terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Liberdade, Igualdade, Fraternidade

Juvanir Borges de Souza
   Essa tríade, que a Revolução Francesa consagrou como símbolo de seus objetivos, embora o próprio movimento revolucionário, que derrubou o absolutismo dos reis e potentados, não tivesse compreendido e praticado o verdadeiro sentido das três palavras, continua representando ideais a serem alcançados.
   As três palavras, em conjunto ou separadamente, são aspirações não somente para a vida individual, mas também para as organizações sociais dos povos e nações, e, consequentemente, para toda a Humanidade, já que sua significação encerra o mais alto ideal para a vivência humana.
   Na concepção espírita, considerando-se que o amor é a síntese de todos os sentimentos generosos e por isso deve estar na base do progresso para a renovação moral, a ordem natural da trilogia deveria ser: fraternidade, igualdade, liberdade.
   A fraternidade deve estar na primeira linha, como geratriz da liberdade e da igualdade de todos. É ela o inverso do egoísmo, uma das chagas humanas das sociedades de todas as épocas. É também uma das formas da manifestação do amor ao próximo, significando caridade com benevolência, indulgência, compreensão e tolerância.
   É a forma de os homens se compreenderem e se devotarem uns aos outros, tornando possível uma convivência de irmãos, filhos do mesmo Pai. Portanto, a liberdade e a igualdade, no verdadeiro sentido que encerram essas palavras, na vida social, dependem da conquista da fraternidade e da sua vivência.
  Essa conclusão remete-nos à grande aspiração da reeducação moral da Humanidade, para que ela possa chegar à fase de um mundo regenerado, como decorrência da divina lei do progresso.
   Mas, sem querer ser pessimista, nosso mundo parece muito distante do ideal de transformação pela fraternidade entre seus habitantes. Em pleno século XXI, após dois mil anos da presença do Cristo, com seus ensinos superiores sobre o amar a Deus e ao próximo como a si mesmo, a Humanidade pouco evoluiu moralmente, continuando os homens egoístas e orgulhosos, procurando as nações impor seus interesses às demais, utilizando as guerras para obterem a paz.
   Na realidade, são conquistas de prestígio e de interesses materiais. Enquanto isso, as religiões tradicionais, em lugar de se esforçarem pela prevalência da fraternidade e do entendimento entre elas, digladiam-se por obter predominância sobre as concorrentes, com as graves consequências conhecidas.
   Se a prática da fraternidade prevalecesse entre as nações, as raças e os indivíduos, como decorrência dos ensinos morais do Cristo e de todos os que aceitaram suas lições de vida, há muito teriam desaparecido as violências do mundo, especialmente as imposições dos mais fortes sobre os fracos.
  Em matéria de imposições e violências, nosso mundo pouco evoluiu. Basta observar a atualidade para verificar que as incompreensões entre as nações conduzem às guerras, preparando-se os governos não para a paz e a cooperação, mas para as soluções violentas.
  Só na primeira metade do século XX ocorreram duas guerras mundiais, envolvendo múltiplas nações. Nos séculos anteriores sempre estiveram presentes a violência e as imposições dos países mais fortes, sem respeito à liberdade dos mais fracos.
   Tornam-se impraticáveis a liberdade e a igualdade sem a presença e vivência da fraternidade, quer entre os indivíduos, quer no seio das famílias e de toda a sociedade. Assim, é pela prática da fraternidade legítima que se cria para todos – nações, famílias e indivíduos – a igualdade e a liberdade, com a paz, a ordem e a compreensão sem prejuízo da hierarquia, que terá como princípio e fundamento o progresso moral e intelectual daqueles que detiverem as maiores responsabilidades.
   A fraternidade representa, assim, o amor recíproco de todos os homens, ensinado pelo Cristo, acima do qual só deve prevalecer o amor a Deus, a causa primária de todas as coisas, a Inteligência Suprema.
   A verdadeira fraternidade ainda não faz parte das sociedades humanas, eis que ainda preponderam nas comunidades sociais os privilégios, os direitos excepcionais, as leis discriminatórias, o favorecimento pelas riquezas, os tratamentos diversificados.
   Sem a fraternidade legítima torna-se impraticável tanto a igualdade quanto a liberdade. Não se deve entender a igualdade como se todas as pessoas fossem iguais, o que seria uma pretensão utópica, uma vez que as criaturas humanas são diferentes e se encontram em posições evolutivas diferenciadas.
   A igualdade é um sentimento que permite a cada um tratar seu semelhante, qualquer que seja sua posição social, ou condição de vida, de forma igual, com amor, com compreensão, sem nenhuma discriminação.
   O grande obstáculo à igualdade é o orgulho, que leva o homem a julgar-se superior, pretendendo o domínio e a primazia em todas as situações, inclusive no confronto com seus semelhantes. Considerar-se igual aos seus irmãos, companheiros de jornada, situados em níveis diferentes, tem sido para o homem uma pretensão inatingível, enquanto não conseguir superar seu orgulho.
   Sendo o orgulho, como o egoísmo, doenças sociais que se manifestam nos indivíduos, frutos da ignorância das verdades eternas que devem reger a vida de todos e de cada individualidade, a felicidade só será alcançada quando essas chagas estiverem extintas em cada um, em um mundo regenerado.
   A liberdade natural faz parte do Espírito, ao ser criado por Deus simples e ignorante, mas dotado de livre-arbítrio, inteligência e vontade. Mas no campo social, o reconhecimento da liberdade natural sempre encontrou obstáculos, em decorrência do egoísmo e do orgulho predominantes na imensa maioria dos habitantes da Terra.
   Egoísmo, orgulho e ignorância são os obstáculos naturais, os inimigos gratuitos da fraternidade, da igualdade e da liberdade. Enquanto esses três princípios não forem reunidos para deles resultarem o mútuo apoio e a necessária solidariedade, nenhuma organização social será justa, equânime e aberta ao progresso.
   Impérios potentes, poderes absolutistas, riquezas acumuladas à custa da escravidão e da exploração dos mais fracos, domínios de povos e nações pela força das armas e da violência, todas essas formas ilusórias de dominação têm existido e foram registradas pela história da Humanidade.
   Entretanto, no decorrer dos séculos e milênios, ruíram os impérios, enfraqueceu-se o absolutismo e desapareceram muitas formas injustas de dominação, substituídas por outras que também não subsistirão, numa demonstração clara de que o homem ainda não encontrou a forma correta e justa para suas organizações sociais.
   Torna-se evidente que, neste mundo de expiações e provas, faltam os elementos essenciais da fraternidade, da igualdade e da liberdade, sobre os quais possam ser construídos os justos e sólidos edifícios sociais e para que surja a verdadeira solidariedade entre todos os povos, independentemente das raças a que pertençam.
   O problema é vasto e complexo, e sua solução precisa começa no imo de cada criatura, no coração de cada ser humano. A educação intelectual e moral constitui a base para se resolver tão vasta questão.
   Se a educação intelectual já foi reconhecida como necessária, o mesmo não ocorre com a educação moral, apesar de Jesus, o Cristo, tê-la enfatizado em seus ensinos, que Ele sintetizou no amor a Deus e ao próximo.
   A fraternidade, na sua acepção mais pura, é a prática do amor, como também o é a caridade. Amor, fraternidade, caridade são os sentimentos que se opõem ao egoísmo, ao orgulho e à ignorância.
   A igualdade e a liberdade são decorrências naturais da fraternidade. É para a implantação desses valores morais que o Cristo de Deus deixou no mundo suas lições e exemplos, prometendo ainda o envio de outro Consolador, que já se encontra entre os homens, há cento e cinquenta anos.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Parábolas das Bodas

Sob a forma de alegorias, a Parábola das Bodas, também conhecida como O Festim das Bodas, Jesus nos transmite ensinamentos necessários ao nosso processo ascensional. O registro de Mateus, é o que se segue.
O Reino dos Céus se assemelha a um certo rei que celebrou as bodas de seu filho. E enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas; e estes não quiseram vir.
Depois, enviou outros servos, dizendo: eis que tenho o meu jantar preparado, os meus bois e cevados já mortos, e tudo está pronto; vinde às bodas.
Porém, eles, não fazendo caso, foram, um para o seu campo, e outro para o seu negócio; e os outros, apoderando-se dos servos, os ultrajaram e mataram.
E o rei, tendo notícias disso, encolerizou-se cólera e, enviando os seus exércitos, destruiu aqueles homicidas, e incendiou a sua cidade.
Então, disse aos servos:
As bodas, na verdade estão preparadas, mas os convidados não eram dignos. Ide, pois, às saídas dos caminhos e convidai para as bodas a todos os que encontrardes.
E os  servos, saindo pelos caminhos, ajuntaram todos quanto encontraram, tanto maus quanto os bons; e a festa  nupcial  ficou cheia de convidados.
E o rei, entrando para ver os convidados, viu um homem que não estava trajado com veste nupcial. E disse-lhe:  Amigo, como entraste aqui, não tendo veste nupcial? E ele emudeceu.
Disse então,  o rei, aos servos: amarrai-o de pés e mãos, levai-o e lançai-o nas trevas exteriores; ali, haverá pranto e ranger de dentes. Porque muitos são chamados, mas poucos, escolhidos. (Mateus 22:1-14)
O “reino dos céus” representa o estado evolutivo superior do Espírito. “Bodas” indicam união, aliança. O “rei ”é Deus, o Pai e Criador. O “ filho” para quem as bodas são preparadas é Jesus. Os “servos” são os enviados do Criador, os guardiões planetários. “Outros servos” são guardiães de outra categoria, mais aptos  a lidar com diferentes diversidades culturais —processo análogo ao ocorrido com o apóstolo Paulo na execução da sua missão junto aos gentios. As “iguarias do banquete” indicam as lições do Evangelho. O “campo” e o “negócio ” são os interesses imediatos dos indivíduos. O “ultraje ” e o “homicídio ” indicam a categoria de Espíritos inferiores, que  cometem crimes e atentados graves, se contrariados. “Veste nupcial” representa a sinceridade espiritual, ou desprendimento das coisas materiais, condição necessária para fazer a aliança com Jesus. “Trevas e ranger de dentes ”são simbolismo que indicam as reencarnações difíceis, decorrentes das más escolhas feitas pelo reencarnante. São marcadas por dolorosas provações.
A essência das lições que a parábola transmite pode ser resumida em duas ordens de ideias:  a) destinação do homem à  suprema felicidade, simbolizada na expressão reino dos céus; b) condições para alcançar a perfeição espiritual (ou alcançar o reino dos céus)
Como legado divino, todo ser humano tem direito à felicidade. Faz-se necessário, porém, que ele trabalhe para conquistar o estado de bem-aventurança, aproveitando com sabedoria as bênçãos divinas que lhe chegam cotidianamente. O home foi criado para ser feliz, mas não se trata  de uma concessão divina, pura e simples. A aquisição resulta do esforço individual e coletivo de ascender a planos mais elevados da vida.
Na parábola, o chamamento para alcançar o reino dos céus foi dirigido, primeiramente,  a um grupo de convidados que já demonstravam  possuir condições intelectuais e morais para alçar outro patamar evolutivo, participando-se de um acordo pré-estabelecido de participar da união com o cristo, ora  representado pela festa das bodas. Somente assim, vivenciando a Lei de Amor, ensinada pelo Evangelho, a criatura humana poderia (e pode) ser mais feliz. Estes  convidados para as núpcias detinham condições propícias para difundir e viver a mensagem do  Evangelho,  em razão dos seus aprendizados e experiências. Contudo, desatentos quanto a importância do convite, se mostraram presos aos interesses imediatistas, recusando participação no banquete. Alguns agiram até com violência, ferindo ou matando os emissários, representados pelos servos.
Os convidados do segundo grupo não possuíam, possivelmente, a experiência do grupo anterior. Revelavam propensão para o Bem que,  com a devida educação, observação e capacidade de exercitar os  bons exemplos, poderiam se unir ao Cristo,  pela vivência do Evangelho. Os emissários deste grupo sabiam quais pessoas deveriam ser convidadas, quais Espíritos possuíam traços morais suficientes para trabalharem junto com Jesus e por Jesus.
As condições para alcançar o reino dos céus não se restringem ao convite, sabemos disto. O convite é apenas uma oportunidade que surge, aparentemente como se fosse obra do  acaso, muitas vezes.. O convidado deste grupo  deveria mostrar que possuía algo mais que a simples boa vontade: firmeza e retidão de caráter; humildade; espírito de sacrifício; bondade; amor ao próximo, etc. Tais aspectos simbolizam o traje nupcial.  Seria o convidado que aprendeu, de alguma forma, a distinguir o bem do mal, independentemente do seu nível social e intelectual. Seus pensamentos, palavras e ações já se revestem de utilidade e harmonia.
São Espíritos que aprendem, com esforço,  perseverança e humildade, por em prática a Lei de Amor, Justiça e Caridade. Compreendem que com a vivência do Amor e da Caridade, a pessoa  segue estes princípios: “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.”Pela prática da justiça, respeita os direitos dos outros1, medindo as suas ações pelo crivo desta sentença do Cristo, conhecida como a Regra de Ouro: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lhe também vós, porque esta é a lei e os profetas.”(Mateus, 7:12)
O conviva que aparece na festa das bodas sem o traje nupcial é uma representação clara dos falsos profetas. Os que falam no Bem, muitas vezes com eloquência e grande poder de convencimento.  Meras palavras que não encontram ecos nas suas ações. O falso profeta tem apenas aparência do bem, mas não é verdadeiramente bom. São pessoas oportunistas, bajuladoras, que não têm o menor escrúpulo em traficar a fé, se são religiosos, ou realizar negócios escusos,  tudo fazendo para ter posição de destaque. Jesus nos alerta a respeito deles: “Guardai-vos dos falsos profetas que vêm ter convosco cobertos de peles de ovelhas e que por dentro são lobos rapaces. Conhecê-lo-eis pelos frutos. ” (Mateus, 7:15.-16)
Os falsos profetas, religiosos ou não, serão reconhecidos, cedo ou tarde. Quando isto acontecer serão lançados às duras provações das reencarnações, aprendendo a desenvolver virtudes, adiando para outra oportunidade,  a participação no banquete das núpcias, agora revestido da túnica nupcial , a envergada pelo trabalhador fiel do Evangelho.
Referências Bibliográficas 
  1. KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Evandro Noleto Bezerra. 4 ed. 1 , p. 375imp. Brasília: FEB, 2013. Q. 886, p. 379.
  2. Q. 875, p. 375.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Eu não quero morrer

A. Merci Spada Borges
Aldina inclina-se no beiral da janela. Com um olhar transtornado, mede os dez andares abaixo… Seus olhos passeiam pelas sombras noturnas. Num sobressalto, afasta-se da janela e um relâmpago de lucidez percorre-lhe a alma: Não, eu não quero morrer!
Procura o leito. Cabeça cansada sobre o travesseiro, deixa que lágrimas doridas rolem pela face. Lá fora o burburinho da cidade grande. Cá dentro o silêncio de um ser em conflito. Alma angustiada, seu sono é ameaça ao sossego. O suor insistente baila sobre a fronte exaurida.  O pavor da noite, da vida, do nada multiplica-se em formas adultas e desconexas.
– Tenho que viver!
Embora débil, uma prece se eleva em seus pensamentos. Lentamente nuvens densas, sufocantes, se desfazem:
– Preciso vencer! Esse desânimo me domina, paralisa meu ser; a vida me apavora. Quero dormir, sonhar, mas os pesadelos se avolumam. Por que esse mergulho no nada?
Sublime voz, vinda de algum lugar indefinido, assenhoreia-se de seus pensamentos:
– Engano seu, Aldina, o nada não existe. Não percebe a existência de uma Força Maior que pode ajudá-la? Não está só. Depende de você, do seu esforço, do seu querer.
– Não encontro um caminho. Meus medos se erguem em barreiras colossais.
– Este é o momento de se reerguer, basta querer.
– Eu quero! Não consigo. Não saio do lugar.
– É isso. Não sai do lugar, não se esforça, não se obriga. Não percebe que se compraz nessa entrega? Não pode se reerguer sob essa muralha de fuga que construiu. Esforce-se, ore e confie, assim desatará os grilhões que a aprisionam. Você é importante. Pense nisso. Valorize-se. Você tem condições de modificar sua vida. É hora de ir à luta!
– Como?
Olhe à sua volta. Estenda as mãos aos pequeninos; ouça os angustiados. Exercite o perdão, o amor, o trabalho no bem. Apague a mágoa do coração. Olhe os ofensores como irmãos em desequilíbrio, carentes de ajuda. E assim conseguirá vencer a própria dor e avaliar o sofrimento e a solidão dos semelhantes. Enquanto isso a sua dor ficará pequenina.
– Não percebe o gigante que me sufoca e me ata a meu próprio eu? Ora são grades invisíveis, ora algemas fluídicas ou vendas transparentes que me anulam.
– Estou aqui para ajudá-la, mas…
– Que ajuda? Palavras, palavras vazias.
– As palavras, fundamentadas no Evangelho de Jesus, são impregnadas de energia, de magnetismo; iluminam, abrem caminhos, mostram a Verdade, consolam e fortalecem. É dessa Verdade que você precisa…
– Sim, sim, faça alguma coisa, eu preciso viver.
– Está disposta a se ajudar?
– Sim, mas… tem que ser agora?
– Agora ou será tarde…
– Não aguento mais recriminações!
– Não vou recriminá-la. Não! Essa não é a solução. Apenas ouça. É importante refletir sobre o porquê da vida, e também conhecer-se analisando os próprios atos. Há um motivo muito importante para existir; não fosse assim não haveria vida sobre a Terra.
É necessário entender que não está sozinha. Cada pessoa representa um tijolinho na construção deste mundo. E o trabalho no bem é alicerce para um mundo melhor. Reflita no sacrifício das criaturas que promovem o progresso, o amor. O maior de todos os sacrifícios foi o de Jesus. Ele é tão importante que dividiu a História em dois períodos. Sua vinda dissipou as trevas. Embaixador Divino, revelou as Verdades eternas e sacrificou-se pela Humanidade. Seus exemplos e lições abrem veredas para a conquista evolutiva. Toda conquista é árdua, longa, porém, segura. Jesus está sempre presente, não olvide isso. O sofrimento passa, e tudo se esquece – Ele não. Dores presentes são experiências futuras. Reflita sobre as lutas humanas, as lições deixadas pelos ancestrais que conquistaram a sobrevivência com suor e lágrimas, disputaram espaço e alimentação com as feras. Feras interiores, feras exteriores. Por caminhos árduos, o homem alcançou a civilização, embora não tenha ainda atingido a espiritualização. É preciso avançar. A dor é oferta à criatura inconsequente que deixa as ilusões prevalecerem sobre os tesouros do Espírito. A alma é imortal. Lute pelos tesouros que podem enriquecê-la e vencerá. Sem evolução moral o Espírito se arruína. É preciso crescer. Não fuja da vida, dádiva bendita ofertada por Deus. Fortaleça os nobres ideais, proponha-se à aquisição de novos hábitos e experiências. É um processo contínuo de aprendizado e recuperação. Liberte-se desse anseio de fuga, olhe à sua volta com os olhos da alma; esqueça as desilusões e estenda as mãos para aliviar as chagas alheias. Elas também doem. Enquanto cultiva as próprias dores esquece-se das dores alheias e o sofrimento é maior. Colabore para a felicidade do próximo. Cada indivíduo tem um papel significativo no grupo familiar e social. Quando a criatura desiste desse papel, desarmoniza o núcleo em que vive e contrai dores profundas, sem contar os débitos que adquire com as leis divinas. É preciso colaborar com a harmonia. Ela antecede o Amor! O Amor é conquista. E essa conquista é de essência divina. Só é capaz de provar dessa essência quem muito faz para merecê-la. Cada criatura pode gerar progresso ou destruição, auxílio ou tragédia. Depende do direcionamento proposto. Pense nisso.
– Eu entendi. Preciso vencer!
– Vence-se com esforço e boa vontade, fé em Deus e confiança em si mesma. Seja no campo de atuação individual ou coletiva, o auxílio espiritual virá. Doe-se ao Bem e conseguirá romper os grilhões inferiores que a dominam. É o momento de sua libertação, depende de você. Não se esqueça, valorize a vida, olhe-a com os olhos do Amor e tudo seguirá o seu curso.
Aldina acordou revigorada. Recordou-se apenas de ter visto duas mãos luminosas a clarearem seu coração. E num estado de serena lucidez elevou o pensamento a Deus numa prece de gratidão:
– Senhor, dá-me forças, eu quero viver!

Fonte: Reformado

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Os laços afetivos da adoção

Carlos Abranches
    Somos seres essencialmente afetivos. Estamos ligados a tudo e a todos que nos despertam desejo de vínculo.
   O que caracteriza o ser humano é esse movimento interior de investir energia psíquica sobre coisas e seres aos quais se vincula.
   Uma nova encarnação se confirma pela união de duas células germinativas, cada qual com uma carga de investimento amoroso, motor e motivo de suas aproximações na fantástica trajetória de confirmação da vida.
   Em vista disso, quando o bebê nasce, já traz consigo uma bagagem estrutural de afetos. Anterior a isso, o Espírito que conduz esse processo também já é depositário de valiosas expectativas, plenas de afeição e de carga amorosa dos que se dedicam ao sucesso de mais um projeto reencarnatório.
   Tive contato com o pensamento da psicóloga polonesa Joanna Wilheim, radicada no Brasil desde a infância, quando veio para o país com os pais, fugidos da perseguição nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. Assistente social e psicóloga clínica, Joanna se dedica há mais de 40 anos a investigar os meandros do psiquismo pré e perinatal. Com quase 80 anos, prossegue sendo uma pesquisadora incansável desse tema, além de manter seu trabalho diário como psicóloga, em São Paulo.
   O texto que me chamou a atenção consta do livro Psicologia Pré-Natal.1 Nele, Joanna apresenta os pressupostos fundamentais de seu trabalho. Um dos capítulos tem o título “Vínculos afetivos e o bebê adotado”.
   O argumento fundamental defendido pela autora é o seguinte: imagine um bebê que acabou de nascer, que saiu de dentro do corpo de sua mãe, a qual o albergou durante todo o período inicial de sua existência, e, de repente, se vê privado da possibilidade de retornar ao contato com ela.
   Wilheim ressalta o marcante painel de emoções que agita a frágil intimidade do pequenino ser que, ao nascer, é separado de sua mãe para ser dado em adoção. Os espíritas costumamos considerar a adoção com os olhos da fraternidade e do desprendimento. Inúmeros autores espirituais reforçam essas perspectivas.2
   Entre articulistas, destaco a opinião de Richard Simonetti, ao afirmar que “[…] o filho adotivo constitui sempre um treino dos mais nobres no campo da fraternidade. […] talvez raros serviços na Terra sejam tão compensadores em termos de Vida Eterna”.3
   Hermínio Corrêa de Mirandaapresenta opinião muito particular e carinhosa sobre o assunto, destacando que “se você percebeu por aquela criança o suave calorzinho do amor, tome-a nos braços e deixe que o amor o inspire. Se não lhe parece aconselhável levá-la para sua casa, mesmo assim dê-lhe seu amor, materialize esse amor em ajuda concreta, não excessiva, não sufocante e não possessiva, mas sob forma de apoio, para que ela possa viver onde está, minorando dificuldades, sem remover de seu caminho os obstáculos de que ela precisa para se fortalecer, ao aprender a superá-los”.
   O que me chamou a atenção no pensamento de Joanna Wilheim é o ponto de vista pelo qual ela analisa a questão – o da criança adotada, de suas emoções, de sua ainda desconhecida capacidade de perceber o que ocorre consigo e que ficará registrado indelevelmente em seu inconsciente, com força bastante para interferir de maneira marcante em seu destino.
   Somos seres necessitados de continuidade. É nela que se revela a coerência das escolhas, o resultado das opções de vida. Assim também ocorre com o bebê. É no espírito da continuidade que ele estabelece sua identidade, e as condições necessárias para isto lhe são dadas pelo contato com os pais.
   Segundo Joanna, a dor que a ruptura deste contato produz na alma do bebê é muito grande. “Uma dor que ele sente sem entender o que sente, porque lhe faltam as ‘ferramentas’ para ele poder ‘se pensar’. Este imenso sofrimento da alma irá se expressar através de sintomas. Será à linguagem do corpo que a alma sofrida irá recorrer”. (Op. cit., p. 203.)
   A psicóloga não se revela contra a adoção, mas assevera a importância de que esse processo seja feito de forma a preservar a integridade da criatura em foco.5 É por isso que ela destaca a importância de os pais adotivos falarem a verdade ao filho adotado sempre que possível, “desde os primeiros momentos da convivência”.
   A condição ideal de uma adoção bem-sucedida, de acordo com a terapeuta, ocorre quando se preserva o sentimento de acolhida, sem que os pais se esqueçam de que o pequeno ser que passa aos seus cuidados foi, em primeiro lugar, rejeitado.
   Ela pede que imaginemos a situação de um ser que passou nove meses de sua experiência intrauterina recebendo mensagens negativas de sua mãe: “eu não vou poder ficar com você”, “vou me livrar de você logo que você nascer”.
   Ao agir assim, a mãe biológica evita vincular-se ao bebê que traz dentro de si, numa manobra psicológica defensiva para se proteger de sofrer.
   E quais seriam as condições ideais de adoção? Para a psicóloga, seria fundamental que os pais adotivos estivessem presentes no nascimento do bebê, para lhe assegurar uma continuidade de ser. Para ela, o ideal seria que, logo depois de nascer, o bebê, após sentir o cheiro do corpo de sua mãe biológica, possa ser colocado em contato com o corpo de sua mãe adotiva.
   Ela diz ainda que “se esse pequeno ser puder levar consigo uma peça de roupa com o cheiro de sua mãe biológica, eventualmente uma gravação da voz dela, explicando porque precisa deixá-lo aos cuidados de outra mulher, estariam criadas as condições que se aproximariam das ideais”. (Op. cit.,p. 111.)
   Observando a dramática situação em que inúmeros recém-nascidos abandonados têm sido encontrados, quando não são vítimas de aborto (o noticiário comenta vários casos de bebês jogados em rios, em latas de lixo ou terrenos baldios), percebe-se que estamos ainda muito distantes das condições ideais sugeridas pela nobre psicóloga.
   Mesmo assim, é nosso dever destacar os aspectos elevados da decisão de adotar uma criança, independentemente da melhor situação para que isso ocorra.
  Sabemos que, por trás de uma opção desse teor, inúmeros mecanismos da realidade espiritual estão sendo operados para promover alterações significativas nos quadros cármicos das pessoas envolvidas.
   Adotar é, antes de mais nada, um ato de amor e de desprendimento. Tenhamos nós a sensibilidade apurada o suficiente para que, se decidirmos realizar esse gesto, o façamos com a grandeza do sentimento de amor paternal, depositando no ser que entra em nosso lar todo o desejo de resgatar em nós a dignidade de sermos pais fiéis e amorosamente dedicados a nossos filhos do coração.
Referências:1 WILHEIM, Joanna. O que é psicologia pré-natal. São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo, 1997.
2 Leia-se, por exemplo, o caso de Marita, em Sexo e destino (psicografado por Francisco C. Xavier e Waldo Vieira, pelo Espírito André Luiz). Primeira Parte, capítulo 7, (Ed. FEB). Ainda pela mediunidade mediunidade de Francisco C. Xavier, Emmanuel relata a experiência do jovem Silano, neto adotivo de Cneio Lucius, em Cinquenta anos depois, (Ed. FEB).
3 Artigo publicado em Brasil Espírita, 1972, sob o título “Filhos adotivos”, p. 2.
MIRANDA, Hermínio C. Nossos filhos são espíritos. Rio de Janeiro: Lachâtre, 1993. p. 54.
Joanna é enfática no que se refere à prática das barrigas de aluguel. Ela considera essa decisão contrária à saúde emocional do bebê. Afirma que “não devemos esquecer nunca que a primeira relação – a pré-natal com a mãe biológica – é uma relação de paixão. É ela que estabelece os sulcos sobre os quais todas as demais paixões da vida serão buscadas e irão se moldar”. A psicóloga acredita que o ser humano vai passar a vida buscando reencontrar essa paixão perdida.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Separações Afetivas

Divaldo Franco
Professor, médium e conferencista

Aumenta, consideravelmente, em nossa cultura, a separação conjugal, a desunião matrimonial, a indiferença no relacionamento afetivo.
A solidão toma conta das criaturas tornando-as fantasmas atormentados.
Os sonhos de uma afetividade repleta de bênçãos, constituindo uma família harmônica, cedem lugar a verdadeiros combates domésticos, que culminam em separações lamentáveis.
As facilidades de relacionamentos sexuais descomprometidos, a ausência de pudor que predomina em quase todas as esferas sociais, tornaram o amor descartável, de breve duração e sem maturidade para suportar os desafios existenciais. É surpreendente a ocorrência, quando sucede em uniões aparentemente seguras e estáveis, com existência de longo prazo, apresentando-se como “falta de amor”, desaparecimento da empatia e do interesse afetivo na comunhão conjugal.
Dilaceram-se famílias, criam-se traumas de difícil solução em filhos imaturos que não compreendem os problemas dos pais, nem são devidamente informados, muitas vezes lançados pela imprevidência de um deles contra o outro. E passam a conviver com pessoas estranhas, que substituem provisoriamente aqueles que eram o sustentáculo da sua vida, o amor das primeiras horas, o anjo abençoado dos seus dias.
É certo que uma separação pacífica é muito melhor do que uma convivência litigiosa. A verdade, porém, é outra… As separações nascem, quase sempre, de falsa necessidade de novos parceiros, de prazeres fáceis e ligeiros, de fazer-se parte das redes sociais…
A decadência moral que se avoluma, assustadora, prognostica um futuro sem família, filhos órfãos de pais vivos, desinteressados, uma sociedade sem raízes afetivas, assinalada pelos transtornos afetivos e desajustes emocionais.
Um pouco mais de maturidade psicológica e de amor real poderiam modificar esse comportamento, quando as criaturas se dispam do egoísmo, do direito de posse sobre o outro, dando-lhe o direito de ser humano e agir como tal.
Artigo publicado no jornal A Tarde, coluna Opinião

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Tragédias Coletivas (Novo texto)

Divaldo Franco
Professor, médium e conferencista

Constantemente a humanidade é surpreendida por tragédias coletivas. Desde os fenômenos sísmicos às guerras, aos acidentes de várias ordens, demonstrando a fragilidade do ser humano ante as forças da natureza e as suas próprias paixões, que, amiúde, somos convidados a reflexionar em torno da transitoriedade carnal e sobre a continuidade da vida em outra dimensão.
Há poucos dias, um desastre aéreo de lamentáveis consequências feriu dezenas de famílias, ceifando vidas juvenis em plena busca da felicidade. Desejamos referir-nos ao acidente que arrebatou 71 vidas, especialmente de chapecoenses, deixando aflições inomináveis em muitos familiares e amigos.
Os conceitos filosóficos do materialismo diante do infortúnio não conseguem acalmar as ansiedades e as dores dos sentimentos vitimados pelas ocorrências infelizes do cotidiano, provocando, não raro, revolta e desespero.
Algumas correntes religiosas despreparadas para o enfrentamento dos desafios afligentes que ferem a humanidade simplificam a maneira de os encarar, transferindo para a “vontade de Deus” todas as ocorrências nefastas, sem que, igualmente, com algumas exceções, logrem o conforto moral e a esperança nas suas vítimas.
Ao Espiritismo cabe a tarefa urgente de demonstrar que a criatura humana é autora do próprio destino através dos atos que realiza.
A Divindade estabelece leis morais que atuam nas existências, com a mesma severidade que aqueloutras que regem o Universo e são inalteradas.
Embora Deus seja amor, o dever e o equilíbrio são expressões desse incomparável amor pelas criaturas.
O sofrimento não é um ato punitivo da Divindade, mas uma resposta da Vida ao comportamento malsão de quem se permite desrespeito aos supremos códigos.
Por intermédio da reencarnação o Espiritismo explica a lógica de acontecimentos tão funestos.
No caso em tópico, segundo a Imprensa, a Anac havia proibido a viagem programada, mas a fatalidade conseguiu uma maneira de atender ao determinismo cármico, mediante o aluguel de uma outra aeronave boliviana. Alguns sobreviventes e outros, que não puderam viajar por uma ou outra razão, foram poupados da terrível provação, por não fazerem parte do grupo comprometido com as Leis divinas.
Provavelmente essas vítimas resgataram antigo débito moral no seu processo evolutivo e foram reunidas para o ressarcimento coletivo, conforme a responsabilidade do conjunto em algum desmando anterior, de existência pregressa.
Hoje, no mundo espiritual, na condição de vítimas das circunstâncias de que não são responsáveis, encontram-se amparados por Espíritos nobres, que os auxiliarão a encontrar a plenitude. Aos seus familiares e amigos, apresentamos a nossa solidariedade.

Artigo publicado no jornal A Tarde, coluna Opinião.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Viagens

ivaldo Franco Professor, médium e conferencista

Face às comodidades e tecnologia de alta qualidade, os veículos modernos facultam diminuir as distâncias físicas, ao tempo que oferecem oportunidades excelentes de conhecer-se outros países, seus hábitos e costumes, suas formas exóticas ou clássicas de viverem.
      Esportes inimagináveis e edificações para os divertimentos multiplicam-se com celeridade, ao tempo em que a necessidade de repouso e de lazer mais se acentua na cultura contemporânea, levando os indivíduos a viagens constantes. Simultaneamente, negócios de alto porte exigem a presença de funcionários qualificados em diferentes partes do planeta, assim como especializações e aprimoramentos de técnicas e de estudos avançados apresentam-se convidativos nos países mais desenvolvidos.
      Especialmente, a busca de gozos físicos e emocionais, festas retumbantes e exaustivas em navios luxuosos de turismo do prazer cruzam os mares, na medida que aviões, cada vez mais velozes e confortáveis, facilitam as incessantes transferências a lugares luxuosos e exuberantes.
    Não poucas vezes, porém, as viagens têm como objetivo encontrar-se paraísos onde a alegria seja permanente e os problemas desapareçam ao toque mágico do sexo conturbado, de bebidas especiais, de drogas de alta qualidade, a fim de vencer-se o cansaço, o tédio, os transtornos emocionais…
        O ser humano, na busca do gozo, é quase insaciável…
       Busca-se fugir dos problemas naturais da existência, tenta-se ignorá-los, postergando-se-lhes a solução, o que mais os complica.
       A finalidade do existir na Terra é desenvolver os valores que jazem internos, que exigem uma viagem corajosa e sem quartel: a de natureza interna.
     Os conflitos pessoais e as lutas exteriores fazem parte do programa de crescimento moral e da busca da saúde integral, da plenitude. Ninguém existe que não os experimente.
       Com sabedoria Jesus asseverou que o Seu reino, o da paz, não é deste mundo, ensinando que, na Terra, só mediante o esforço de uma viagem interior, tentando-se eliminar as anfractuosidades do caráter, é que se encontra o mais seguro e acertado empreendimento que nos cabe realizar.
       As modernas psicoterapias, de igual maneira, não solucionam as ansiedades nem os desafios pessoais, orientam o indivíduo ao esforço salutar de descobrir o sentido da vida, elegê-lo e lutar com empenho. Enquanto cada qual não se resolva por essa conquista, as viagens poderão multiplicar-se ao infinito, mas onde quer que se vá, leva-se o problema também.
     Dispomos, graças aos meios diversos ao nosso alcance, de tesouros valiosos para serem penetrados: leituras edificantes, realizações fraternas, solidariedade, ações de auto-iluminação, amor e comunhão com Deus.
         Viaje bem!
 Artigo publicado no jornal A Tarde, coluna Opinião, em 16-1-2017

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Normose

Divaldo Franco
Professor, médium e conferencista

O admirável doutor Pierre Weil definiu a normose como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos de pensar ou de agir aprovados por um consenso ou maioria de pessoas de uma determinada sociedade, que levam a sofrimentos, doenças e mortes.
Desdobrando o tema, refere-se que os comportamentos normóticos apresentam-se sob quatro aspectos: hábito de pensar, de sentir e de agir; que tem consenso social como normal; de natureza patogênica ou letal e uma gênese pessoal ou coletiva, mediante processo introjetivo.
Tanto ele como os notáveis Drs. Jean-Yves Leloup e Roberto Crema, estudiosos do comportamento humano, elucidam que essa enfermidade pode conduzir a sociedade a um suicídio coletivo, do ponto de vista psicológico, em razão de acontecimentos que poderiam ser muito diferentes.
Somos herdeiros de tradições daninhas, fundamentadas no ego, que estabelecem regras de conduta programadas para conveniências egoicas em detrimento dos valores reais que nos deveriam conduzir a situações de legítima segurança.
Estabeleceu-se que a existência deve ser trabalhada para o encontro com a felicidade, normalmente vinculada a questões materiais, sensoriais, ao instinto de conservação da vida. Em realidade, o sentido, o objetivo básico da vida humana é o trabalho de superação das paixões e a perfeita identificação entre o ego e o Self, isto é, dar mais importância ao ser do que ao ter.
Muitos problemas antiéticos passaram a tornar-se legítimos pela aceitação irrestrita das situações em que se apresentam. O suborno, a mentira, o fingimento, a falsa intimidade, que são de natureza inferior, tomaram conta da sociedade de tal forma que não poucos indivíduos sentem-se indispostos ou adoentados ante a situação calamitosa, que passou a quase legalidade…
Não são poucas as pessoas que têm coragem de assumir os valores nobres, de apresentar-se conforme a diretriz cristã do respeito à vida, experienciando impositivos que são estabelecidos pelo materialismo ou pela indiferença ética da própria sociedade.
É necessário coragem para viver-se conforme as próprias convicções, ser diferente, fora dos padrões estabelecidos pela falsidade.
Por exemplo, assevera o Dr. Crema, na maneira como procedemos nos aniversários, desejando muitos anos de vida, quando deveríamos desejar vida digna em todos os anos.
Na hora em que a criatura, autoamando-se, puder experienciar as suas realizações pessoais sem receio de críticas nem de perseguições, desde que não prejudique ninguém, estará plena.
Seria o caso de vivermos conforme nossas ideologias, sem a vigilância extravagante da censura e do desprezo social.
Sermos autênticos nas convicções e decididos nas realizações.
Artigo publicado no jornal A Tarde, coluna Opinião em 09-02-2017 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Trauma e Superação

Todos nós num planeta de provas e expiações convivemos com dor e prazer.  Isso é inevitável.
Segundo a DE são provas escolhidas pelo espírito para crescimento e evolução.
A questão é o quanto nos apegamos à dor e o quanto nos apegamos ao prazer?
Aprendemos desde muito cedo que temos que evitar o sofrimento e ir à busca do prazer. A única coisa que esquecemos é que, neste nosso mundo, nada é permanente. 
O maior aprendizado que podemos adquirir é transcender a dor. 
Temos que estar alertas e receptivos para perceber o que aquela experiência pode nos ensinar.
Parece fácil e simples de entender, mas a maioria não está preparada para superar o sofrimento. Infelizmente muitos se mantêm na dor por longo tempo, presos a situação que a gerou.  Tudo vai depender da atitude. O sofrimento só será permanente se nos agarrarmos cegamente a ele, sem permitirmos que nenhuma outra realidade possa surgir em nossas vidas.
Segundo o Dr. Julio Peres, psicólogo clínico, doutor em Neurociência e autor do livro “Trauma e Superação” que deu nome a este tópico: 
“A teoria da ‘Reação universal ao trauma’ foi relativizada a partir de estudos que mostram um grau de variedade individual em processar os eventos ocorridos durante a vida e as emoções básicas. Muitas vítimas de agentes estressores procuram apoio profissional, literatura, apoio de amigos, enquanto outros enfatizam o silêncio, o isolamento, o colapso e ou a vitimização.”
Essa não exteriorização do sofrimento e a negativa em procurar ajuda, é o principal fator que colabora para a perpetuação do sofrimento.
“A memória traumática pode alterar o equilíbrio psicológico, biológico e social de um indivíduo, matizando suas futuras experiências com o desenvolvimento dificultoso de processos cognitivos.
A lembrança específica de episódios ocorridos pode disparar a formação de padrões defensivos de comportamento (por exemplo medos exarcebados em situações que não mais oferecem riscos), que se tornam inapropriados ao momento atual, trazendo desajustes significativos à vida cotidiana.” 
O que me atraiu para este tema foi, ao ler este livro, ver a profunda união que o Dr. Julio Peres dá aos conceitos da psicologia, neurociência e espiritualidade. Segundo ele, quem possui uma boa base religiosa consegue minimizar  e superar com mais facilidade a dor.
A finalidade é ajudar-nos a compreender os nossos sofrimentos, a necessidade de superá-los e o quanto nos faz mal, tanto na vida terrena quanto na espiritual, a não superação de nossas provas escolhidas, causa inevitável de obsessões causadas pelo apego à vida material.
Conto com todos vocês para nos auxiliarmos mutuamente.
Um abço 
Hebe


Divisão do Estudo
1)   Escolha provas – OLE livro II cap. VI
2)   Trauma 
a)   Perda de entes queridos
b)   Situação quase morte
c)   Perdas materiais
d)   Traumas emocionais por convívio familiar
3)   SUPERAÇÃO
a)   O bem e o mal sofrer – ESE cap V -18
Bibliografia:
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO ALLAN KARDEC cap.III;13
O LIVRO DOS ESPÍRITOS ALLAN KARDEC introd.VI; questões: 113; 132; 167;
178; 246; 266
O LIVRO DOS ESPÍRITOS ALLAN KARDEC questões: 399; 602; 931; 998
OBRAS PÓSTUMAS ALLAN KARDEC 215
REVISTA ESPÍRITA 1863 ALLAN KARDEC 222; 268; 285
REVISTA ESPÍRITA 1864 ALLAN KARDEC 14; 218; 281
REVISTA ESPÍRITA 1865 ALLAN KARDEC 21; 236
REVISTA ESPÍRITA 1867 ALLAN KARDEC 144
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO ALLAN KARDEC CAP3(13);5 (19,26,27)
O LIVRO DOS ESPÍRITOS ALLAN KARDEC questões: 258;266;332;623
REVISTA ESPÍRITA 1862 ALLAN KARDEC 307 (out.)
REVISTA ESPÍRITA 1863 ALLAN KARDEC 269; 285
REVISTA ESPÍRITA 1864 ALLAN KARDEC 218; 281
REVISTA ESPÍRITA 1867 ALLAN KARDEC 162
REVISTA ESPÍRITA 1868 ALLAN KARDEC 86
Trauma e Superação – Julio Peres - Psicólogo clínico Dr. em Neurociência e comportamento pela USP


domingo, 19 de fevereiro de 2017

O Aparelho Psíquico – Uma proposta a partir da obra de André Luiz

Roberto Lúcio Vieira de Souza
Médico-Psiquiatra – Vice-Presidente da AME-Brasil
Introdução
Um estudo sobre a visão espírita da mente deve iniciar com as informações das obras de André Luiz, psicografadas por Chico Xavier e Waldo Vieira.
As principais anotações encontram-se no livro “No Mundo Maior”, capítulo 03, ditado ao médium Chico Xavier. No entanto, em vários tópicos de suas obras encontram-se informações preciosas a serem apreciadas. No capítulo, André Luiz retrata o cérebro em três grandes áreas, como a biologia já indicava, mas ampliando a abordagem sob o ponto de vista espiritual.
É necessário lembrar que uma divisão do aparelho psíquico em três grandes áreas já estava também presente nos textos de Freud, o grande estudioso e criador da Psicanálise. A Neurociência vem, nos últimos anos, avançando suas pesquisas na compreensão de certos aspectos da vida psíquica, clareando certas colocações freudianas, o que deu campo para a criação de uma nova sub-especialidade: a neuropsicoanálise.        Não se pode negar a importância desse estudo para a melhor compreensão da realidade espiritual. Além de explicar o processo evolutivo, no aspecto prático, auxilia na identificação das posturas do espírito em sua caminhada e quais os elementos psíquicos precisam ser acionados para sua melhoria espiritual.
O Relato de André Luiz – Obra “No Mundo Maior”
Vejamos, portanto, o que relata o autor espiritual na obra citada, no capítulo 03:
“ – No sistema nervoso, temos o cérebro inicial, repositório dos movimentos instintivos e sede das atividades subconscientes; figuremo-lo como sendo o porão da individualidade, onde arquivamos todas as experiências e registramos  os menores fatos da vida. Na região do córtex motor,zona intermediária entre os lobos frontais e os nervos, temos o cérebro desenvolvido, consubstanciando as energias motoras de que se serve a nossa mente para as manifestações imprescindíveis no atual momento evolutivo do nosso modo de ser. Nos planos dos lobos frontais, silenciosos ainda para a investigação científica do mundo, jazem materiais de ordem sublime, que conquistaremos gradualmente, no esforço de ascensão, representando a parte mais nobre de nosso organismo divino em evolução.” (pág. 46 – 14ªedição).
E prossegue na página seguinte:
“ – Não podemos dizer que possuímos três cérebros simultaneamente. Temos apenas um que, porém, se divide em três regiões distintas. Tomemo-lo como se fora um castelo de três andares: no primeiro situamos a “residência de nossos impulsos automáticos”, simbolizando o sumário vivo dos serviços realizados; no segundo localizamos o “domicílio das conquistas atuais”, onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando; no terceiro, temos a “casa das noções superiores”, indicando as eminências que nos cumpre atingir. Num deles moram o hábito e o automatismo; no outro residem o esforço e a vontade; e no último demoram o ideal e a meta superior a ser alcançada. Distribuímos, desse modo, nos três andares, o subconsciente, o consciente e o superconsciente. Como vemos, possuímos, em nós mesmos, o passado, o presente e o futuro”.
Uma breve visão do aspecto anatômico relatado no texto
Na realidade, os orientadores espirituais ensinam que as estruturas do sistema nervoso são a parte mais desenvolvida e próxima do perispírito. Este conjunto, com função bastante especializada, foi construído progressivamente, desde os seres mais elementares com algum protótipo de sistema neural.No atual estágio, o sistema nervoso do homem é a “máquina” mais desenvolvida que se têm acesso, reunindo todas as conquistas nesse campo, sendo que as áreas mais evoluídas foram estruturadas a partir das experiências anteriores. Portanto, cada região cerebral antiga transformou-se em alicerce para a futura, principalmente no que concerne a funções complementares.
Neste conjunto de órgãos e estruturas encontram-se elementos pertencentes a seres bastante antigos – e muitos já extintos – dos quais carregam mecanismos de informações e funções que são primárias para a humanidade atual, mas fundamentais para a preservação da vida e da espécie. Esse conjunto é chamado de “cérebro reptiliano” e compreende o tronco cerebral e porções do diencéfalo. Nele moram os reflexos e os instintos. Pode-se dizer que ela é a base instintiva sobre a qual se assentam os sentimentos. Ele dá a medida da reação emocional diante de quaisquer desafios. É também chamado de Complexo-R, sendo, portanto, a região mais antiga e primitiva da massa cinzenta. É o centro de agressão/sobrevivência da existência. As emoções básicas que governam o homem, como medo, raiva, alegria e preocupação, emanam deste primeiro estágio do cérebro.
A segunda grande divisão do cérebro, de acordo com André Luiz, englobaria aquelas regiões que formam o chamado sistema límbico, o qual contem os centros emocionais e a partir de onde se constroem novas ferramentas, originando a memória e a aprendizagem.
O denominado terceiro cérebro é constituído de todas estruturas chamadas de neocórtex, fruto de uma camada cortical mais externa que se sobrepõem as mais antigas, e dos lobos frontais.
A Importância da Visão de André Luiz
Em primeiro lugar, essa visão demonstra com clareza os aspectos da evolução da estrutura cerebral, em consonância com a teoria de Darwin e com o que está presente na biologia, reafirmando as informações apresentadas por Kardec, em “O Livro dos Espíritos”.
Explica que todas as conquistas da individualidade estão implementadas também no corpo físico, a maioria inconsciente, e podem ser acionadas ou despertadas, de conformidade com a postura do espírito em nova encarnação. Com isso, demonstra a causa das de tendências e aptidões, que podem não estar relacionadas exatamente com as heranças familiares, mas com conquistas pessoais reencarnatórias inconscientes. Esta marca psíquica mostra, também, como pode ocorrer um processo obsessivo ou o mecanismo da sintonia mediúnica em casos de aparente discrepância vibratória entre os espíritos, pois haveria uma vinculação com o passado e não com a vivência atual da criatura.
Clarifica a razão da grande ação das forças instintivas na vivência do espírito, por se acharem presentes em sua herança; as quais são fundamentais para a sobrevivência, mas mantêm o encarnado muito próximo da animalidade.
Como o hábito e o automatismo são os senhores desta instância, será preciso grande esforço para as mudanças necessárias, com investimento de tempo, definido individualmente dentro das perspectivas e conquista do espírito. Esforço que reside na instância seguinte e é presidido pela vontade.
Por isso, a importância do chamado “segundo cérebro”, onde a criatura constrói o presente e demarca a continuidade da sua caminhada.Sem ele não é possível mudar os rumos necessários, ou perseverar no caminho das vitórias.
A proposta de André Luiz sobre para o “terceiro cérebro” é inovadora. Nela, encontramos a explicação para o enigma das chamadas áreas silenciosas do cérebro. Regiões aparentemente sem função, nesse estágio atual de vida humana. Ele relata que o Superconsciente carrega de forma latente todos os referenciais evolutivos do espírito. Assim, futuros padrões de vivências e funções ainda desconhecidos estariam desenhados e projetados na estrutura cerebral atual, mas não atuantes pela incapacidade de utilizar-se deles por agora. Essa colocação fornece a certeza da evolução e de todos atributos do Criador, pois determina que todas as criaturas devem evoluir e que têm o mesmo fim: a perfeição e a felicidade. Confirma a moderna teoria que associa as teorias da evolução e do criacionismo, falando sob o “Designer Inteligente”.
Nessa visão não há níveis de valores. Todos os elementos são importantes e imprescindíveis para cada etapa, mas devem ser substituídos ou aprimorados, de conformidade com o momento vivido, para se alcançar os propósitos maiores da criação.
No sentido prático, essa visão detecta e denuncia a postura comodista ou rebelde da maior parte da humanidade que, apesar de possuir recursos anatômicos e de vivência para caminhar mais além, teima em se portar como criaturas em processo evolutivo primário.
O grande instrumento para o momento é essa segunda grande área, denominada por André Luiz como Consciente. A vontade e o esforço são armas poderosas para a transformação humana. Elas são dirigidas pela razão, sem a qual é impossível, nesse momento, mudar o rumo e tomar novo posicionamento.A aquisição de conhecimentos na atualidade amplia o espectro de ação da razão, fortalecendo a oportunidade da mudança. Mesmo os processos que envolvem o sentimento precisam de uma tomada de consciência, além do exercício constante da persistência.
Jesus, o grande terapeuta dos homens, posicionou-se claramente sobre cada uma dessas etapas do desenvolvimento humano, definindo propostas coerentes para cada etapa.
O Mestre fala da caminhada evolutiva, afirmando: “Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu”. (João 3:13). Ou seja, que o espírito – que vem de Deus – necessita “descer do céu” (encarnar) para poder crescer e evoluir (“subir ao céu”). Tal verdade é reafirmada em João 3:5: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do espírito, não pode entrar no Reino de Deus”, demonstrando a reencarnação como instrumento de crescimento e aprimoramento.
Direcionando-se às criaturas presas aos prazeres terrenos, Jesus assim se manifesta: “Ninguém tira um pedaço dum vestido novo para o coser em vestido velho, pois que romperá o novo e o remendo não condiz com o velho”. (Lc. 5:36). Assim, é preciso que o homem se transforme, busque nova postura e condicionamento.
O homem que habita as regiões psíquicas do Consciente é uma criatura de conhecimento, que já vislumbrou novos propósitos e metas, mas que, geralmente, permanece no comodismo e rebeldia, repetindo os descaminhos de outros momentos. Para esse Jesus traz uma imensa lição: “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?” (Mt. 16:26) e ainda afirma no versículo 24 do mesmo capítulo, referindo-se ao exercício da vontade: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me”. Desse modo, é necessário que a criatura reflita nos verdadeiros objetivos da vida, para agir com renúncia e esforço. Deve abandonar velhos hábitos e condutas viciosas, criando condicionamentos novos que, posteriormente, transformar-se-ão em atos espontâneos.
A postura do homem do futuro está na seguinte fala do Cristo: “Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”. (Mateus 6:33). Para ele haverá o cumprimento das palavras de Jesus: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e encontrareis; batei e abrir-se-vos-á”. (Mt. 7:7). A partir do momento que ele já sabe da Lei e a realiza em si, todas as possibilidades se concretizam em sua vida e mais que “filho do homem” – fruto do seu processo evolutivo -, ele se transforma em “filho de Deus” – herdeiro da criação e semelhante ao Pai.