Eu me considero muito liberal, não abro mão do
exercício da minha Liberdade, fico indignado quando vejo pessoas
que ainda insistem em cercear o direito à liberdade dos outros,
sou aberto a novas idéias, (e
não é por questão de opção
não, é por questão de respeito à minha
inteligência) e não me enquadro de forma alguma no
perfil do conservador que congela as suas idéias e os seus
conhecimentos, recusando tudo o que esteja além das suas
limitações culturais.
Todavia, quando falamos em Espiritismo, desde que o tratamos com
honestidade, não podemos deixar de nos guiar pela sua base, que
é a própria obra do Allan Kardec. Tudo o que contrariar
as idéias ali muito bem expostas, deixa de ser Espiritismo,
embora possa ser alguma coisa boa. Eu disse isto em matéria
anterior.
Se
considerarmos que o próprio espírito Emmanuel, no
início da sua relação com Chico Xavier, o alertou
para que o abandonasse e ficasse com Kardec, caso algum dos seus
ensinamentos ou sugestões estivessem em
contradição com ele, é porque a base é
sólida mesmo e não podemos fugir disso.
Observemos
bem este fundamental detalhe:
O
Espiritismo veio ao mundo através
dos Espíritos, em comunicações
estabelecidas entre criaturas desencarnadas e encarnadas, as obras
básicas todas foram construídas a partir da
orientação direta de Espíritos, as obras trazidas
ao mundo através de Chico Xavier, altamente adoradas e veneradas
pelo movimento espírita, sobretudo o brasileiro, vieram
também todas através de Espíritos, nenhuma do
próprio Chico. Toda a obra vinda através de Divaldo
Franco, também amplamente utilizada pelo movimento
espírita, veio através de Espíritos, nenhuma de
autoria dele mesmo, que é o professor e que é um homem de
uma cultura extraordinária...
Tem
algum sentido a proposta de uma prática do Espiritismo sem os
Espíritos?
Existe
sim. Muita gente está fazendo isto, há muito tempo.
Conheço
pessoas que já estão no Espiritismo há anos e
nunca tiveram qualquer experiência em participar de nenhuma
reunião mediúnica.
Em
várias instituições espíritas, é
imposto que as reuniões mediúnicas devem ser realizadas
apenas uma vez por semana, com apenas um grupinho, bem resumido.
Conheço caso de instituição que tem a
freqüência de público contada na casa dos milhares,
nas palestras e outras atividades, mas apenas seis pessoas participam
da sua reunião mediúnica.
Existe
justificativa para isto?
Na
cabeça das lideranças que impuseram esse tipo de regra no
movimento espírita há sim.
Justificam
sob a alegação de que “a fase do fenômeno já passou”.
Que agora devemos priorizar a fase dos estudos, para o nosso
desenvolvimento moral. Todo mundo tem que ler, ler, ler, ler, ler e
ler...
Sei
de pessoas que estão “estudando” o “Livro dos
Espíritos” há quatro anos sem sair dele. Em nome da
“humildade” criaram um dogma em cima daquele diálogo
Chico/Emannuel, quando Chico diz que já leu o livro e Emmanuel
manda que ele leia novamente; volta a dizer que leu novamente, Emmanuel
manda que ele releia; volta a dizer que releu, e Emmanuel manda que ele
estude. E com base nisso estão lendo este livro, sempre a partir
da questão número 1, o “Que é Deus?”,
sem atentarem para a importância da
“Introdução” e a
“Conclusão” da obra.
Será
que temos que considerar toda e qualquer iniciativa de contato com os
espíritos desencarnados necessariamente com sendo fenômeno?
Eu,
particularmente, não considero um contato com uma criatura
desencarnada fenômeno nenhum e nem nada que seja algo tão
impressionante assim.
Pelo
que nos deixa muito claro a doutrina, a criatura desencarnada é
exatamente a mesma criatura humana, movida dos mesmos sentimentos,
apenas deixando de ter o corpo carnal. Muitas delas com conhecimentos
inferiores aos meus, outras com conhecimentos mais ou menos no mesmo
nível e inúmeras outras com conhecimentos bem acima.
Nenhuma delas com rotulação de santas ou qualificativos
de demônios.
Portanto
administro as minhas emoções, o meu tom de voz, a minha
vibração e o meu estilo no diálogo com um
espírito desencarnado em um centro espírita do mesmo
jeito que me porto na conversa com a pessoa da cantina, da livraria, da
diretoria, da platéia, sem qualquer esforço de colocar
máscara ou forçar comportamento teatralizado.
Sou
muito chegado a brincadeiras com as pessoas, gosto de perguntar a
algumas pessoas amigas, espíritas, se “já aceitaram Jesus”, e
coisas assim. Faço a mesma coisa quando estou em contato com um
espírito desencarnado, sem que isto represente necessariamente
falta de respeito, como acham alguns.
Obviamente
que quando estamos em um diálogo tratando de um assunto mais
sério, que requer uma certa concentração no que
está sendo conversado, (estou
me referindo a concentração no assunto que está
sendo tratado, não necessariamente naquela
concentração de ter que fechar os olhos, ficar com a
mão na testa e de cabeça baixa. Não é bem
aquilo), naturalmente não cabe bem uma brincadeira, da
mesma forma que não caberia em determinadas reuniões com
encarnados.
Já
estou fugindo do tema que me propus a falar.
Pois
bem. Eu dizia que muitos espíritas cassaram o mandado dos
espíritos, parecendo o pessoal do período
revolucionário no Brasil.
Existem
várias argumentações para justificarem isso:
-
“Temos que ter muito cuidado com o animismo!”.
-
“Não é aconselhável incensar a vaidade de
certos médiuns!”.
-
“O importante é o estudo, a fase do mediunismo já
passou!”.
-
“É preciso ter muito cuidado! É preferível
recusar nove verdades a aceitar uma mentira!”.
-
“Não temos médiuns preparados para mais de uma
reunião por semana”.
Ao meu ver essas argumentações não se sustentam.
Quando
um dirigente de um centro prescinde do trabalho mediúnico sob a
argumentação do cuidado que se deve ter com o animismo,
ele está afirmando, implicitamente, que todos os outros
trabalhadores da casa são analfabetos no assunto, ninguém
conhece Espiritismo, ninguém estudou o Livro dos Médiuns,
(só ele sabe), ninguém tem preparo nenhum para
identificar os espíritos, todo mundo é bobo a ponto de se
deixar enganar por comunicações falsas e por aí
vai.
Ao
afirmar que não é aconselhável incensar a vaidade
de certos médiuns, é sinal que o seu centro não
tem capacidade para educar ninguém, principalmente no tocante
à educação mediúnica. Será que todos
os médiuns da casa são tão despreparados assim,
que vão se deixar levar pelo excesso da vaidade, pela
possibilidade de serem usados por algum espírito mais
evoluído?
A
mesma dúvida é lançada sobre o preparo dos demais
trabalhadores da casa, quanto a possibilidade de aceitarem
comunicações mentirosas de espíritos levianos.
Não
vejo justificativas nessas argumentações.
Vejo
mais como despreparo da direção da casa por motivos
diversos que justificariam um escrito só sobre este assunto, que
não quero colocar aqui.
É
claro que tem muita gente que, também pelo despreparo, exagera e
comete absurdos no aspecto da reunião mediúnica.
Qualquer
espírito que chega dizendo “que a paz do Senhor esteja com todos”,
“louvado seja nosso senhor
Jesus Cristo” e coisas mais ou menos assim, já
é recebido como “espírito
de Luz”. Todo mundo fica caladinho, uns dizendo
“psiu” pra quem faz algum ruído, ouvem tudo o que o
espírito diz, ninguém pergunta nada, ninguém
questiona nada, ninguém discorda de nada e depois do trabalho
recomenda que todos façam exatamente aquilo que o
“mentor” mandou.
É
exagero também. É despreparo espírita
também. Não é isto que eu estou querendo
também.
Deixe
eu contar mais uma experiência acontecida por volta do ano de
1994, quando morava em Belém do Pará.
Naquela
cidade eu aparecia muito na televisão, em rádio e em
jornais porque era muito convidado para falar sobre informática,
informatização do serviço público, sobre
espiritismo e sobre um monte de coisas. Sempre tive muito
próximo do pessoal da imprensa por ter sido ali um diretor de
televisão e tenho muitos amigos queridos.
Criei
naquela cidade, a partir de março de 1987 a “Caravana da
Caridade”, que era um trabalho particular meu, com a minha
família, de sair todas as noites, para alimentar uma
média de cem pessoas, entre mendigos, meninos de rua,
prostitutas etc. conseguindo fazer o trabalho no anonimato por muitos
anos, com poucas pessoas sabendo.
Certo
dia uma equipe da TV Liberal (Rede Globo local) estava na rua, fazendo
uma reportagem outra, quando nos viu realizando aquele trabalho.
Reconheceram-me, acharam bonito, filmaram a tarefa e mostraram na
edição do jornal do dia seguinte. Aí toda a
imprensa local deu também divulgação à
tarefa e alguns colaboradores outros começaram a aparecer.
Eu
costumava realizar, também, grandes eventos espíritas,
levando expositores de outros Estados, reunindo um montão de
gente no grande auditório da União Espírita
Paraense e do Centro de Convenções Tancredo Neves, CENTUR.
Dentre
eles, haviam dois companheiros atuantes do movimento espírita
local, bastante queridos, que eu tenho a maior estima.
Certo
dia ambos foram à minha empresa avisarem que um espírito
comunicante, considerado um dos “mentores
da casa”, numa reunião mediúnica no “Educandário Jesus de Nazaré”,
(um centro espírita de lá), mandou que me levassem
até lá, na próxima reunião, porque ele
queria muito conversar comigo.
Aceitei
o convite e fui até o centro, com os dois. Iniciou-se o trabalho
mediúnico e, através de uma médium ... lá
vem o espírito!
Começou
me elogiando, pelo trabalho de divulgação do Espiritismo
que eu fazia... e todo mundo de cabeça baixa, caladinho,
só escutando.
De
repente veio a chamada de atenção:
-
“Mas você precisa ter muito cuidado, porque não se
deve envolver interesses políticos com espiritismo. É
preciso separar as coisas e não se pode usar indevidamente o
nome do espiritismo para promoções pessoais...”
E
por aí foi a comunicação. Era daquele tipo de
comunicação que fala uma frase e dá uma pausa um
pouco longa, para falar a próxima, entende?
Numa
hora dessa eu, que nunca tive qualquer pretensão política
em minha vida, exatamente na cidade onde tive todas as oportunidades
para isto, inclusive tendo recebido convites para entrar na
política, por parte de duas das maiores expressões
políticas de todos os tempos no Pará, sendo que um deles
chegou a me dizer que faria de mim o deputado mais votado ali, pelo meu
“jeito”, segundo ele, comecei a perder a paciência.
E
nas pausas longas eu começava a perguntar:
-
“Você já concluiu, meu irmão?”.
“Tem mais alguma coisa pra dizer?”. “Quando
você concluir, antes de ir embora, me escute porque eu
também tenho coisas para lhe dizer”.
E
nessa hora o pessoal participante da reunião começava a
ficar preocupado, o que estava ao meu lado começa a me cutucar
com o cotovelo com frases do tipo:
- “Fique quieto, Régis,
é o mentor da casa!!!!!!”. (no Pará o
pessoal me conhece como Régis).
-
“Não questione o espírito”,
“mantenha-se em silêncio”, “olhe a
concentração”, “vamos manter a disciplina no
ambiente”...
Olhe,
gente, eu não me sirvo para ser espírita besta.
Não faço o perfil do espírita trouxa.
Não
teve nem conversa. Pedi a palavra e disse a ele:
- “Meu
irmão ou minha irmã. Você vai me desculpar, mas
você falou um monte de bobagens aí. Eu nunca tive qualquer
pretensão política na minha vida, não realizo a
Caravana da Caridade para me promover, não peço a
ninguém para viver aparecendo em rádio e na
televisão, sempre sou convidado. Portanto você está
muito equivocado, está enganando as pessoas que confiam na sua
boa fé aqui nesta casa espírita e isto que você
está fazendo não é
recomendável...”
Foi
um “Deus nos acuda”. Todo mundo nervoso, pedindo para que
eu calasse a boca e me contivesse.
Depois
a médium se “estribuchou” toda, o espírito
foi embora e um minuto depois, voltou chorando muito, pedindo desculpas.
Era,
sem dúvidas, uma manifestação anímica.
Muitas pessoas do movimento espírita vêem determinadas
coisas, começam a achar um monte de coisas, colocam aqueles seus
achismos como sendo verdade, muitos afins concordam com aquela
interpretação e terminam levando para a
“mesa” mediúnica, para dar
“autenticação de Espírito” às
suas interpretações.
Peraí!!!
Que diabo é autenticação de espírito? Eu
sei lá!, é coisa que inventei aqui agora, mas sei que
você entende o que quero dizer.
Conclusão.
Precisamos
ter cuidado sim, muito cuidado mesmo, e não nos podemos deixar
levar por fanatismo religioso porque o Espiritismo não admite
isto. Espírito desencarnado não é e nunca foi
santo. Não me consta que tenha havido alguma reunião com
o “clero” da FEB para canonizar algum espírito
desencarnado, nos moldes da igreja católica, onde quem determina
quem é e quem não é santo são os cardeais.
Cuidado
e alerta geral devemos ter, sem dúvida alguma.
Mas
daí a estabelecer que devamos fazer o Espiritismo sem os
Espíritos, não tem sentido nenhum.
Quando
uma reunião mediúnica é constituída por
espíritas conhecedores do Espiritismo, lúcidos quanto
à prática espírita, sem igrejismo, sem rituais (por incrível que pareça,
há isto também), sem aquelas
concentrações forçadas, sem aqueles
“psius” bobos, sem o tal “o silêncio é uma prece”
(porque não é) e toda aquela formalidade e, muito pelo
contrário, relacionando-se com os espíritos com
naturalidade e normalmente, creio que espírito metido a esperto
nenhum vem se fazer de besta para iludir os outros, porque ele
não vai se dar bem.
Voltemos
a fazer o Espiritismo com os Espíritos, porque muitos deles
têm muito a nos ensinar ainda, é muito bom trocar
idéias com amigos que, pela facilidade de não terem as
dificuldades do corpo físico, têm condições
de deslocarem muito mais fácil para observarem certas coisas,
também estudam, também pesquisam, também tem
curiosidades e também aperfeiçoam os seus conhecimentos
no mundo espiritual.
Consta
que, em uma reunião mediúnica muito descontraída
em Salvador, no contato natural dos participantes com um desses
espíritos que são considerados como uma espécie de
“medalhão” do Espiritismo, perguntaram-lhe:
“Por que
você não se comunica através de outros
médiuns, em outros centros espíritas, nas diversas
localidades?”.
Quando a benfeitora respondeu:
“Porque
os espíritas não deixam. Quando o médium percebe a
minha presença, ele é o primeiro a achar que está
perturbado e que não sou eu...”. E falou mais
coisas.
De fato é assim mesmo.
Imagine em um centro espírita pequeno, numa cidadezinha do
interior do Piauí, do Rio Grande do Sul, de Goiás... de
repente a dona Laura, médium vidente, comunica que ela
está vendo ali o Doutor Bezerra, que quer dar uma
comunicação através dela.
O que vai acontecer? Quais os comentários que ali
começarão a surgir, na hora?
- “Huuummm. A
vaidade já começou a subir pela cabeça. Agora
já está querendo receber logo o Dr. Bezerra de
Menezes.”
E surgirão aquelas orientações muito
“fraternas”:
- “Olhe a
vigilância, minha irmã! Vamos orar! Cuidado com os
mistificadores!...”
É sempre assim, gente.
Muitos espíritas determinaram que o Emmanuel, o André
Luiz, o Humberto de Campos e outros assinaram contrato de exclusividade
com Chico Xavier, com firma reconhecida em cartório de Uberaba.
Joanna de Ângelis, Manoel Philomeno de Miranda, Vianna de
Carvalho e outros assinaram contrato de exclusividade com Divaldo, com
firme reconhecida na Calçada, em Salvador.
A própria médium, num caso desse, em nome de uma
“humildade” mal interpretada, cria a maior dificuldade,
não dá passagem e sai da concentração
porque acha que ela não é merecedora de portar a mensagem
de um espírito desse, porque foi eleito como
“medalhão” por parte do movimento espírita.
Quando na realidade, temos médiuns notáveis e
extraordinários, com condutas morais elevadas, sintonia absoluta
com o Amor e a Caridade, em muitos centros espíritas de todo o
mundo.
É preciso maior lucidez por parte de todos nós
espíritas, com mais coerência e menos valores de
aparência.
Não vejo razão nenhuma em fazer Espiritismo sem
Espíritos. Muito pelo contrário, só
encontraríamos vantagens. Isto é, se não formos
espíritas bobos.
(Artigo
reproduzido com autorização do autor)
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