terça-feira, 25 de agosto de 2015

Arrependimento

Um criminoso arrependido

A 3 de janeiro de 1857, Mons. Sibour, arcebispo de Paris, ao sair da Igreja de Saint-Étienne-du-Mont, foi mortalmente ferido por um jovem padre chamado Verger.

O criminoso foi condenado à morte e executado a 30 de janeiro. Até o último instante não manifestou qualquer sentimento de pesar, de arrependimento, ou de sensibilidade.

Evocado no mesmo dia da execução, deu as seguintes respostas:

1. Evocação.

R. Ainda estou preso ao corpo.

2. Então a vossa alma não está inteiramente liberta?

R. Não... tenho medo... não sei... Esperai que torne a mim. Não estou morto, não é assim?

3. Arrependei-vos do que fizestes?

R. Fiz mal em matar, mas a isso fui levado pelo meu caráter, que não podia tolerar humilhações... Evocar-me-eis de outra vez.

4. Por que vos retirais?

R. Se o visse, muito me atemorizaria, pelo receio de que me fizesse outro tanto.

5. Mas nada tendes a temer, uma vez que a vossa alma está separada do corpo. Renunciai a qualquer inquietação, que não é razoável agora.

R. Que quereis? Acaso sois senhor das vossas impressões? Quanto a mim, não sei onde estou... estou doido.

6. Esforçai-vos por ser calmo.

R. Não posso, porque estou louco... Esperai, que vou invocar toda a minha lucidez.

7. Se orásseis, talvez pudésseis concentrar os vossos pensamentos...

R. Intimido-me... não me atrevo a orar.

8. Orai, que grande é a misericórdia de Deus! Oraremos convosco.

R. Sim; eu sempre acreditei na infinita misericórdia de Deus.

9. Compreendeis melhor, agora, a vossa situação?

R. Ela é tão extraordinária que ainda não posso apreendê-la.

10. Vedes a vossa vítima?

R. Parece-me ouvir uma voz semelhante à sua, dizen-do-me: Não mais te quero... Será, talvez, um efeito da imaginação!... Estou doido, vo-lo asseguro, pois que vejo meu corpo de um lado e a cabeça de outro... afigurando-se-me, porém, que vivo no Espaço, entre a Terra e o que denominais céu... Sinto como o frio de uma faca prestes a decepar-me o pescoço, mas isso será talvez o terror da morte... Também me parece ver uma multidão de Espíritos a rodear-me, olhando-me compadecidos... E falam-me, mas não os compreendo.

11. Entretanto, entre esses Espíritos há talvez um cuja presença vos humilha por causa do vosso crime.

R. Dir-vos-ei que há apenas um que me apavora o daquele a quem matei.

12. Lembrai-vos das anteriores existências?

R. Não; estou indeciso, acreditando sonhar... Ainda uma vez, preciso tornar a mim.

(Três dias depois.)

13. Reconhecei-vos melhor agora?

R. Já sei que não mais pertenço a esse mundo, e não o deploro. Pesa-me o que fiz, porém meu Espírito está mais livre. Sei a mais que há uma série de encarnações que nos dão conhecimentos úteis, a fim de nos tornarmos tão perfeitos quanto possível à criatura humana.

14. Sois punido pelo crime que cometestes?

R. Sim; lamento o que fiz e isso faz-me sofrer.

15. Qual a vossa punição?

R. Sou punido porque tenho consciência da minha falta, e para ela peço perdão a Deus; sou punido porque reconheço a minha descrença nesse Deus, sabendo agora que não devemos abreviar os dias de vida de nossos irmãos; sou punido pelo remorso de haver adiado o meu progresso, enveredando por caminho errado, sem ouvir o grito da própria consciência que me dizia não ser pelo assassínio que alcançaria o meu desiderato. Deixei-me dominar pela inveja e pelo orgulho; enganei-me e arrependo-me, pois o homem deve esforçar-se sempre por dominar as más paixões, o que aliás não fiz.

16. Qual a vossa sensação quando vos evocamos?

R. De prazer e de temor, por isso que não sou mau.

17. Em que consiste tal prazer e tal temor?

R. Prazer de conversar com os homens e poder em parte reparar as minhas faltas, confessando-as; e temor, que não posso definir - um quê de vergonha por ter sido um assassino.

18. Desejais reencarnar na Terra?

R. Até o peço e desejo achar-me constantemente exposto ao assassínio, provando-lhe o temor.

* * *
A situação de Verger, ao morrer, é a de quase todos os que sucumbem violentamente. Não se verificando bruscamente a separação, eles ficam como aturdidos, sem saber se estão mortos ou vivos. A visão do arcebispo foi-lhe poupada por desnecessária ao seu remorso; mas outros Espíritos, em circunstâncias idênticas, são constantemente acossados pelo olhar das suas vítimas.

Monsenhor Sibour, evocado, disse que perdoava ao assassino e orava para que ele se arrependesse. Disse mais que, posto estivesse presente à sua evocação, não se lhe tinha mostrado para lhe não aumentar os sofrimentos, porquanto o receio de o ver já era um sintoma de remorso, era já um castigo.


Do livro “O Céu e o Inferno” - Allan Kardec
(2a. Parte - Cap. VI - Ed. FEB)
 

Arrependimento




Pergunta: O arrependimento se verifica no estado corpóreo ou no estado espiritual?

Resposta dos Espíritos
 — No estado espiritual. Mas pode também verificar-se no estado corpóreo, quando bem compreendeis a distinção entre o bem e o mal.


Pergunta: Qual é a conseqüência do arrependimento no estado espiritual?

Resposta dos Espíritos — O desejo de uma nova encarnação para se purificar. O Espírito compreende as imperfeições que o impedem de ser feliz e aspira a uma nova existência, onde possa expiar as suas faltas.


Pergunta: Qual é a conseqüência do arrependimento no estado corpóreo?

Resposta dos Espíritos
 — Adiantar-se, ainda na vida presente, se houver tempo para reparação das faltas. Quando a consciência reprova e mostra uma imperfeição, sempre se pode melhorar.


Pergunta: Não há homens que só possuem o instinto do mal, sendo inacessíveis ao arrependimento?

Resposta dos Espíritos — Já te disse que se deve progredir sem cessar. Aquele que nesta vida só possui o instinto do mal, numa outra terá o do bem, e é para isso que renasce muitas vezes, pois é necessário que todos avancem e atinjam o alvo, uns com mais rapidez, e outros de maneira mais demorada, segundo os seus desejos. Aquele que só tem o instinto do bem já está purificado, porque pode ter tido o do mal numa existência anterior.


Pergunta: O homem perverso, que durante a vida não reconheceu suas faltas, sempre as reconhecerá depois da morte?

Resposta dos Espíritos — Sim, ele sempre as reconhece, e então sofre mais porque sente todo o mal que praticou ou do qual foi a causa voluntária. Entretanto, o arrependimento nem sempre é imediato. Há Espíritos que se obstinam no mau caminho, apesar dos sofrimentos. Mas, cedo ou tarde, reconhecerão haver tomado um falso caminho e o arrependimento se manifestará. É para esclarecê-los que os bons Espíritos trabalham e que vós mesmos podeis trabalhar.


Pergunta: O arrependimento sincero durante a vida é suficiente para extinguir as faltas e fazer que se mereça a graça de Deus?

Resposta dos Espíritos — O arrependimento auxilia a melhora do Espírito, mas o passado deve ser expiado.


Pergunta: Se, de acordo com isso, um criminoso dissesse que, tendo de expiar o passado, não precisa se arrepender, quais seriam para ele as conseqüências?

Resposta dos Espíritos — Se teimar no pensamento do mal, sua expiação será mais longa e mais penosa.


Pergunta: Podemos, desde esta vida, resgatar as nossas faltas?

Resposta dos Espíritos — Sim, reparando-as. Mas não julgueis resgatá-las por algumas privações pueris ou por meio de doações depois da vossa morte, quando não tereis mais necessidade de nada. Deus não considera um arrependimento estéril, sempre fácil e que só custa o trabalho de bater no peito. A perda de um dedo, quando se presta um serviço, apaga maior número de faltas do que o cilício (suplício da carne) suportado durante anos, sem outro objetivo que o bem de si mesmo.

O mal não é reparado senão pelo bem, e a reparação não tem mérito algum se não atingir o homem no seu orgulho ou nos interesses materiais. De que lhe serve restituir após a morte, corno justificação, os bens mal adquiridos, que foram desfrutados em vida e já não lhe servem para nada? De que lhe serve a privação de alguns gozos fúteis e de algumas superfluidades, se o mal que fez a outrem continue o mesmo? De que lhe serve, enfim, humilhar-se diante de Deus, se conserva o seu orgulho diante dos homens?


Pergunta: Não há nenhum mérito em se assegurar, após a morte, um emprego útil para os bens que deixamos?

Resposta dos Espíritos — Nenhum mérito não é bem o termo; isso vale sempre mais do que nada. Mas o mal é que aquele que dá ao morrer, geralmente é mais egoísta do que generoso. Quer ter as honras do bem sem lhe haver provado as penas. Aquele que se priva em vida tem duplo proveito: o mérito do sacrifício e o prazer de ver felizes os que beneficiou. Mas há sempre o egoísmo a dizer ao homem: ‘O que dás, tiras dos teus próprios gozos’. E como o egoísmo fala mais alto que o desinteresse e a caridade, ele guarda em vez de dar, sob o pretexto das suas necessidades e das exigências da sua posição. Ah! Lastimai aquele que desconhece o prazer de dar, porque foi realmente deserdado de um dos mais puros e suaves gozos do homem. Deus, submetendo-o à prova da fortuna, tão escorregadia e perigosa para o seu futuro, quis dar-lhe em compensação a ventura da generosidade, de que ele pode gozar neste mundo.


Pergunta: O que deve fazer aquele que, no último momento, na hora da morte, reconhece as suas faltas, mas não tem tempo para repará-las? É suficiente arrepender-se, nesse caso?

Resposta dos Espíritos — O arrependimento apressa a sua reabilitação, mas não o absolve. Não tem ele o futuro pela frente, que jamais se lhe fecha?


Texto retirado do ‘Livro dos Espíritos’ (Livro Quarto – Cap. 2 – Item VI)

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