seja, Fiéis cumpridores da lei de justiça, de amor e de caridade. Dessa forma nos tornaremos divulgadores vivos da Doutrina onde estivermos, verdadeiros propagandistas dos princípios do Espiritismo, atraindo todos os desejosos dos bons exemplos; dos homens íntegros; dos seguidores e praticantes da ética e da moralidade, tão escassos em nossa sociedade moderna. Em poucas palavras: dos homens de bem. REFERÊNCIAS: 1 XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. Estude e viva. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 14. ed. 2. imp. Brasí- lia: FEB, 2013. cap. 40. 2 KARDEC, Allan. Revista espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 12, n. 6, jun. 1869. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Dissertações Espíritas, p. 257. 3 ____. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 93. ed. 1. imp. (Edição 

terça-feira, 4 de abril de 2017

Calar a discórdia

De que lhe adianta vencer um debate, se a causa que você defende sofre com isso?
 
 
A harmonia plena ainda constitui um sonho distante de qualquer organização humana.
 
 
Os homens guardam grandes diferenças entre si.
 
Diversos fatores induzem a distintas formas de entender e viver a vida.
 
A educação recebida no lar, as experiências profissionais e afetivas, os professores e os amigos.
 
Todos esses elementos contribuem para a singularidade da personalidade humana.
 
A diversidade produz a riqueza.
 
Se todos os homens pensassem do mesmo modo, o marasmo e a mesmice tomariam conta do mundo.
 
Uma assembléia ou equipe composta de forma heterogênea possui grande potencial.
 
Ocorre que conviver em harmonia com o diferente pressupõe maturidade.
 
Em qualquer gênero de relacionamento humano, é necessário respeitar o próximo.
 
Mas é preciso também manter o foco em um objetivo maior.
 
Toda associação humana possui uma finalidade.
 
No âmbito profissional, busca-se o crescimento da empresa na qual se participa.
 
Na esfera familiar, colima-se a educação e o preparo de seus membros para a vida, em um contexto de dignidade.
 
Em uma associação filantrópica, tem-se por meta a prática do bem.
 
A noção clara do objetivo que se persegue facilita a convivência.
 
O fato de alguém discordar de suas idéias não significa que esteja contra você.
 
O relevante é verificar qual o modo mais eficiente de atingir a meta almejada pelo grupo.
 
A convivência humana raramente deixa de produzir algum atrito.
 
Mas é preciso saber calar a discórdia.
 
Se o embate de idéias e posições não é ruim, a agressividade e o radicalismo sempre o são.
 
Pense sobre as instituições que você integra.
 
Sua presença em tais ambientes visa ao interesse coletivo, ou à exaltação de seu ego?
 
É melhor afastar-se delas do que, por mesquinharia, ser causa de desestabilização e brigas.
 
Mas o ideal é aprender a sacrificar seu interesse pessoal em prol de uma causa maior.
 
Se uma controvérsia surge, reflita com serenidade sobre os pontos de vista envolvidos.
 
Caso sua posição não seja defensável, abdique dela.
 
Procure ser um elemento pacificador nos meios em que se movimenta.
 
Há pouca coisa tão cansativa quanto um altercador contumaz.
 
Certas posturas são toleráveis apenas em pessoas muito jovens.
 
Na maturidade, a rebeldia e a vaidade sistemáticas são ridículas.
 
Não canse seus semelhantes, com posições inflexíveis e injustificáveis.
 
Aprenda a ceder e a compatibilizar, quando isso não comprometer sua honestidade e sua ética.
 
De que lhe adianta vencer um debate, se a causa que você defende sofre com isso?
 
O homem sábio identifica quando deve avançar e quando deve recuar.
 
Mas sempre o faz de forma sincera e digna.
 
De nada adianta afetar concordância e semear a discórdia nos bastidores.
 
A dissimulação e a intriga são indignas de uma pessoa honrada.
 
Reflita sobre isso, quando se vir envolvido em debates e contendas.
 
Quando se engajar em uma causa, sirva-a com desinteresse.
 
Jamais se permita servir-se dela para aparecer.
 
Mas principalmente nunca a prejudique por radicalismo e imaturidade.
 
Texto retirado do site do "Momento Espírita": momento.com.br

segunda-feira, 3 de abril de 2017

A Síndrome do Melindre

Não se deve comprometer a causa simplesmente para atender aos caprichos de alguém

 
Os melindres são os verdadeiros fantasmas de um Centro Espírita. Associado às mágoas e ressentimentos, contribuem para fragilizar os laços humanos. Kardec nos falou, em dois momentos, sobre esse fantasma. Destacamos, primeiramente, o escrito em Obras Póstumas (1ª Parte – O Egoísmo e O Orgulho): "A exaltação da personalidade leva o homem a considerar-se acima dos outros. Julgando-se com direitos superiores, melindra-se com o que quer que, a seu ver, constitua ofensa a seus direitos." 
 
 
Obviamente, Kardec relaciona o melindre como decorrência do orgulho ferido, associado a um sentimento de inflação do ego. Num segundo momento, em discursos pronunciados nas Reuniões Gerais dos Espíritas de Lyon e Bordeaux afirma: "Há, ainda, aqueles cuja susceptibilidade é levada ao excesso; que se melindram com as mínimas coisas, mesmo com o lugar que lhes é destinado nas reuniões, se não os põem em evidência(...)". 
 
Pode-se compreender o melindre, pelo viés psicológico, como um artifício usado pelo ego para preservar sua própria identidade. De tal forma, que quando o ego se sente "ameaçado" (ou desestabilizado por algo ou alguém), reage através de um "fechamento psíquico", de um retraimento emocional, visando preservar, numa atitude defensiva e imatura, as estruturas (orgulho, vaidade...) do próprio Eu. 
 
Em certa Sociedade Espírita, um trabalhador tinha por hábito, no momento do passe, apertar a cabeça dos atendidos com as mãos. Imagine! Sendo alertado (educadamente) por um dirigente da Instituição, que tal prática não se coaduna com os ensinos espíritas, ficou... "melindrado". Em um grupo de estudos, alguém ao fazer a leitura de O Livro dos Espíritos, leu errado uma palavra. Um dos integrantes lhe corrigiu, naturalmente. A pessoa se melindrou e quase abandonou o estudo. Poderíamos ficar exaustivamente citando inúmeros exemplos. 
 
Quando a pessoa se sente melindrada, deve se questionar sobre isso. O certo é que o melindre está associado, no mínimo, a três elementos básicos: orgulho ferido, insegurança pessoal e baixa autoestima. Dessa forma, o melindre seria um primeiro estágio de outros sentimentos que poderão se seguir, como a mágoa, o ressentimento, a raiva e até a agressividade. 
 
Há determinadas contingências que podem tornar a pessoa mais propícia ao melindre, como estresse, separação conjugal, problemas familiares, desemprego, a experiência de uma frustação, etc.
 
O fortalecimento emocional e espiritual é imperativo para o enfrentamento de tais desafios. O melindre e seus derivados, quando não administrados, significam a negação do próprio sujeito, enquanto ser que possui responsabilidades por sua evolução.
 
Mas Allan Kardec também nos fala da "indulgência recíproca" que deveria mover os seres humanos, situados num patamar de incompletude espiritual. Indulgência para com as imperfeições dos outros não é sinônimo de inoperância diante do erro. Ou seja, no grupo espírita não é razoável, diante de algo que esteja errado, fazer-se silêncio, simplesmente, para não "melindrar" este ou aquele. O compromisso maior de todos é com a Doutrina Espírita em primeira instância, e com a instituição 
em segunda. 
 
A forma de abordagem é que deve estar fundamentada na indulgência, não o erro. A grande questão é que necessitamos dissipar essas relações melindrosas e inócuas, que em nada contribuem para a vida de relação, substituindo-as por atitudes verdadeiramente cristãs. O Espiritismo é uma doutrina de vida para "uso diário". 
 
Quando percebermos que é forte o impulso para melindrar-nos ou magoar-nos, busquemos o recurso da oração, imediatamente, a fim de administrarmos mentalmente esses corrosivos sentimentos, adversários da paz. A oração é valioso recurso para a manutenção do equilíbrio da alma, pois potencializa o pensamento para os ângulos positivos da vida, buscando a serenidade das emoções. 
 
Portanto, há duas questões fundamentais: a responsabilidade de administrarmos esses sentimentos em nós, e como agirmos diante dos melindres alheios. Somos de opinião que não devemos ter, na Casa Espírita, uma preocupação exagerada com os melindres e os melindrosos para não nos tornarmos reféns deles. Exige-se, como é natural em qualquer outra instituição, que se discuta fraternamente projetos, metas, trabalhos, questões doutrinárias etc., que se busque dar cumprimento aos normativos da instituição, tais como o Estatuto e o Regimento Interno. As atividades de qualquer Centro Espírita necessitam obedecer a certas disciplinas, e os trabalhadores e estudantes necessitam estar inseridos nesse contexto para o bom funcionamento da instituição. Tudo isso sem dogmatismos, sem autocracias ou fundamentalismos. Jamais, sob qualquer pretexto, poderá se cercear a liberdade de pensamento e expressão de quem quer que seja. 
 
Todavia, deixar de cumprir os normativos, sob pretexto de "não melindrar" este ou aquele indivíduo é, no mínimo, um despropósito associado à irresponsabilidade daqueles que possuem a função de administração. Tornar-se omisso para não se "indispor" com alguém, é uma postura totalmente equivocada, fundada numa lógica perversa, que contribui para aumentar os problemas da Instituição. Arrolam-se desculpas do tipo: "necessitamos ser tolerantes", "caridosos", "pacientes"... E, enquanto demonstramos nossas "virtudes" (desvirtuadas) para não ferirmos as "almas frágeis" de nosso Centro, a disciplina, os desvios doutrinários, as inoperâncias, os desvios monetários, assolam livres. 
 
Torna-se necessário pensarmos sobre os limites da "tolerância" no âmbito das Casas Espíritas. Não se trata, obviamente, da adoção por parte dos dirigentes, como já observamos, de posturas fundamentalistas ou verticalizadas. A tolerância com quem está seriamente comprometido com a Causa tem seus limites naturais. Não se deve comprometer a Causa, simplesmente para atender aos caprichos de alguém. Uma orquestra necessita, para o grande concerto, estar o mais bem afinada possível. Aquele candidato a músico que não aprendeu a tocar para estar em sintonia com o conjunto não poderá participar diretamente do concerto. 
 
Por isso, trabalhadores e estudantes que não estejam afinados com o grupo e com a orientação doutrinária e/ou administrativa, melindrando-se com facilidade diante dos mínimos eventos, terminam por afastarem dos labores assumidos. É necessário respeitar a decisão de cada um. 
 
A filosofia da convivência implica numa ética do cuidado. Assim como a permissividade ou a indiferença projetam seus frutos negativos para a instituição, da mesma forma deve-se cuidar com a síndrome da intolerância. Em tudo na vida o bom senso é imperativo para uma performance positiva. Constata-se atualmente uma cultura dos extremos, dos "oito ou oitenta", tudo em nome de uma busca por afirmação, muitas vezes, do próprio narcisismo.
 
Associado, por extensão, aos melindres e mágoas, encontra-se o ressentimento. A psicanalista Maria Rita Kehl, em seu livro sobre o assunto, analisa o que denomina de "ganhos 
subjetivos do ressentimento". Para ela, o ressentido é um vingativo não declarado. Mas também é alguém que atribui sempre a um outro a culpa por seus agravos. O ressentido assume papel de vítima e, com isso, foge das responsabilidades que cabem no processo. Aí estão os ganhos do ressentimento! Revestir-se da vitimização, criar a figura de um culpado exclusivo para manter-se numa postura cômoda de alguém livre de responsabilidades. É sem dúvida, um mecanismo perverso do Eu (conscientemente ou não) que denota um nível de imaturidade psicológica associada a uma morbidez da alma. 
 
( Do livro: A convivência na Casa Espírita: reflexões e apontamentos com base nas instruções de Allan Kardec, de Jerri Roberto Almeida.Porto Alegre: Editora Francisco Spinelli, 2ª ed, 2011, pag. 57 a 61). 

domingo, 2 de abril de 2017

As Dificuldades de um “Morto” que não se Preparou

Frederico Figner, que no livro Voltei adotou o pseudônimo de “irmão Jacob”, psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier, foi diretor da Federação Espírita Brasileira e espírita atuante, prometeu escrever do além tão logo lá chegasse.
Quando encarnado, acreditava que a morte era uma mera libertação do espírito e que seguiria para as esferas de julgamento de onde voltaria a reencarnar, caso não se transferisse aos Mundos Felizes. Mas, conforme seu depoimento, o que aconteceu após a sua desencarnação não foi bem assim.
Deixou-nos um alerta. “Não se acreditem quitados com a Lei, atendendo pequeninos deveres de solidariedade humana.”
Irmão Andrade, seu guia espiritual, ajudou na sua desencarnação. Ele sentiu dois corações batendo. A visão alterava-se. Sentia-se dentro de um nevoeiro enquanto recebia passes.
Sua consciência examinava acertos e desacertos da vida, buscando justificativas para atenuar as faltas cometidas.
De repente, viu-se à frente de tudo que idealizou e realizou na vida. As ideias mais insignificantes e os mínimos atos desfilavam em uma velocidade vertiginosa.
Tentou orar, mas não teve coordenação mental. Chorou quando viu o vulto da filha Marta aconselhando-o a descansar.
PRECISARIA DE MAIS TEMPO PARA O DESLIGAMENTO TOTAL
Durante o transe, amparado por sua filha Marta, tentou falar e se mexer, mas os músculos não obedeceram. Viu-se em duplicata, com fio prateado ligando-o ao corpo físico. Precisaria de mais tempo para o desligamento total.
Foi levado para perto do mar para renovar as forças. As dores desapareceram. Descansou. Teve a sensação de haver rejuvenescido e notou que estava com trajes impróprios, na ilusão de encontrar alguém encarnado.
Na volta para casa, vestiu um terno cinza.
No velório, projeções mentais dos presentes provocam-lhe mal-estar e angústia.
Os comentários divergentes a seu respeito provocaram-lhe perturbações passageiras. Continuava ligado ao corpo.
Bezerra de Menezes esclareceu que não é possível libertar os encarnados rapidamente, depende da vida mental e dos ideais ligados à vida terrestre.
Jacob melhorou e se aproximou de amigos encarnados, mas não do corpo, conforme orientação recebida. Percebeu entidades menos simpáticas e foi impedido de responder.
Decepcionou-se com comentários de amigos encarnados sobre as despesas do enterro. Não conseguiu suportar estes dardos mentais.
ENTERROS MUITO CONCORRIDOS
Viu círculos de luz num dos carros, e percebeu orações a seu favor, e alegrou-se.
Assistiu de longe, pois Bezerra informou que enterros muito concorridos impõem grande perturbações à alma.
Finalmente liberto do corpo, Jacob visitou seu lar e seu núcleo de trabalho. Abraçou amigos e seguiu em direção à praia para se reunir com outros espíritos recém-desencarnados. Durante o trajeto, ficou preocupado por não lembrar de vidas passadas e por não saber onde iria morar. Sua filha garantiu que tudo seria solucionado pouco a pouco.
OS ESPÍRITOS NÃO FICAM NAS SEPULTURAS
Como se sabe, a visita às sepulturas apenas expressa que lembramos do amado ausente. Mas não é o lugar, objetos, flores e velas que realmente importam. O que importa é a intenção, a lembrança sincera, o amor e a oração. Túmulos suntuosos não importam e não fazem diferença para quem parte.
Podemos orar pelos espíritos de onde estivermos. O lugar não importa, desde que a prece seja sincera.
Quando oramos, a força do pensamento emite um fio luminoso impulsionado pelo sentimento de amor, indo ao encontro do espírito para o qual rogamos as bênçãos de Deus.
Porém, o que importa é orarmos com sinceridade em benefício deles; afinal, se os nossos parentes e amigos já são felizes, as nossas preces aumentarão ainda mais essa felicidade. Por sua vez, caso estejam sofrendo, como os espíritos dos suicidas, as nossas orações têm o poder de aliviar os seus grandes sofrimentos.
FALAR COM OS DESENCARNADOS PELA ORAÇÃO
Quando sentimos saudade dos parentes ou dos amigos que estão vivendo muito distantes de nós, simplesmente telefonamos para eles, matando a saudade.
Assim acontece, também, quando sentimos falta dos entes queridos que partiram para o mundo espiritual, e falamos com eles através da oração.
Pelo “celular” do nosso pensamento, podemos ligar para eles de qualquer lugar onde estejamos.
FRED FIGNER – IRMÃO JACOB DO LIVRO VOLTEI – PSICOGRAFADO POR CHICO XAVIER

sábado, 1 de abril de 2017

Auto-obsessão e Ideias Fixas

A idéia fixa reflete nossa própria insanidade.
Cada um de nós é responsável pela criação do seu próprio mundo mental. Recebendo os estímulos que a vida nos oferece, construímos por conta própria as interpretações e os juízos de valores para as pessoas, os objetos e as situações que nos afetam. Dessa forma, os acontecimentos da vida se arrastam árduos e penosos, para alguns, enquanto para outros, o colorido dos dias estão sempre cheios de oportunidades novas.
O equilíbrio da mente, no entanto, exige vigilância para não cairmos nas armadilhas que os pensamentos podem nos fixar. Ninguém está livre de ver seus desejos contrariados, seus objetivos não concretizados, suas idéias deturpadas e sermos mal interpretados em nossos mínimos gestos. Todos esses acontecimentos podem criar mágoas e contrariedades que estacionam ressentimentos duradouros dentro de nós. É assim, que encontramos exemplos inúmeros de “idéias fixas” que nos aprisionam num processo de auto-obsessão.
É a jovem que se prende em conquistas mundanas e quando não tem o sucesso que espera, se revolta e se atormenta sem parar.
A esposa que se retém em pequenas expressões do marido, tentando achar pistas que o ciúme faz ver infidelidade.
O amigo que num pequeno descuido nas gentilezas do outro, vê sinais de rejeição.
A palavra que uma cunhada pronunciou e que parece revelar inveja.
A traição confirmada, que recusa esquecimento e não pratica o perdão;
O remorso da palavra mal colocada que uma filha não soube interpretar. O dinheiro emprestado que o parente levou com garantias que pareciam seguras.
Marido e mulher quando se separam não imaginam que pensamentos repetitivos podem atormentá-los por anos. A “idéia fixa” é um turbilhão de imagens vividas. Palavras já pronunciadas e ofensas repetidas que teimam em ir e voltar para dentro de nós.
Na verdade, ninguém vive sem esse diálogo interior. Nossas decisões racionais são sempre precedidas dessa conversa interna alimentada pelas nossas crenças. O comportamento humano também resulta da disposição interna que, por força da vontade própria, nos faz tomarmos determinada atitude. E as idéias fixas deterioram o diálogo interior e comprometem as iniciativas que alimentam a disposição de viver.
André Luiz usa a expressão “monoidéia” para se referir a uma situação gravíssima de idéia fixa. O Espírito fica aprisionado a um único pensamento. Um desejo de vingança, uma frustração insuportável, um sentimento de culpa ou um vazio monstruoso que força o perispírito a retrair-se, descorporificando suas características humanas, para se transformar numa espécie de esporo ovóide que se assemelha a formas primitivas de vida. Aprendemos, também. no “Mecanismos da Mediunidade” de André Luiz que nos fenômenos de “ideoplastia” a energia do pensamento constrói em torno de nós o cenário que reflete o teor dos nossos desejos. Insistir com persistência numa idéia fixa de ódio ou vingança, de preocupação excessiva com a segurança econômica ou com o comportamento dos filhos, com os títulos ou as posses dos amigos, com a partilha da herança com parentes difíceis, com os vícios que alimentam os prazeres, significa construir em nossa própria “psicosfera” o ambiente correspondente aos nossos desejos. Passamos pela vida hipnotizados ou obsidiados. Felizes ou infelizes, mergulhados no circuito mental que nós mesmos construímos.
Allan Kardec em “A Gênese” ensina que o perispírito fica “impregnado” do pensamento que transmite. É por isso que a aparência de cada um de nós revela o conteúdo das idéias que alimentam nossos desejos. A alegria aumenta o brilho dos olhos e a raiva interna envelhece precocemente. O desânimo nos arqueia os ombros e fazer o bem eterniza a juventude.
Na psicopatologia, a idéia fixa é um dos maiores tormentos que o sofrimento humano pode conhecer. Ela nos dá a sensação de que vai perdurar sem alívio pela eternidade. Nos “Mensageiros” de André Luiz há um “pronto socorro” de almas endividadas em que Espíritos estão sofrendo por séculos, num processo “anestesiante” que as idéias fixas congelaram no tempo. O esquizofrênico das clínicas de Psiquiatria convive com o martírio perturbador de idéias distorcidas. Tudo se refere a ele – nas idéias de referência; tudo está contra ele – nas idéias persecutórias e tudo está ao seu alcance – nas idéias delirantes. No entanto, a consciência do seu distúrbio o poupa do juízo e, talvez, ele nem saiba da extensão do seu destino. Não se pode dizer o mesmo de quem cometeu um crime ou o suicídio. Em “Memórias de um Suicida”, Camilo Castelo Branco revela que nada desse mundo apaga a idéia da arma que disparou no suicídio, da locomotiva que esmigalhou os ossos ou do vazio da queda no salto para a morte.
Nenhuma mãe esquecerá, também, o dia que abandonou o filho. O criminoso estará sempre preso ao cenário da culpa. O infiel sentirá a necessidade de resgatar a confiança perdida. O falsificador não fugirá da verdade que ele mesmo vai revelar e o ladrão terá que devolver cada centavo do que se apropriou. Até que o pensamento de cada um gere novos rumos e as idéias possam fluir, nenhuma consciência viverá em paz.
A idéia fixa reflete nossa própria insanidade. A Misericórdia Divina, porém, nos concedeu a bênção da inteligência e da razão que nos permite corrigir nossos erros. A vida é uma experiência que não poupará a ninguém dos desencantos, mas nem por isso devemos cultivar o remorso, conservar a culpa ou alimentar a desesperança.