quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Percepções da Realidade Renato Costa

Algumas pessoas estranham que os relatos sobre o que se passa no plano espiritual não estejam todos em perfeita concordância, afirmando ser isso uma evidência de que os mesmos não merecem crédito. Tentaremos, neste estudo, ilustrar o porquê das diferenças entre os relatos da realidade espiritual utilizando uma analogia, permitindo, assim, que se depreenda que as ditas diferenças não evidenciam, de modo algum, que os relatos sejam inverossímeis.
Suponhamos que um amigo nosso, que vive na Suécia, nos venha visitar aqui no Rio de Janeiro, em pleno verão de quarenta graus. Imaginemos que ele está a serviço e que nós tenhamos um único dia, melhor dizendo, um único fim de dia para levá-lo a conhecer o Rio. Hesitantes, e após ponderar os prós e os contras de cada programa possível, convidamos nosso amigo a conhecer o Pão de Açúcar à noite, com o céu límpido e estrelado, esperando dar a ele uma idéia da cidade, pelo menos do trecho da Zona Sul e da Baía de Guanabara que dá para ver de lá.
Na manhã seguinte nos despedimos e ele volta à sua gélida terrinha, enquanto ficamos derretendo em nosso abençoado paraíso tropical. Ao encontrar nossos amigos cariocas, mais tarde, um deles nos pergunta: "Como foi ontem com seu amigo sueco?" Respondemos, desanimados: "Não sabemos. Ele ficou o tempo todo calado, olhando o céu, sem interesse pelo que queríamos mostrar. Deve ter sido porque não estava acontecendo nenhum show e porque estava tudo muito sem graça. Sabe? Ficamos chateados de não ter pensado em um programa melhor".
Ao chegar em Estocolmo no anoitecer do dia seguinte, o amigo que, sem que soubéssemos, era astrônomo amador, encontra-se com seus amigos e comenta, extasiado: "Vocês não imaginam a beleza sem par que é o céu visto do Pão de Açúcar no Rio. Fiquei tão envolvido a contemplar tamanha riqueza de detalhes que nem conversei com o meu pobre amigo brasileiro que ali me tinha levado." E desata a descrever as constelações que viu, os brilhos fugidios dos balões sonda, os rastros das nebulosas...
Percebeu a analogia, amigo leitor?
Nós, por não entendermos nada de astronomia, não nos lembramos de nada, a não ser que o passeio foi aborrecido e sem graça. Ele, por conhecer o céu em todas as suas minúcias de observação, tem uma recordação detalhada e preciosa de uma noite, para ele, inesquecível.
Do mesmo modo se passa com os Espíritos que, no desdobramento mediúnico, visitam as dimensões espirituais. O grau de entendimento que um Espírito tem da relação espírito/matéria e do que o espera no outro plano determina o detalhe e a precisão da lembrança que esse Espírito terá do que lhe aconteceu.
É claro que existe outro fator, que é o grau de lucidez do Espírito quando chega às dimensões espirituais. Um Espírito perturbado, com idéias fixas na cabeça, estará exclusivamente focado nessas idéias e não prestará a menor atenção ao que se passa à sua volta. Nossa simples analogia também contempla essa hipótese. Se o amigo sueco tivesse subido ao Pão de Açúcar com a mente obcecada pelo trabalho, pelas tarefas que tinha pela frente no dia seguinte, pelos problemas que lhe cabia resolver, ele teria olhado para o céu e nada teria visto pois o foco de sua visão não estaria no céu. E, mesmo sendo astrônomo, mesmo conhecendo a geografia celeste, de nada lhe teria valido tal saber. Nesse caso, interpretando a analogia, está o espírita estudioso que se encontra em perturbação. Ele sabe o que o espera no outro plano, mas a sua mente não está dedicada à observação do meio onde se encontra, porém focada exclusivamente nos problemas que o afligem.
Concluindo, a percepção da realidade no plano espiritual é sempre tão detalhada e precisa quanto preciso e detalhado for nosso entendimento a seu respeito e quão equilibradas estiverem nossas emoções quando o visitarmos. Como não existem dois Espíritos encarnados com o mesmo grau de sabedoria e tampouco com o mesmo índice de equilíbrio espiritual, é forçoso que haja diferença entre os relatos de um e de outro sobre o plano espiritual, sendo que tal diferença, como vimos, não pode, absolutamente, servir de argumento para se afirmar serem falsos os ditos relatos.

(Artigo publicado originalmente em O Espírita Fluminense, Ano XLIX, no 297, 

Janeiro/Fevereiro 2005)

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