quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Espiritismo sem Espíritos Tem sentido? Por Alamar Régis Carvalho

Eu me considero muito liberal, não abro mão do exercício da minha Liberdade, fico indignado quando vejo pessoas que ainda insistem em cercear o direito à liberdade dos outros, sou aberto a novas idéias, (e não é por questão de opção não, é por questão de respeito à minha inteligência) e não me enquadro de forma alguma no perfil do conservador que congela as suas idéias e os seus conhecimentos, recusando tudo o que esteja além das suas limitações culturais.
Todavia, quando falamos em Espiritismo, desde que o tratamos com honestidade, não podemos deixar de nos guiar pela sua base, que é a própria obra do Allan Kardec. Tudo o que contrariar as idéias ali muito bem expostas, deixa de ser Espiritismo, embora possa ser alguma coisa boa. Eu disse isto em matéria anterior.            
Se considerarmos que o próprio espírito Emmanuel, no início da sua relação com Chico Xavier, o alertou para que o abandonasse e ficasse com Kardec, caso algum dos seus ensinamentos ou sugestões estivessem em contradição com ele, é porque a base é sólida mesmo e não podemos fugir disso.
Observemos bem este fundamental detalhe:
O Espiritismo veio ao mundo através dos Espíritos, em comunicações estabelecidas entre criaturas desencarnadas e encarnadas, as obras básicas todas foram construídas a partir da orientação direta de Espíritos, as obras trazidas ao mundo através de Chico Xavier, altamente adoradas e veneradas pelo movimento espírita, sobretudo o brasileiro, vieram também todas através de Espíritos, nenhuma do próprio Chico. Toda a obra vinda através de Divaldo Franco, também amplamente utilizada pelo movimento espírita, veio através de Espíritos, nenhuma de autoria dele mesmo, que é o professor e que é um homem de uma cultura extraordinária...
Tem algum sentido a proposta de uma prática do Espiritismo sem os Espíritos?
Existe sim. Muita gente está fazendo isto, há muito tempo.
Conheço pessoas que já estão no Espiritismo há anos e nunca tiveram qualquer experiência em participar de nenhuma reunião mediúnica.
Em várias instituições espíritas, é imposto que as reuniões mediúnicas devem ser realizadas apenas uma vez por semana, com apenas um grupinho, bem resumido. Conheço caso de instituição que tem a freqüência de público contada na casa dos milhares, nas palestras e outras atividades, mas apenas seis pessoas participam da sua reunião mediúnica. 
Existe justificativa para isto?
Na cabeça das lideranças que impuseram esse tipo de regra no movimento espírita há sim.
Justificam sob a alegação de que “a fase do fenômeno já passou”. Que agora devemos priorizar a fase dos estudos, para o nosso desenvolvimento moral. Todo mundo tem que ler, ler, ler, ler, ler e ler...
Sei de pessoas que estão “estudando” o “Livro dos Espíritos” há quatro anos sem sair dele. Em nome da “humildade” criaram um dogma em cima daquele diálogo Chico/Emannuel, quando Chico diz que já leu o livro e Emmanuel manda que ele leia novamente; volta a dizer que leu novamente, Emmanuel manda que ele releia; volta a dizer que releu, e Emmanuel manda que ele estude. E com base nisso estão lendo este livro, sempre a partir da questão número 1, o “Que é Deus?”, sem atentarem para a importância da “Introdução” e a “Conclusão” da obra.  
Será que temos que considerar toda e qualquer iniciativa de contato com os espíritos desencarnados necessariamente com sendo fenômeno?
Eu, particularmente, não considero um contato com uma criatura desencarnada fenômeno nenhum e nem nada que seja algo tão impressionante assim.
Pelo que nos deixa muito claro a doutrina, a criatura desencarnada é exatamente a mesma criatura humana, movida dos mesmos sentimentos, apenas deixando de ter o corpo carnal. Muitas delas com conhecimentos inferiores aos meus, outras com conhecimentos mais ou menos no mesmo nível e inúmeras outras com conhecimentos bem acima. Nenhuma delas com rotulação de santas ou qualificativos de demônios.
Portanto administro as minhas emoções, o meu tom de voz, a minha vibração e o meu estilo no diálogo com um espírito desencarnado em um centro espírita do mesmo jeito que me porto na conversa com a pessoa da cantina, da livraria, da diretoria, da platéia, sem qualquer esforço de colocar máscara ou forçar comportamento teatralizado.
Sou muito chegado a brincadeiras com as pessoas, gosto de perguntar a algumas pessoas amigas, espíritas, se “já aceitaram Jesus”, e coisas assim. Faço a mesma coisa quando estou em contato com um espírito desencarnado, sem que isto represente necessariamente falta de respeito, como acham alguns.
Obviamente que quando estamos em um diálogo tratando de um assunto mais sério, que requer uma certa concentração no que está sendo conversado, (estou me referindo a concentração no assunto que está sendo tratado, não necessariamente naquela concentração de ter que fechar os olhos, ficar com a mão na testa e de cabeça baixa. Não é bem aquilo), naturalmente não cabe bem uma brincadeira, da mesma forma que não caberia em determinadas reuniões com encarnados.
Já estou fugindo do tema que me propus a falar.
Pois bem. Eu dizia que muitos espíritas cassaram o mandado dos espíritos, parecendo o pessoal do período revolucionário no Brasil.
Existem várias argumentações para justificarem isso:

- “Temos que ter muito cuidado com o animismo!”.
- “Não é aconselhável incensar a vaidade de certos médiuns!”.
- “O importante é o estudo, a fase do mediunismo já passou!”.
- “É preciso ter muito cuidado! É preferível recusar nove verdades a aceitar uma mentira!”.
- “Não temos médiuns preparados para mais de uma reunião por semana”.
           
Ao meu ver essas argumentações não se sustentam.
Quando um dirigente de um centro prescinde do trabalho mediúnico sob a argumentação do cuidado que se deve ter com o animismo, ele está afirmando, implicitamente, que todos os outros trabalhadores da casa são analfabetos no assunto, ninguém conhece Espiritismo, ninguém estudou o Livro dos Médiuns, (só ele sabe), ninguém tem preparo nenhum para identificar os espíritos, todo mundo é bobo a ponto de se deixar enganar por comunicações falsas e por aí vai.
Ao afirmar que não é aconselhável incensar a vaidade de certos médiuns, é sinal que o seu centro não tem capacidade para educar ninguém, principalmente no tocante à educação mediúnica. Será que todos os médiuns da casa são tão despreparados assim, que vão se deixar levar pelo excesso da vaidade, pela possibilidade de serem usados por algum espírito mais evoluído?
A mesma dúvida é lançada sobre o preparo dos demais trabalhadores da casa, quanto a possibilidade de aceitarem comunicações mentirosas de espíritos levianos.
Não vejo justificativas nessas argumentações.
Vejo mais como despreparo da direção da casa por motivos diversos que justificariam um escrito só sobre este assunto, que não quero colocar aqui.
É claro que tem muita gente que, também pelo despreparo, exagera e comete absurdos no aspecto da reunião mediúnica.
Qualquer espírito que chega dizendo “que a paz do Senhor esteja com todos”, “louvado seja nosso senhor Jesus Cristo” e coisas mais ou menos assim, já é recebido como “espírito de Luz”. Todo mundo fica caladinho, uns dizendo “psiu” pra quem faz algum ruído, ouvem tudo o que o espírito diz, ninguém pergunta nada, ninguém questiona nada, ninguém discorda de nada e depois do trabalho recomenda que todos façam exatamente aquilo que o “mentor” mandou.
É exagero também. É despreparo espírita também. Não é isto que eu estou querendo também.         
Deixe eu contar mais uma experiência acontecida por volta do ano de 1994, quando morava em Belém do Pará.
Naquela cidade eu aparecia muito na televisão, em rádio e em jornais porque era muito convidado para falar sobre informática, informatização do serviço público, sobre espiritismo e sobre um monte de coisas. Sempre tive muito próximo do pessoal da imprensa por ter sido ali um diretor de televisão e tenho muitos amigos queridos.
Criei naquela cidade, a partir de março de 1987 a “Caravana da Caridade”, que era um trabalho particular meu, com a minha família, de sair todas as noites, para alimentar uma média de cem pessoas, entre mendigos, meninos de rua, prostitutas etc. conseguindo fazer o trabalho no anonimato por muitos anos, com poucas pessoas sabendo.
Certo dia uma equipe da TV Liberal (Rede Globo local) estava na rua, fazendo uma reportagem outra, quando nos viu realizando aquele trabalho. Reconheceram-me, acharam bonito, filmaram a tarefa e mostraram na edição do jornal do dia seguinte. Aí toda a imprensa local deu também divulgação à tarefa e alguns colaboradores outros começaram a aparecer.
Eu costumava realizar, também, grandes eventos espíritas, levando expositores de outros Estados, reunindo um montão de gente no grande auditório da União Espírita Paraense e do Centro de Convenções Tancredo Neves, CENTUR.
Dentre eles, haviam dois companheiros atuantes do movimento espírita local, bastante queridos, que eu tenho a maior estima.
Certo dia ambos foram à minha empresa avisarem que um espírito comunicante, considerado um dos “mentores da casa”, numa reunião mediúnica no “Educandário Jesus de Nazaré”, (um centro espírita de lá), mandou que me levassem até lá, na próxima reunião, porque ele queria muito conversar comigo.
Aceitei o convite e fui até o centro, com os dois. Iniciou-se o trabalho mediúnico e, através de uma médium ... lá vem o espírito!
Começou me elogiando, pelo trabalho de divulgação do Espiritismo que eu fazia... e todo mundo de cabeça baixa, caladinho, só escutando.
De repente veio a chamada de atenção:
- “Mas você precisa ter muito cuidado, porque não se deve envolver interesses políticos com espiritismo. É preciso separar as coisas e não se pode usar indevidamente o nome do espiritismo para promoções pessoais...”
E por aí foi a comunicação. Era daquele tipo de comunicação que fala uma frase e dá uma pausa um pouco longa, para falar a próxima, entende?
Numa hora dessa eu, que nunca tive qualquer pretensão política em minha vida, exatamente na cidade onde tive todas as oportunidades para isto, inclusive tendo recebido convites para entrar na política, por parte de duas das maiores expressões políticas de todos os tempos no Pará, sendo que um deles chegou a me dizer que faria de mim o deputado mais votado ali, pelo meu “jeito”, segundo ele, comecei a perder a paciência.
E nas pausas longas eu começava a perguntar:
- “Você já concluiu, meu irmão?”. “Tem mais alguma coisa pra dizer?”. “Quando você concluir, antes de ir embora, me escute porque eu também tenho coisas para lhe dizer”.
E nessa hora o pessoal participante da reunião começava a ficar preocupado, o que estava ao meu lado começa a me cutucar com o cotovelo com frases do tipo:
- “Fique quieto, Régis, é o mentor da casa!!!!!!”. (no Pará o pessoal me conhece como Régis).
- “Não questione o espírito”, “mantenha-se em silêncio”, “olhe a concentração”, “vamos manter a disciplina no ambiente”...
Olhe, gente, eu não me sirvo para ser espírita besta. Não faço o perfil do espírita trouxa.
Não teve nem conversa. Pedi a palavra e disse a ele:

- “Meu irmão ou minha irmã. Você vai me desculpar, mas você falou um monte de bobagens aí. Eu nunca tive qualquer pretensão política na minha vida, não realizo a Caravana da Caridade para me promover, não peço a ninguém para viver aparecendo em rádio e na televisão, sempre sou convidado. Portanto você está muito equivocado, está enganando as pessoas que confiam na sua boa fé aqui nesta casa espírita e isto que você está fazendo não é recomendável...”
Foi um “Deus nos acuda”. Todo mundo nervoso, pedindo para que eu calasse a boca e me contivesse.
Depois a médium se “estribuchou” toda, o espírito foi embora e um minuto depois, voltou chorando muito, pedindo desculpas.
Era, sem dúvidas, uma manifestação anímica. Muitas pessoas do movimento espírita vêem determinadas coisas, começam a achar um monte de coisas, colocam aqueles seus achismos como sendo verdade, muitos afins concordam com aquela interpretação e terminam levando para a “mesa” mediúnica, para dar “autenticação de Espírito” às suas interpretações.
Peraí!!! Que diabo é autenticação de espírito? Eu sei lá!, é coisa que inventei aqui agora, mas sei que você entende o que quero dizer.
Conclusão.
Precisamos ter cuidado sim, muito cuidado mesmo, e não nos podemos deixar levar por fanatismo religioso porque o Espiritismo não admite isto. Espírito desencarnado não é e nunca foi santo. Não me consta que tenha havido alguma reunião com o “clero” da FEB para canonizar algum espírito desencarnado, nos moldes da igreja católica, onde quem determina quem é e quem não é santo são os cardeais.
Cuidado e alerta geral devemos ter, sem dúvida alguma.
Mas daí a estabelecer que devamos fazer o Espiritismo sem os Espíritos, não tem sentido nenhum.
Quando uma reunião mediúnica é constituída por espíritas conhecedores do Espiritismo, lúcidos quanto à prática espírita, sem igrejismo, sem rituais (por incrível que pareça, há isto também), sem aquelas concentrações forçadas, sem aqueles “psius” bobos, sem o tal “o silêncio é uma prece” (porque não é) e toda aquela formalidade e, muito pelo contrário, relacionando-se com os espíritos com naturalidade e normalmente, creio que espírito metido a esperto nenhum vem se fazer de besta para iludir os outros, porque ele não vai se dar bem.
Voltemos a fazer o Espiritismo com os Espíritos, porque muitos deles têm muito a nos ensinar ainda, é muito bom trocar idéias com amigos que, pela facilidade de não terem as dificuldades do corpo físico, têm condições de deslocarem muito mais fácil para observarem certas coisas, também estudam, também pesquisam, também tem curiosidades e também aperfeiçoam os seus conhecimentos no mundo espiritual.
Consta que, em uma reunião mediúnica muito descontraída em Salvador, no contato natural dos participantes com um desses espíritos que são considerados como uma espécie de “medalhão” do Espiritismo, perguntaram-lhe:
“Por que você não se comunica através de outros médiuns, em outros centros espíritas, nas diversas localidades?”.
Quando a benfeitora respondeu:
“Porque os espíritas não deixam. Quando o médium percebe a minha presença, ele é o primeiro a achar que está perturbado e que não sou eu...”. E falou mais coisas.
De fato é assim mesmo.
Imagine em um centro espírita pequeno, numa cidadezinha do interior do Piauí, do Rio Grande do Sul, de Goiás... de repente a dona Laura, médium vidente, comunica que ela está vendo ali o Doutor Bezerra, que quer dar uma comunicação através dela.
O que vai acontecer? Quais os comentários que ali começarão a surgir, na hora?
- “Huuummm. A vaidade já começou a subir pela cabeça. Agora já está querendo receber logo o Dr. Bezerra de Menezes.”
E surgirão aquelas orientações muito “fraternas”:
- “Olhe a vigilância, minha irmã! Vamos orar! Cuidado com os mistificadores!...”
É sempre assim, gente.
Muitos espíritas determinaram que o Emmanuel, o André Luiz, o Humberto de Campos e outros assinaram contrato de exclusividade com Chico Xavier, com firma reconhecida em cartório de Uberaba. Joanna de Ângelis, Manoel Philomeno de Miranda, Vianna de Carvalho e outros assinaram contrato de exclusividade com Divaldo, com firme reconhecida na Calçada, em Salvador.
A própria médium, num caso desse, em nome de uma “humildade” mal interpretada, cria a maior dificuldade, não dá passagem e sai da concentração porque acha que ela não é merecedora de portar a mensagem de um espírito desse, porque foi eleito como “medalhão” por parte do movimento espírita. Quando na realidade, temos médiuns notáveis e extraordinários, com condutas morais elevadas, sintonia absoluta com o Amor e a Caridade, em muitos centros espíritas de todo o mundo.       
É preciso maior lucidez por parte de todos nós espíritas, com mais coerência e menos valores de aparência.
Não vejo razão nenhuma em fazer Espiritismo sem Espíritos. Muito pelo contrário, só encontraríamos vantagens. Isto é, se não formos espíritas bobos.
(Artigo reproduzido com autorização do autor)

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