segunda-feira, 18 de maio de 2015

ESPIRITISMO SEM MITOS

Cultura e espiritualização humanas vencem o fanatismo e os misticismos populares


Por Warwick Mota



Joanna de Ângelis, ao referir-se, à questão dos mitos na obra Dias Gloriosos¹, abre discussão para uma questão de suma importância para nós espíritas, não só pela importância dos aspectos antropológico e sociológico no desenvolvimento do homem, como também pela abordagem quanto ao desenvolvimento dos aspectos psicológico e espiritual deste mesmo.

São muitos os estudos da ciência oficial, que vêm nos revelar a questão da inserção dos mitos dentro da história evolutiva do homem, seja no estudo da mitologia oriental, seja no estudo da mitologia egípcia, quanto da mitologia greco-romana, todos esses estudos vêm revelar a herança arquetípica desses enredos, que povoam a mente humana até os dias atuais.

Herculano Pires na obra O Espírito e o Tempo2ao tratar do horizonte agrícola, procura demonstrar o desenvolvimento mental do homem, através de um processo de racionalização anímica, que se dá inicialmente pela personificação de aspectos e elementos da natureza. Nesse processo o homem primitivo envolve dois elementos gerais do Universo: a Terra-mãe e o Céu-pai, surgindo assim, as primeiras formas de fetiche do homem primitivo, formas essas que segundo Herculano Pires, devem constituir a base de todo processo de racionalização anímica.

O deus sol, a divindade lunar, o trovão, a montanha sagrada, os espírito da água, do fogo e do vento, são evidências de que as tribos realizaram a personificação dos elementos da natureza através do mediunismo, pois este era um aspecto que tinha influência na sobrevivência dos povos; isso era fruto de experiências concretas e não apenas para permitir que o mundo exterior fosse compreendido de forma racional como querem os materialistas, ou seja, existia a crença que as forças e os elementos da natureza eram obras ou manifestações de entidades in­visíveis e que os fenômenos e forças da natureza eram capazes de intervir nos assuntos humanos.

Segundo o antropólogo inglês Edward Burnett Tylor, na obra Primitive Culture (A Cultura Primitiva -1871), a questão do animismo presente entre as sociedades primitivas, vem demonstrar que a noção de alma é desenvolvida pelo homem da época que, ao observar as experiências do sono, da doença, da morte e sobretudo, dos sonhos, é levado a imaginar a existência de uma alma ou de um “duplo etérico”, se assim podemos chamar, e que esse elemento insubstancial podia atuar com in­dependência e até sobreviver ao corpo depois de sua morte. Essa crença de que a alma sobrevive à morte explica as primeiras manifestações de culto aos ancestrais.

Deve-se ficar claro que as idéias de Tylor tiverem grande influência à época, contudo, foram contestadas por estudos posteriores que mostram, por exemplo, que em algumas comunidades primitivas, a crença em um ser superior surgiu sem terem esses povos, estagiado pela fase do animismo. Não podemos negar, entretanto, que a importância do culto aos ancestrais inspirou filósofos e historiadores como Evêmero, no século IV a.C., a considerá-lo a origem da religião. As sepulturas datadas do período paleolítico reforçam essa opinião, pois comprovam já haver naquele período uma crença na vida após a morte e no poder ou influência dos ancestrais sobre a vida cotidiana do clã familiar. Os integrantes do clã obrigavam-se a praticar ritos em homenagem a seus mortos pelo temor a represálias ou pelo desejo de obter benefícios, ou ainda, por considerá-los seres divinizados.

É interessante observar que os estudos das mitologias, principalmente os da mitologia egípcia, mostram que pessoas que tinham algum poder oculto não compreendido pelo vulgo, ou tinham influência entre as famílias, tornavam-se após a morte deuses familiares, como é o caso de Bês “o anão”, que originalmente era o deus protetor da realeza do Egito, mas que gradualmente tornou-se um deus popular nas casas de todo Egito, especialmente entre as massas comuns.

Cabe lembrar que os deuses familiares, com o tempo, passam à condição de deuses universais, em virtude de serem vistos mediunicamente por outras pessoas, fora dos clãs familiares, tornando-se assim populares com o tempo, até atingir a condição de cultuados por toda uma nação, processo este similar aos santos da igreja católica.

É imperioso ressaltar que os espíritos responsáveis pela codificação informam claramente a Kardec na questão 521 de O Livro dos Espíritos, que as Musas nada mais eram do que a personificação alegóricas dos espíritos protetores da ciência e das artes, assim como os deuses Lares e Penates cultuados na mitologia romana, não eram senão a personificação alegórica dos espíritos protetores da família.

O Codificador aprofunda o tema politeísta, quando na questão 667 de O Livros dos Espíritos, indaga as entidades venerandas: “Por que razão, não obstante ser falsa, a crença politeísta é uma das mais antigas e espalhadas?”, ao que os Espíritos lhe respondem:

"A concepção de um Deus único não poderia existir no homem, senão como resultado do desenvolvimento de suas idéias. Incapaz, pela sua ignorância, de conceber um ser imaterial, sem forma determinada, atuando sobre a matéria, conferiu-Lhe o homem atributos da natureza corpórea, isto é, uma forma e um aspecto e, desde então, tudo o que parecia ultrapassar os limites da inteligência comum era, para ele, uma divindade. Tudo o que não compreendia devia ser obra de uma potência sobrenatural. Daí a crer em tantas potências distintas quantos os efeitos que observava, não havia mais que um passo. Em todos os tempos, porém, houve homens instruídos, que compreenderam ser impossível a existência desses poderes múltiplos a governarem o mundo, sem uma direção superior, e que, em conseqüência, se elevaram à concepção de um Deus único."

Diante da resposta dos Espíritos à questão 667, fica-nos muito claro que o aspecto mitológico não é apenas um processo de racionalização, pois demonstra claramente a participação dos Espíritos na História, além de ser também, uma fonte de esclarecimentos dos problemas religiosos e principalmente da mitificação que se perpetua nos dias atuais ainda que subliminarmente.

É imensurável em todos os aspectos o esforço de Allan Kardec no sentido de legar à humanidade uma doutrina livre de atavismos, vícios religiosos e dogmas de qualquer  espécie, porém, como as pessoas não estão habituadas ao estudo sério e profundo dos temas do espírito e sim voltadas para os assuntos do cotidiano, continuam a criar novos mitos e heróis que venham completar esse vazio causado pala ausência de uma cultura mais espiritualizada.

É por esse fato, que nos deparamos com esse tipo de comportamento nos ambientes espíritas. A mitificação de espíritos desencarnados e a inserção da práticas atávicas à doutrina têm se tornado comum para muitos espíritas que, pela falta de estudo, perdem a capacidade de análise dos fatos e introjetam o posicionamento dos desencarnados para qualquer situação, deixando de ter uma opinião própria quando se faz necessária, ou como diria Kardec uma fé raciocinada.

Começam então a surgir os “emanuelistas”, os “andreluizistas”, e tantos outros “istas”, que colocam tais espíritos na condição de gurus pessoais; obviamente que nada temos contra esses espíritos e nem contras suas obras, pois sabemos da envergadura espiritual que eles detêm e que as suas obras têm importância fulcral para os estudo do Espiritismo, isso é fato; contudo, dar a estas entidades a condição de mitos, colocá-las muitas vezes acima do Codificador, beira àquilo que chamamos de absurdos doutrinários.

Como se isso não fosse suficiente temos também os mitificadores  de espíritos encarnados; agora já existem os “chiquistas”, os “divaldistas”, os “teixeiristas” e outros mais. As pessoas estão endeusando esses missionários do plano espiritual, justamente por desconhecerem a codificação, alguns inclusive introjetam-se de tal forma nesses companheiros, que até a forma de falar e os trejeitos, são claramente copiados em palestras públicas.

Mitos como, Pe. Cícero, Antônio Conselheiro  e outros, foram criados pelo povo nordestino, que os julgavam legítimos representantes de Deus  aqui na Terra, com poderes para amenizar suas misérias e sofrimentos causados pela seca e abandono dos governantes. Será que nós também não estamos criando mitos para servirem de embaixadores, junto a divindade para cuidarem dos nossos interesses assim na terra como no céu? Será que as excursões para lugares “santos”: Uberaba, Bahia, etc, não se constituem no fundo, verdadeira romarias?

Definido como recurso ideológico o mito não constitui a negação das coisas. Ao contrário, o mito penetra na linguagem para falar das coisas; é por isso mesmo que o Mestre Jesus utilizava-se de figuras alegóricas, não para aprisionar o homem ao símbolo, mas para ilustrar um fato através dele. O que se percebe frente ao que está acontecendo é que muitos espíritas estão tão presos a símbolos, mitos e fantasias quanto os irmãos de outras crenças.

Faz-se necessário, então, que as instituições espíritas busquem uma melhora qualitativa nos campos da divulgação e formação doutrinária, oferecendo tanto aos neófitos, quanto aos demais cooperadores da casa espírita, uma informação segura e plenamente balizada no legado Kardeciano, a fim de que, a Doutrina possa seguir firme, livre de sincretismos e fantasias.

Artigo publicado pela RIE – Revista Internacional de Espiritismo Ano LXXVII – Nº 8 – MATÃO, setembro 2002 – Editora: O Clarim  - www.oclarim.com.br



1-     FRANCO, Divaldo P., Dias Gloriosos – Pelo Espírito Joanna de Angelis – Salvador (BA): Livraria Espírita Alvorada 1999, p. 207-211
2-     PIRES, José Herculano. O Espírito e o Tempo – Edicel, cap. 1 e 2

Bibliografia
1-     Enciclopédia Barsa
2-     Enciclopédia Britânica
3-     Atlas da História Universal
4-     SAVELE, Max, História da Civilização Mundial
5-     KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos
6-     CAMPBEL, Joseph. O Poder do Mito
7-     JUNG, Carl Gustav. O Homem e Seus Símbolos
8-     FRANCO, Divaldo P. O Ser Consciente – Pelo Espírito Joanna de Ângelis
9-     FRANCO, Divaldo P. O Homem Integral – Pelo Espírito Joanna de Ângelis
10- PIRES, José Herculano. O Espírito e o Tempo

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