por Richard Simonetti
Era indolente por vocação.
Infenso a qualquer iniciativa, vivia miseravelmente.
Ainda que não faltassem oportunidades de melhorar sua condição, logo tratava de afastar-se da “tentação”.
Para dar-lhe uma lição, no empenho por “acordá-lo”, algumas pessoas decidiram simular seu enterro, comunicando-lhe:
– Já que você não se dispõe a mexer-se, melhor que vá para debaixo da terra.
E o enfiaram num caixão e seguiram para o cemitério, sem que nosso herói reagisse, guardando a habitual indiferença.
Durante o cortejo, um transeunte perguntou quem era o “defunto”.
– É um preguiçoso que não serve para viver. Não tem onde morar, nem o que comer...
Compadecendo-se, o desconhecido ofereceu:
– Se o problema é de comida, posso ajudar. Darei um saco de arroz para sustentá-lo.
O “falecido”, que tudo ouvia, levantou a tampa do caixão:
– Em casca ou limpo?
– Em casca.
– Então, pode seguir com o enterro.
– Em casca.
– Então, pode seguir com o enterro.
***
Pois é, amigo leitor, a indolência é, realmente, a “morte em vida”. O
indivíduo perde a iniciativa e passa a vegetar, alheio à dinâmica da
existência, sinônimo de movimento.
Raros os que não se envolvem com a ociosidade em alguma fase da vida,
exprimindo tendências bem típicas do estágio evolutivo em que se situa a
humanidade.
A própria encarnação, o vestir do escafandro de carne para o mergulho
na matéria densa, é um dos recursos usados por Deus para despertar o
“defunto”.
Submetidos a um corpo que deve ser sustentado e protegido, sob a
égide do instinto de conservação, vemo-nos na contingência de “dar
duro”, para atender às suas necessidades.
Se permanecêssemos indefinidamente no mundo espiritual, onde ninguém
morre de fome ou frio e se sobrevive sem abrigo, tenderíamos a
estacionar.
Essa necessidade está bem definida na simbologia bíblica, quando
Jeová diz a Adão que deveria ganhar o pão de cada dia com o suor do
rosto.
Abençoado suor, que nos liberta da inércia.
***
Uma fase crítica, nesse particular, diz respeito à chamada terceira idade, depois dos cinqüenta, no outono da existência.
Não raro, situação financeira estável, garantido o sustento diário
pelos proventos de aposentadoria, as pessoas entendem que podem
desfrutar as benesses da ociosidade.
Lembrando a história que abriu estes comentários, podemos afirmar que
num estágio dessa natureza, quando perdemos a disposição de aprender,
de produzir para a sociedade, de crescer em conhecimento, de lutar
contra as imperfeições, só servimos mesmo para… morrer.
Imagino que Deus nos dá tempo limitado na Terra, justamente porque há
uma tendência para nos acomodarmos, caindo num marca-passo espiritual.
Aprendemos com a Doutrina Espírita que não há retrocesso. Ninguém
retrograda nos caminhos da evolução, mas raros fogem ao estacionamento, a
partir de determinada idade, acomodando-se às próprias mazelas.
Então, vem a morte, um choque evolutivo de alta voltagem, a agitar nossa alma.
Somos projetados no mundo espiritual, onde se faz a aferição da
jornada humana, com a avaliação de méritos e deméritos, a determinarem
em que região estagiaremos e a natureza das novas experiências, sempre
objetivando nosso crescimento.
Com o tempo, tendemos a nos acomodar.
Vem o choque reencarnatório.
Mais alguns decênios, novo acomodamento.
Vem o choque desencarnatório.
Assim, de choque em choque, habilitamo-nos a superar a tendência ao
dolce far niente, para assumirmos as responsabilidades de filhos de
Deus, chamados a colaborar com o Nosso Pai na obra da Criação.
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