Conta-se que Francisco de Assis, notável
missionário cristão da Idade Média, estava tratando de seu jardim,
quando um amigo se aproximou, perguntando-lhe: – Francisco, o que você faria se soubesse que iria morrer hoje? Ao que ele teria respondido, com a maior naturalidade: – Continuaria a fazer o que estou fazendo: cuidando do meu jardim! Será que nós, diante de um pressentimento sombrio ou ditoso, cultivaríamos a mesma serenidade de um Francisco de Assis?
É possível conhecer o futuro?
O
pressentimento, a premonição, a precognição, a presciência, o
presságio, são diferentes palavras utilizadas para designar um só
fenômeno: o conhecimento do futuro, que repousa sobre “um mesmo
princípio: a emancipação da alma, mais ou menos desprendida da matéria”.Revista
espírita: jornal de estudos psicológicos, ano 8, p. 282, jul. 1865. 3.
ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006." O conhecimento do futuro depende da elevação dos Espíritos que, muitas vezes, apenas o entreveem, “porém nem sempre lhes é permitido revelá-lo” ao homem (Espírito encarnado), porquanto “a certeza de um acontecimento
venturoso o lançaria na inação. A de um acontecimento infeliz o
encheria de desânimo. Em ambos os casos, suas forças ficariam
paralisadas”.
Logo, “em princípio, o futuro lhe é oculto e só em casos raros e excepcionais permite Deus que seja revelado”, com o objetivo de facilitar “a execução de uma coisa, em vez de estorvar, obrigando o homem a agir diversamente do modo por que agiria, se lhe não fosse feita a revelação”.
Muitos
creem que a existência física é regida por um determinismo ou
fatalidade irrevogável, e que, independentemente de como agirmos,
ninguém escapará do destino que lhe está reservado. Um pouco de reflexão
sobre o assunto, entretanto, é suficiente para afastar tal ideia.
Ensina o Espiritismo que a fatalidadeexiste unicamente pela escolha que o Espírito faz, ao encarnar, desta
ou daquela prova física. Elegendo-a, institui para si uma espécie de
destino, que é o resultado da posição em que vem a achar-se colocado,
como homem, na Terra “nas funções que aí desempenha, em consequência do
gênero de vida que seu Espírito escolheu como prova, expiação ou
missão”.
Por
conseguinte, não se pode dizer que tudo já está predeterminado em
nossas vidas. Assim fosse, seríamos meros autômatos e de nada adiantaria
nosso esforço para nos melhorar, de forma que tanto o que fizesse o
bem, quanto o que fizesse o mal, teriam a mesma compensação ou o mesmo
futuro, o que estaria em desacordo com a Justiça Divina incorruptível. A
fatalidade a que todos estamos submetidos, sem exceção, é a morte
física: chegado esse momento, de uma forma ou de outra, dela não podemos
nos esquivar, contudo, “nunca há fatalidade nos atos da vida moral”, porque somos senhores, por nossa vontade, de ceder ou não às tendências
inatas que trazemos de encarnações pretéritas e às influências de
outros Espíritos. O resultado da má utilização do livre-arbítrio é que
retardará o nosso progresso, protelando o encontro com a Verdade, mas
todos chegaremos lá, muitas vezes pela dor, que é um aguilhão a nos
impulsionar à correção de nossas imperfeições e a nos mostrar o roteiro
de nossa emancipação espiritual.
Considerando a margem de liberdade
que o Criador nos confere, dentro de suas leis imutáveis, para
exercitarmos o livre-arbítrio e as faculdades, não há incoerência alguma
em dizer que somos responsáveis pelo nosso passado e os artífices de
nosso futuro.
Quanto mais evoluído o Espírito – encarnado ou
desencarnado –, melhores condições tem de prever o futuro, baseado na
experiência acumulada dos fatos do passado e na análise dos
acontecimentos do presente, considerando que, à luz do princípio de
causa e efeito, tudo o que fazemos acarreta resultados que se projetam
no tempo. Por isso, “o futuro não é surpresa atordoante. É consequência
dos atos presentes”.
Ao ensino dado em O Livro dos Médiuns, os benfeitores acrescentam que os pressentimentos são uma espécie de mediunidade:
O
pressentimento é uma intuição vaga das coisas futuras. Algumas pessoas
têm essa faculdade mais ou menos desenvolvida. Pode ser devida a uma
espécie de dupla vista, que lhes permite entrever as consequências das
coisas atuais e a filiação dos acontecimentos. [...]
Ou ainda:
São
recordações vagas e intuitivas do que o Espírito aprendeu em seus
momentos de liberdade e algumas vezes avisos ocultos dados por Espíritos
benévolos.
O
fato de um pressentimento não se confirmar nem sempre significa que se
estava enganado a respeito das premonições, visto que as ações dos
Espíritos (encarnados ou desencarnados), antes de ocorrerem, são
concebidas na mente, cujos pensamentos são captados por determinadas
pessoas, durante o sono, por meio dos sonhos, ou durante a vigília. No
entanto, pode haver desistência da ação planejada, por parte do agente,
ou é possível haver alguma circunstância que o impeça de concretizar seu
desejo.
Isto é,
[...]
como a sua realização [da ação planejada] pode ser apressada ou
retardada por um concurso de circunstâncias, este último [o médium ou
vidente] vê o fato, sem poder, todavia, determinar o momento em que se
dará. Não raro acontece que aquele pensamento não passa de um projeto,
de um desejo, que se não concretizem em realidade, donde os frequentes
erros de fato e de data nas previsões.
Por
isso, devemos desconfiar de mensagens proféticas que anunciam
precisamente, com data e hora marcadas, o acontecimento de coisas
fantásticas.
Sendo assim, o pressentimento nada tem de sobrenatural,
posto que “se funda nas propriedades da alma e na lei das relações do
mundo visível com o mundo invisível, que o Espiritismo veio dar a
conhecer”. Kardec traz um interessantíssimo exemplo de pressentimento.
Trata-se
de uma carta, dirigida ao Codificador, pela Senhora Angelina de Ogé,
que foi avisada, com seis meses de antecedência, sobre a morte de seu
genitor. Eis algumas considerações dadas a respeito deste caso pela
Sociedade Espírita de Paris:
“O Espírito do pai dessa senhora, em estado de desprendimento, tinha um
conhecimento antecipado de sua morte e da maneira por que ela se daria.
Sua vista espiritual abarcando um certo espaço de tempo, para ele é
como se a coisa estivesse presente, embora no estado de vigília não lhe
conservasse qualquer lembrança. Foi ele próprio que se manifestou à sua
filha, seis meses antes, nas condições que deviam se produzir, a fim de
que, mais tarde, ela soubesse que era ele e que, estando preparada para
uma separação próxima, não ficasse surpreendida com a sua partida. Ela mesma, como Espírito, tinha conhecimento disto, porque os dois Espíritos se comunicavam em seus momentos de liberdade. É o que
lhe dava a intuição de que alguém devia morrer naquele quarto. Essa
manifestação ocorreu igualmente com o objetivo de fornecer um assunto de
instrução a respeito do conhecimento do mundo invisível”.
O
progresso intelecto-moral confere ao ser humano maior amplitude de
percepção sobre as coisas, à semelhança de uma pessoa que, situando-se
no topo de uma montanha, de posse de um potente binóculo, pode prever
algum acontecimento em certo trecho da estrada, que não é dado a outro
descortinar, se estiver em plano mais baixo, por falta de uma visão
panorâmica do que se passa à sua volta.
Não sem razão, o Codificador destaca:
O
tempo é apenas uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias;
a eternidade não é suscetível de medida alguma, do ponto de vista da
duração; para ela, não há começo, nem fim: tudo lhe é presente.
Kardec,
lembrando a forma misteriosa e cabalística de certas predições antigas,
de que Nostradamus é o exemplo mais completo, ressalva:
[...]
Pela sua ambiguidade, elas se prestam a interpretações muito
diferentes, de tal sorte que, conforme o sentido que se atribua a certas
palavras alegóricas ou convencionais, conforme a maneira por que se
efetue o cálculo, singularmente complicado, das datas e, com um pouco de
boa vontade, nelas se encontra quase tudo o que se queira.
Na
atualidade, porém, as previsões dos Espíritos “são antes advertências,
do que predições propriamente ditas e quase sempre motivam a opinião que
manifestam, por não quererem que o homem anule a sua razão sob uma fé
cega e desejarem que este último lhe aprecie a exatidão”.
A
perplexidade de muitas pessoas ante os fenômenos relacionados com o
futuro, entre eles o pressentimento, demonstra o quanto o homem ainda
desconhece a sua própria natureza espiritual. O Espiritismo veio
projetar luz sobre esta questão, trazendo a chave para o seu
entendimento: “o estudo das propriedades do perispírito”.
Se
há um determinismo, na acepção absoluta da palavra, este é o
determinismo do progresso, para a felicidade de todos nós. Mesmo que
façamos mau uso do livre-arbítrio, fatalmente, mais cedo ou mais tarde,
nos arrependeremos, expiaremos e repararemos nossos erros, motivo por que sempre estaremos jungidos ao resultado final
estabelecido pelo Criador, que instituiu a Lei Maior de que “o bem é o
fim supremo da Natureza”, o que implica na acepção de que “determinismo e livre-arbítrio
coexistem na vida, entrosando-se na estrada dos destinos, para a
elevação e redenção dos homens”.
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