Estudo com base em O LIVRO DOS ESPÍRITOS
livro III, cap X, questões de 825 á 871
Obra codificada por Allan Kardec
Pesquisa: Elio Mollo
Não
há posições no mundo em que o homem pode se vangloriar de desfrutar de
liberdade absoluta, porque todos necessitam uns dos outros, tanto os
pequenos quanto os grandes.
O
homem poderia desfrutar de liberdade absoluta na condição de eremita no
deserto, contudo, desde que haja dois homens juntos, há direitos a
respeitar e nenhum deles tem mais liberdade absoluta.
A
obrigação de respeitar os direitos dos outros não tira de jeito nenhum
do homem o direito de ser senhor de si, porque esse é um direito que a
natureza lhe concede.
Certos
homens com opiniões liberais, muitas vezes, eles mesmos praticam no lar
ou com os seus subordinados a tirania, isto significa que eles têm da
lei natural só a compreensão, porém contrabalançada pelo orgulho e
egoísmo. Quando esses princípios não são uma comédia calculadamente
representada, o homem tem a perfeita noção de como deveria agir, mas não
o faz.
Em
relação à vida espiritual podemos considerar os que procederam assim
neste mundo que, quanto mais inteligência tenha um homem para
compreender um princípio, menos é desculpável por não aplicá-lo a si
mesmo. Podemos dizer, em verdade, que o homem simples, mas sincero, está
mais avançado no caminho de Deus do que aquele que quer parecer o que
não é.
ESCRAVIDÃO
O
homem por natureza, não esta destinados a ser propriedades de outros
homens. Toda sujeição absoluta de um homem a outro é contrária à lei de
Deus. A escravidão é um abuso da força e desaparecerá com o progresso,
como desaparecerão pouco a pouco todos os abusos.
A
lei humana que consagra a escravidão é contra a natureza, uma vez que
iguala o homem ao irracional e o degrada moral e fisicamente.
Mesmo
quando a escravidão faz parte dos costumes de um povo, os que dela se
aproveitam não estão corretos, por agirem seguindo um procedimento que
parece natural. O mal é sempre o mal e todos os sofismas não farão com
que uma má ação se torne boa. Mas a responsabilidade do mal é relativa
aos meios de que se dispõe para compreendê-la. Aquele que tira proveito
da lei da escravidão é sempre culpado da violação da lei natural; mas,
nisso, como em todas as coisas, a culpa é relativa. A escravidão, tendo
se firmado nos costumes de alguns povos, tornou possível ao homem
aproveitar-se dela de boa-fé, como de uma coisa que parecia natural; mas
a partir do momento que sua razão se mostrou mais desenvolvida e, acima
de tudo, esclarecida pelas luzes do Cristianismo, demonstrando que o
escravo é um ser igual diante de Deus, não há mais desculpa que
justifique a escravidão.
A
desigualdade natural das aptidões coloca algumas raças humanas sob a
dependência de outras mais inteligentes, mas para erguê-las e não para
embrutecê-las ainda mais pela escravidão. Os homens têm considerado
durante muito tempo algumas raças humanas como animais de braços e mãos e
se julgaram no direito de vendê-los como animais de carga. Eles
acreditam possuir um sangue mais puro, insensatos que vêem apenas a
matéria! Não é o sangue que é mais ou menos puro, mas o Espírito.
Podemos
dizer que o homem de bem é a encarnação de um Espírito bom e o homem
vicioso a é a encarnação de um Espírito imperfeito. (1)
Todos
os homens são iguais diante de Deus, todos tendem ao mesmo objetivo e
Deus fez suas leis para todos. Muitas vezes, dizemos que o Sol nasce para todos” e isso é uma grande verdade. (2)
Todos
os homens são submissos às mesmas leis da natureza; todos nascem com a
mesma fraqueza, sujeitos às mesmas dores, e o corpo do rico se destrói
como o do pobre. Portanto, Deus não deu a nenhum homem superioridade
natural nem pelo nascimento, nem pela morte: todos são iguais diante de
Deus. (3)
Há
homens que tratam seus escravos com humanidade, que não lhes deixam
faltar nada e pensam que a liberdade até os exporia a piores privações,
podemos dizer que esses cuidam melhor de seus interesses. Têm também
muito cuidado com seus bois e cavalos, para tirar mais proveito deles no
mercado. Não são tão culpados quanto os que os maltratam, mas dispõem
deles como de uma mercadoria ao impedir o direito de serem livres.
LIBERDADE DE PENSAR
É
pelo pensamento (4) que o homem desfruta de uma liberdade sem limites,
porque o pensamento desconhece obstáculos. Pode-se deter seu vôo, mas
não aniquilá-lo.
O
homem é responsável por seu pensamento diante de Deus; somente Deus,
podendo conhecê-lo, o condena ou o absolve segundo Sua justiça.
LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA (6)
A consciência é um pensamento íntimo que pertence ao homem, como todos os outros pensamentos.
O
homem não tem direito de colocar obstáculos à liberdade de consciência,
nem à liberdade de pensar. Porque só a Deus pertence o direito de
julgar a consciência. Se os homens regulam por suas leis as relações de
homem para homem, Deus, pelas leis da natureza, regula as relações do
homem com Deus.
O
resultado dos obstáculos postos à liberdade de consciência é
constranger os homens a agir de modo diferente do que pensam e torná-los
hipócritas. A liberdade de consciência é uma das características da
verdadeira civilização e do progresso.
Toda crença é respeitável quando é sincera e conduz à prática do bem. As crenças condenáveis são as que conduzem ao mal.
É
falta de caridade (7) e ofende a liberdade de pensamento escandalizar
na sua crença aquele que não pensa como nós. Podem-se reprimir os atos,
mas a crença íntima é inacessível.
Reprimir
os atos exteriores de uma crença quando ela ocasiona um prejuízo
qualquer aos outros não é atentar contra a liberdade de consciência,
porque a repressão não impede a pessoa de manter a crença.
Em
relação a propagação de certas doutrinas nocivas, pode-se, e até mesmo
se deve sem prejudicar essa liberdade, procurar trazer de volta ao
caminho da verdade aqueles que se perderam ao admitir falsos princípios.
Mas deve-se ensinar a exemplo de Jesus, pela doçura e persuasão, e não
pela força, o que seria pior que a crença daquele a quem se quer
convencer. Se há algo que seja permitido impor é o bem e a fraternidade.
Mas não acreditamos que o meio de levá-los a admitir seja agindo com
violência: a convicção não se impõe.
Todas
as doutrinas têm a pretensão de ser a única expressão da verdade,
contudo podemos reconhecer a que tem o direito de se posicionar como
tal; será aquela que faz mais homens de bem e menos hipócritas, ou seja,
pela prática da lei de amor e de caridade em sua maior pureza e sua
aplicação mais abrangente. A esse sinal reconheceremos que uma doutrina é
boa, já que toda doutrina que semear a desunião e estabelecer uma
demarcação entre os filhos de Deus só pode ser falsa e nociva.
LIVRE-ARBÍTRIO (8)
Uma vez que sem tem a liberdade de pensar, se tem a de agir. Sem o livre-arbítrio o homem seria como uma máquina.
Há
liberdade de agir desde que haja a liberdade de fazer. Nos primeiros
tempos da vida a liberdade é quase nula; A criança vai evoluindo e seus
objetivos mudam de acordo com o desenvolvimento das faculdades. A
criança, tendo pensamentos relacionados com as necessidades de sua
idade, aplica seu livre-arbítrio às escolhas que lhe são necessárias.
As
predisposições instintivas são do Espírito antes de sua encarnação (9);
conforme é mais ou menos adiantado, podem levá-lo a praticar atos
condenáveis, e ele será auxiliado nisso pelos Espíritos com essas mesmas
tendências, mas não há arrebatamento irresistível quando se tem a
vontade de resistir. Lembrai-vos de que querer é poder.
As qualidades morais, boas ou más de um Espirito encarnado provêm de que; quanto mais o Espírito for puro, mais o homem é levado ao bem.
O
Espírito está certamente influenciado pela matéria, ou seja, pelo seu
organismo que o pode entravar em suas manifestações; eis por que, nos
mundos onde os corpos são menos materiais, as faculdades se desenvolvem
com mais liberdade. Porém, não é o instrumento que dá as faculdades.
Além disso, é preciso separar aqui as faculdades morais das
intelectuais; se um homem tem o instinto assassino, é seguramente seu
próprio Espírito que o possui e o transmite, e não seus órgãos (10).
Aquele que canaliza o pensamento para a vida da matéria torna-se
semelhante ao irracional e, pior ainda, porque não pensa mais em se
prevenir contra o mal, e é nisso que é culpado, uma vez que age assim
por sua vontade.
Aquele
cuja inteligência é perturbada por uma causa qualquer não é mais senhor
de seu pensamento e assim não tem mais liberdade. Essa anormalidade é,
muitas vezes, uma punição para o Espírito que, numa outra encarnação,
pode ter sido fútil e orgulhoso e ter feito mau uso de suas faculdades.
Ele pode renascer no corpo de um deficiente mental, como o escravizador
no corpo de um escravo e o mau rico no de um mendigo. Porém, o Espírito
sofreu esse constrangimento com perfeita consciência. Está aí a ação da
matéria. (11)
Os
desatinos das faculdades intelectuais causadas pela embriaguez não é
desculpa para atos condenáveis, porque o bêbado voluntariamente se
privou de sua razão para satisfazer paixões brutais; em vez de uma
falta, comete duas.
No
homem primitivo, a faculdade dominante é o instinto, o que não o impede
de agir com total liberdade em certas circunstâncias; como a criança,
ele aplica essa liberdade às suas necessidades e ela se desenvolve com a
inteligência. Porém, como vós, sois mais esclarecidos do que um
selvagem e também mais responsáveis pelo que fazeis.
A
posição social é, algumas vezes, um obstáculo à total liberdade dos
atos. O mundo tem, sem dúvida, suas exigências. Deus é justo e tudo leva
em conta, mas nos deixa a responsabilidade do pouco esforço que fazemos
para superar os obstáculos.
FATALIDADE (12)
A
fatalidade existe apenas na escolha que o Espírito fez ao encarnar e
suportar esta ou aquela prova. E da escolha resulta uma espécie de
destino, que é a própria conseqüência da posição que ele próprio
escolheu e em que se acha. Falo das provas de natureza física, porque,
quanto às de natureza moral e às tentações, o Espírito, ao conservar seu
livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor para ceder ou
resistir. Um bom Espírito, ao vê-lo fraquejar, pode vir em sua ajuda,
mas não pode influir de modo a dominar sua vontade. Um Espírito mau, ao
lhe mostrar de forma exagerada um perigo físico, pode abalá-lo e
assustá-lo. Porém, a vontade do Espírito encarnado está constantemente
livre para decidir.
Há
pessoas que parecem ser perseguidas por uma fatalidade,
independentemente de seu modo de agir; são, talvez, provas que devem
suportar e que escolheram. Mas definitivamente não devemos acusar o
destino pelo que, freqüentemente, é apenas a conseqüência de nossas
próprias faltas. Nos males que nos afligem, esforcemo-nos para que nossa
consciência esteja pura, e já nos sentiremos bastante consolados.
As
ideias justas ou falsas que fazemos das coisas nos fazem vencer ou
fracassar de acordo com nosso caráter e posição social. Achamos mais
simples e menos humilhante para o nosso amor-próprio atribuir nossos
fracassos à sorte ou ao destino, e não à nossa própria falta. Se a
influência dos Espíritos contribui para isso algumas vezes, podemos
sempre nos defender dessa influência afastando as idéias que nos
sugerem, quando são más.
Algumas
pessoas mal escapam de um perigo mortal para logo cair em outro; parece
que não teriam como escapar à morte, contudo e bom sempre lembrar
disto: A fatalidade só existe, no verdadeiro sentido da palavra, apenas no instante da morte.
Quando esse momento chega seja por um meio ou por outro, não o podemos
evitar. Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace, não morreremos
se a hora não é chegada, e sobre isso há milhares de exemplos; mas
quando a hora chegar, nada poderá impedir. Deus sabe por antecipação
qual o gênero de morte que teremos na Terra e, muitas vezes, nosso
Espírito também sabe, porque isso foi revelado quando fez a escolha
desta ou daquela existência.
Por
causa da inevitável hora da morte, as precauções que se tomam para
evitá-la não são inúteis. As precauções que tomamos nos são sugeridas
para evitar a morte que nos ameaça, são meios para que ela não ocorra.
Quando
nossa vida é colocada em perigo, é uma advertência que nós mesmo
desejamos, a fim de nos desviarmos do mal e nos tornarmos melhor. Quando
escapamos desse perigo, ainda sob a influência do risco que passamos,
refletimos seriamente, conforme a ação mais ou menos forte dos bons
Espíritos sobre nós para nos melhorarmos. O mau Espírito, voltando a
tentação (digo mau subentendendo o mal que ainda existe nele), pensa que
escapará do mesmo modo a outros perigos e novamente deixa se dominar
pelas paixões. Pelos perigos que corremos, Deus nos lembra de nossa
fraqueza e a fragilidade de nossa existência. Se examinarmos a causa e a
natureza do perigo, veremos que, muitas vezes, as conseqüências são a
punição de uma falta cometida ou de um dever não cumprido. Deus nos
adverte assim para nos recolhermos em nós mesmos e nos corrigirmos. (13)
O
Espírito sabe que o gênero de vida escolhido o expõe a desencarnar mais
de uma maneira do que de outra. Sabe igualmente quais as lutas que terá
de enfrentar para evitá-la e, se Deus o permitir, não fracassará.
Há
homens que enfrentam os perigos dos combates com a convicção de que sua
hora não chegou. Freqüentemente, o homem tem o pressentimento de seu
fim, como pode ter o de que não morrerá ainda. Esse pressentimento vem
por meio dos seus protetores, que querem adverti-lo para estar pronto
para partir, ou estimulam sua coragem nos momentos em que é mais
necessária. Pode vir ainda pela intuição que tem da existência
escolhida, ou da missão que aceitou e sabe que deve cumprir. (14)
É
o homem que teme a morte e não o Espírito; aquele que a pressente pensa
mais como Espírito do que como homem: ele a compreende como sua
libertação e a espera. Por isto tem menos medo da morte que outros.
Freqüentemente
os acidentes que nos atingem no decorrer da vida são pequenas coisas
para as quais Deus nos previne e, algumas vezes, faz com que as
evitemos, dirigindo nosso pensamento, porque não gosta de nos ver
sofrer; mas isso é de pouca importância para a vida que escolhemos. A
fatalidade, verdadeiramente, consiste apenas na hora em que devemos
nascer e morrer.
Há
fatos que, forçosamente, devam acontecer e que a vontade dos Espíritos
não podem afastar, mas nós, antes de encarnar, vimos e pressentimos
quando fizemos nossa escolha. Entretanto, não devemos acreditar que tudo
o que acontece está escrito, como se diz. Um acontecimento é, muitas
vezes, a conseqüência de um ato que praticamos por livre vontade, caso
contrário o acontecimento não teria ocorrido. Se queimamos o dedo, é
conseqüência de nossa imprudência e ação sobre a matéria. Apenas as
grandes dores, os acontecimentos importantes que podem influir na
evolução moral, são previstos por Deus, já que são úteis para a nossa
depuração e instrução.
O
homem, por sua vontade e ações, pode fazer com que os acontecimentos
que deveriam ocorrer não ocorram, e vice-versa, desde que esse desvio
aparente caiba na ordem geral da vida que escolheu. Depois, para fazer o
bem, como é seu dever e único objetivo da vida, ele pode impedir o mal,
especialmente aquele que poderia contribuir para um mal maior.
O
homem que comete um homicídio não sabe, ao escolher sua existência, que
se tornará um assassino. Sabe que, escolhendo uma determinada espécie
de vida, poderá ter a possibilidade de matar um de seus semelhantes, mas
não sabe se o fará porque há nele, quase sempre, uma decisão antes de
cometer qualquer ação; portanto, aquele que delibera sobre uma coisa é
sempre livre para fazê-la ou não. Se o Espírito soubesse antecipadamente
que, como homem, deveria cometer um assassinato, é porque isso estava
predestinado. Sabei que ninguém foi predestinado ao crime e todo crime,
como todo e qualquer ato, é sempre o resultado da vontade e do
livre-arbítrio. Além disso, confundimos sempre duas coisas bem
distintas: os acontecimentos materiais da vida e os atos da vida moral.
Se algumas vezes existe fatalidade, é nos acontecimentos materiais cuja
causa está fora de nós e são independentes de nossa vontade. Quanto aos
atos da vida moral, esses emanam sempre do próprio homem, que sempre
tem, conseqüentemente, a liberdade de escolha. Para esses atos, nunca
existe fatalidade.
Existem
pessoas para as quais nada sai bem e que um mau gênio parece perseguir
em todas as suas ações. É uma fatalidade, se quisermos chamar assim, mas
é decorrente da escolha que essa pessoa fez para a presente existência,
porque há pessoas que quiseram ser provadas por uma vida de decepção,
para exercitar sua paciência e sua resignação. Não acrediteis,
entretanto, que essa fatalidade seja absoluta; muitas vezes é o
resultado do falso caminho que tomaram e que nada têm a ver com sua
inteligência e suas aptidões. Aquele que deseja atravessar um rio a nado
sem saber nadar tem grande probabilidade de se afogar; assim é com a
maioria dos acontecimentos da vida. Se o homem somente empreendesse
coisas compatíveis e de acordo com suas capacidades, quase sempre teria
êxito. O que faz com que se perca é seu amor-próprio e sua ambição, que o
fazem sair de seu caminho e o induzem a considerar como vocação o
desejo de satisfazer certas paixões. Ele fracassa e é por sua culpa;
mas, em vez de admiti-la espontaneamente, prefere acusar sua estrela.
Seria melhor ter sido um bom trabalhador e ganho honestamente a vida do
que ser um mau poeta e morrer de fome. Haveria lugar para todos, se cada
um soubesse se colocar em seu lugar.
São
os homens que fazem os costumes sociais e não Deus. Se a eles se
submetem, é porque lhes convêm, e isso é ainda um ato de seu
livre-arbítrio, uma vez que, se quisessem, poderiam libertar-se deles;
então, por que se lamentar? Não são os costumes sociais que devem
acusar, mas seu tolo amor-próprio, que os leva a preferir morrer de fome
a abandoná-lo. Ninguém levará em conta esse sacrifício feito à opinião
pública, enquanto Deus levará em conta o sacrifício que fizerem à sua
vaidade. Isso não quer dizer que seja preciso afrontar essa opinião sem
necessidade, como fazem algumas pessoas que têm mais originalidade do
que verdadeira filosofia. Há tanto desatino em alguém se fazer objeto de
crítica ou parecer um animal selvagem quanto existe sabedoria em descer
voluntariamente e sem reclamar, quando não se pode permanecer no topo
da escala.
Existem
pessoas para as quais a sorte é contrária, outras parecem favorecidas,
pois tudo lhes sai bem. Freqüentemente, as que parecem favorecidas, é
porque elas sabem orientar-se melhor; mas isso pode ser também um gênero
de prova. O sucesso as embriaga; elas confiam em seu destino e
freqüentemente acabam pagando mais tarde esses mesmos sucessos com
cruéis revezes, que poderiam ter evitado com a prudência.
Como
explicar a sorte que favorece certas pessoas nas circunstâncias em que
nem a vontade nem a inteligência interferem? O jogo, por exemplo? É que
alguns Espíritos escolheram antecipadamente certas espécies de prazer; a
sorte que os favorece é uma tentação. Quem ganha como homem perde como
Espírito; é uma prova para seu orgulho e sua cobiça.
A
fatalidade que parece marcar os destinos materiais de nossa vida é que
nós mesmos escolhemos nossa prova; quanto mais for rude e melhor a
suportarmos, mais nos elevaremos. Aqueles que passam a vida na
abundância e na felicidade humana são Espíritos fracos, que permanecem
estacionários. Assim, o número de desafortunados ultrapassa em muito o
dos felizes neste mundo, já que os Espíritos procuram, na maior parte, a
prova que será mais proveitosa. Eles vêm muito bem a futilidade de
nossas grandezas e prazeres. Aliás, a vida mais feliz é sempre agitada,
sempre inquieta, apesar da ausência da dor. (15)
A
expressão nascer sob uma boa estrela é uma velha superstição que ligava
as estrelas ao destino de cada homem. É uma simbologia que algumas
pessoas fazem a tolice de levar a sério.
CONHECIMENTO DO FUTURO (16)
Em princípio, o futuro é desconhecido e apenas em casos raros ou excepcionais Deus permite que seja revelado.
Se
o homem conhecesse o futuro, negligenciaria o presente e não agiria com
a mesma liberdade, porque seria dominado pelo pensamento de que, se uma
coisa deve acontecer, não tem por que se preocupar, ou procuraria
dificultar o acontecimento. Deus quis que assim fosse, para que cada um
cooperasse no cumprimento das coisas, até mesmo daquelas a que gostaria
de se opor. Assim, preparamos, nós mesmos, frequentemente sem desconfiar
disso, os acontecimentos que sucederão no curso de nossa vida.
Deus
permite algumas vezes a revelação do futuro quando esse conhecimento
prévio deva facilitar o cumprimento de algo em vez de dificultá-lo,
ficando obrigado o homem a agir de modo diferente do que faria sem esse
conhecimento. Além disso, é, frequentemente, uma prova. A perspectiva de
um acontecimento pode despertar pensamentos bons ou maus. Se um homem
souber, por exemplo, que receberá uma herança com que não contava, pode
ser que essa revelação desperte nele a cobiça, pela expectativa de
aumentar seus prazeres terrestres, pelo desejo de se apossar de imediato
da herança, desejando, talvez, a morte daquele que lhe deve deixar a
fortuna. Ou, então, essa perspectiva pode despertar-lhe bons sentimentos
e pensamentos generosos. Se a predição não se cumpre, sofrerá uma outra
prova: a decepção. Mas ele não terá, por isso, mérito ou demérito pelos
pensamentos bons ou maus que a expectativa do acontecimento ocasionou.
Uma
vez que Deus sabe tudo, sabe, igualmente, se um homem deve fracassar ou
não numa prova? Nesse caso, qual é a necessidade dessa prova, que nada
acrescentará ao que Deus já sabe a respeito desse homem? É o mesmo que
perguntar por que Deus não criou o homem perfeito e realizado; (17) por
que o homem passa pela infância antes de atingir a idade adulta. (18) A
prova não tem a finalidade de esclarecer a Deus sobre o mérito dessa
pessoa, visto que sabe perfeitamente para que a prova lhe serve, mas,
sim, para a deixar com toda a responsabilidade de sua ação, uma vez que é
livre para fazer ou não. Tendo o homem a escolha entre o bem e o mal, a
prova tem a finalidade de colocá-lo em luta com a tentação do mal e lhe
deixar todo o mérito da resistência. Embora saiba muito bem,
antecipadamente, se triunfará ou não, Deus não pode, em Sua justiça,
puni-lo nem recompensá-lo por um ato que ainda não foi praticado. (19)
É
assim entre os homens. Por mais capaz que seja um aspirante, por mais
certeza que se tenha do seu triunfo, não se lhe concede nenhum grau sem o
exame, o que quer dizer sem prova. Da mesma maneira, um juiz não
condena um acusado senão pela prova de um ato consumado e não pela
previsão de que ele pode ou deve praticar esse ato.
Quanto
mais se reflete sobre as consequências que teria para o homem o
conhecimento do futuro, mais se vê como a Providência foi sábia ao
ocultá-lo. A certeza de um acontecimento feliz o atiraria na inação; a
de um acontecimento desgraçado, no desânimo; e num caso como no outro
suas forças seriam paralisadas. Eis por que o futuro não é mostrado ao
homem senão como um alvo que ele deve atingir pelos seus esforços, mas
sem conhecer as vicissitudes por que deve passar para atingi-lo. O
conhecimento de todos os incidentes da rota lhe tiraria a iniciativa e o
uso do livre arbítrio; ele se deixaria arrastar pelo declive fatal dos
acontecimentos sem exercitar as suas faculdades. Quando o sucesso de uma
coisa está assegurado, ninguém mais se preocupa com ela.
NOTAS:
(1) Ver estudo sobre Faculdades Morais e Intelectuais:
(2) Ver Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questão 803.
(3) Ver Allan Kardec in nota para a questão 803 de O Livro dos Espíritos.
(4) “Os Espíritos superiores não se preocupam absolutamente com a forma. Para eles, a essência do pensamento é tudo.” (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, Item XIII). Quando o pensamento está em algum lugar, a alma está também, uma vez que é a alma que pensa. O pensamento é um atributo da alma. (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questão 89a.) O
fluido universal é o veículo do pensamento como o ar é do som, com a
diferença de que o som não pode se fazer ouvir senão em um raio muito
limitado, ao passo que o pensamento atinge o infinito. (Allan Kardec, O Livro dos Médiuns, item 282, questão 5.)
(5) Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questão 361.
(6) Restringir
o campo de exploração do pensamento é restringir a sua liberdade...
(...) O livre pensamento, na sua acepção mais ampla, significa: livre
exame, liberdade de consciência... (...) ...o livre pensador é que ele
pensa por si mesmo e não pelos outros, em outras palavras, que sua
opinião lhe pertence particularmente. (Allan Kardec, Revista Espírita, Fevereiro de 1867, O Livre Pensamento e a Livre Consciência.
(7)
O verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entende Jesus é a
benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições
alheias, perdão das ofensas. O amor e a caridade são o complemento da
lei de justiça, porque amar ao próximo é fazer-lhe todo o bem possível,
que desejaríamos que nos fosse feito. Tal é o sentido das palavras de
Jesus: "Amai-vos uns aos outros, como irmãos". O homem de bem, que
compreende a caridade segundo Jesus, vai ao encontro do desgraçado sem
esperar que ele lhe estenda a mão, cooperando sempre com a Lei
Universal, pois entende que qualquer que seja o seu grau de
adiantamento, sua situação como reencarnado ou na erraticidade, está
sempre colocado entre um superior que o guia e aperfeiçoa e um inferior
perante o qual tem deveres iguais a cumprir. (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questões de 886 a 889.)
(8) Livre arbítrio
– liberdade moral do homem; faculdade que ele tem de se guiar pela sua
vontade na realização de seus atos. Os Espíritos nos ensinam que a
alteração das faculdades mentais, por uma causa acidental ou natural, é o
único caso em que o homem fica privado de seu livre arbítrio. Fora
disto é sempre senhor de fazer ou de não fazer. Ele goza desta liberdade
no estado de Espírito, e é em virtude desta faculdade que escolhe
livremente a existência e as provas que julga próprias para seu
progresso; ele a conserva no estado corporal, a fim de poder lutar
contra essas mesmas provas. Os Espíritos que ensinam esta doutrina não
podem ser maus Espíritos. (Allan Kardec in Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas, Vocabulário.)
(9) Tendências inatas
– tendências, ideias ou conhecimentos não adquiridos que, parece,
trazemos ao nascer. Há muito tempo discutem-se as tendências inatas,
cuja realidade é combatida por certos filósofos que pretendem sejam
todas adquiridas. Se assim fosse, como explicar certas disposições
naturais que se revelam muitas vezes desde a mais tenra idade e
independentemente de qualquer educação? Os fenômenos espíritas lançam
uma grande luz sobre esta questão. A experiência não deixa dúvida
alguma, hoje em dia, sobre estas espécies de tendências que encontram
sua explicação na sucessão das existências. Os conhecimentos adquiridos
pelo Espírito nas existências anteriores se refletem nas existências
posteriores através do que denominamos tendências inatas. (Allan Kardec
in Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas, Vocabulário.)
(10)
O exercício das faculdades depende dos órgãos que servem de instrumento
ao Espírito encarnado; elas são enfraquecidas pela grosseria da
matéria. O envoltório material é um obstáculo à livre manifestação das
faculdades do Espírito, assim como um vidro opaco se opõe à livre
emissão da luz. Pode-se ainda comparar a ação da matéria grosseira do
corpo sobre o Espírito à da água lamacenta, que tira a liberdade dos
movimentos aos corpos nela mergulhados. Os órgãos são os instrumentos de
manifestação das faculdades da alma. Essas manifestações se encontram
subordinadas ao desenvolvimento e ao grau de perfeição desses mesmos
órgãos, como a boa qualidade de um trabalho, à boa qualidade da
ferramenta. O Espírito tem sempre as faculdades que lhe são próprias;
não são os órgão que dão as faculdades, mas as faculdades que conduzem
ao desenvolvimento dos órgãos. As qualidades do Espírito, que pode ser
mais ou menos avançado, são o princípio, mas é preciso ter em conta a
influência da matéria que entrava, mais ou menos, o exercício dessas
faculdades.
O
Espírito, ao encarnar, traz certas predisposições, admitindo-se para
cada uma um órgão correspondente no cérebro; o desenvolvimento desses
órgãos será um efeito e não uma causa. Se as faculdades tivessem seu
princípio nos órgãos, o homem seria uma máquina sem livre-arbítrio e sem
responsabilidade por seus atos. Seria preciso admitir que os maiores
gênios, os sábios, poetas, artistas, são gênios apenas porque o acaso
lhes deu órgãos especiais, e que sem esses órgãos não seriam gênios.
Assim, o maior imbecil poderia ser um Newton, um Virgílio1 ou um Rafael
2, se tivesse possuído certos órgãos. Essa suposição é mais absurda
ainda quando aplicada às qualidades morais. Assim, conforme esse
sistema, um São Vicente de Paulo, dotado por natureza desse ou daquele
órgão, poderia ter sido um criminoso, e faltaria ao maior criminoso
apenas um órgão para ser um São Vicente de Paulo. Admiti, ao contrário,
que os órgãos especiais, se é que existem, são uma consequência, que se
desenvolvem pelo exercício da faculdade, assim como os músculos, pelo
movimento, e não tereis nada de irracional. Façamos uma comparação
simples, mas verdadeira: por meio de certos sinais fisionômicos,
reconheceis o homem dado à bebida; são esses sinais que o tornam ébrio,
ou é a embriaguez que faz surgirem esses sinais? Pode-se dizer que os
órgãos recebem a marca das faculdades. (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questões de 367 à 370.)
(11) Ver estudo sobre Idiotismo e Loucura:
(12) Ver Revista Espírita, julho de 1868, o artigo A Ciência da Concordância dos Números e a Fatalidade:
(13) Ver Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questão 526 e 532:
(14) Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questão 411 e 522:
(15) Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questão 525 e seguintes:.
(16)
O pressentimento é uma vaga intuição de acontecimentos futuros. Certas
pessoas têm essa faculdade mais ou menos desenvolvida. Pode-se tratar de
uma espécie de dupla vista que lhes permite ver as consequências do
presente e o encadeamento natural dos acontecimentos. Mas muitas vezes
também é o resultado das comunicações ocultas, e é sobretudo nesse caso
que se podem chamar de médiuns de pressentimentos as pessoas assim
dotadas, que constituem uma variedade dos médiuns inspirados. (Allan
Kardec, O Livro dos Médiuns, item 184.)
São
chamados médiuns de pressentimentos aqueles que em certas
circunstâncias, têm uma vaga intuição de ocorrências vulgares do futuro.
(Allan Kardec, O Livro dos Médiuns, item 189.)
(17) Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questão 119:
(18) Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questão 379:
(19) Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questão 258:
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