Um dos requisitos exigidos por Jesus, como condição indispensável
àqueles que pretendessem seguir-lhe as pegadas, é a coragem moral.
Eu vos envio, disse ele aos discípulos, como ovelhas no meio de
lobos. Esta frase é bastante eloqüente e, por si só, define muito bem a
posição dos cristãos na sociedade do século. “Sereis entregues aos
tribunais por minha causa. Suportareis perseguições, açoites e prisão.
Haverá delações entre os próprios irmãos. Atraireis o ódio de todos. A
vossa vida correrá iminente risco a cada instante.
“Todavia, não temais, pois até os cabelos de vossas cabeças estão
contados. Nenhum receio deveis ter dos homens, cujo poder não vai além
do vosso corpo. Se chamaram Belzebu ao dono da casa, quanto mais aos
seus domésticos. Portanto, nada de temores: o que vos digo à puridade
proclamai-o dos eirados. Nada há encoberto que não seja descoberto; nada
há oculto que se não venha a saber. Por isso, aquele que me confessar
diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai celestial; e o que
me negar diante dos homens, eu o negarei perante meu Pai que está nos
céus.”
Tais expressões são de clareza meridiana. Para ser cristão, é preciso
coragem, ânimo forte, atitude varonil. “Seja o teu falar: sim, sim;
não, não”. Não há lugar para composturas dúbias, indecisas, oscilantes. O
crente em Cristo deve possuir convicção inabalável, têmpera rija,
caráter positivo e franco.
Entre as virtudes, não há incompatibilidades. >. mansuetude, a
cordura e a humildade são predicados que podem (e devem) coexistir com a
energia, com a intrepidez, com a varonilidade. Deus é infinitamente
misericordioso e, ao mesmo tempo, é infinitamente justo.
O caráter do cristão há de ser forjado de aço de Toledo e de ouro do
Transvaal. Assim disse Amado Nervo: “Ouro sobre aço sejam a tua vontade e
a tua conduta. Sobre o aço do teu pensamento há de luzir o arabesco de
ouro das formas puras e gentis. Ouro e aço será tua vida, serão teus
propósitos, serão teus atos.”
Abulia indiferença e marasmo não são expressões de bondade. “Não és
frio, nem quente; por isso, quero vomitar-te de minha boca.” Passividade
não é virtude. Entre o bem e o mal, a verdade e a impostura, a justiça e
a iniqüidade não .há lugar para acomodações, nem para neutralidade. O
cristão se define sempre em tais conjunturas, confessando o seu Mestre.
“Ninguém pode servir a dois senhores.” Que relação pode haver entre
Jesus e Baal? Dobrar os joelhos diante de todos os tronos, só porque são
tronos; curvar-se perante todos os Césares, só porque são Césares;
afazer-se às tiranias e às opressões, anuir direta ou indiretamente às
tranquibérnias e vilezas da época; pactuar, enfim, com a injustiça de
qualquer maneira e por quaisquer motivos, é negar a Jesus-Cristo no
cenáculo social. “Não sejais escravos dos homens, nem das paixões; não
sejais, igualmente, nem parasitas, nem bajuladores, nem mendigos” —
disse o grande educador Hilário Ribeiro em um dos seus excelentes livros
didáticos. Não se triunfa na vida, sem ânimo viril. E’ a covardia moral
que faz o homem escravizar-se a outros homens; que o faz escravo de
vícios repugnantes e de paixões vis e soezes. E’ ainda por
pusilanimidade e covardia que o homem bajula, mendiga e se torna
parasita.
Sem boa dose de coragem (quase ia dizendo de audácia), o homem não
cumpre o dever e menos ainda consegue sair-se airosamente das
emergências difíceis da vida. O suicídio, seja por este ou por aquele
motivo, é sempre um ato de covardia moral. A sentinela valorosa jamais
abandona o posto que lhe foi confiado.
Os altos problemas da Vida, consubstanciados na sentença evangélica —
Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito — requerem ânimo
forte e vontade irredutível para serem solucionados. Não é fugindo aos
perigos e às dificuldades que o homem há de vencê-las; é enfrentando-as.
A coragem moral é a primeira virtude do homem de fé. Cumpre, porém,
não confundir a verdadeira coragem com as caricaturas de coragem, que se
ostentam por toda a parte. Estas são burlescas e vulgares, aquela é
rara e cheia de nobreza. A coragem não consiste em atitudes violentas e
belicosas. Nada tem de comum com a temeridade. E’ serena e íntima. Não
se ostenta em bracejos, ou gesticulações espetaculosas, nem em vozeios e
frases ameaçadoras e ofensivas. Revela-se antes em suportar, do’ que em
repelir a ofensa recebida. Energia não significa agressividade. Ser
franco não é ser ferino, nem, sequer, contundente.
Quanto maior é a coragem, tanto mais calmo age o indivíduo. A
consciência do valor próprio, aliada à fé no Supremo Poder, fêz o homem
tolerante e sofrido, paciente e tranqüilo. Tal foi a atitude invariável
de Jesus diante das conjunturas mais embaraçosas de sua vida terrena.
Suportou todas as injúrias, todas as humilhações e iniqüidades que lhe
foram infligidas, conservando imaculada e intangível a pureza do alto
ideal por que se bateu até ao extremo sacrifício.
Tal é a coragem de que precisam revestir-se os seus discípulos de hoje, como souberam fazer os discípulos do passado.
Saulo, antes de ser Paulo, não denotou coragem nenhuma perseguindo,
aprisionando e consentindo no assassínio dos primeiros adeptos do
Cristianismo nascente. Saulo tinha às suas ordens gendarmes municiados;
as altas autoridades civis e eclesiásticas lhe conferiam poderes
discricionários. Os perseguidos eram párias sociais, sem proteção,
pobres e desarmados. A atitude de Saulo era daquelas que confirmam o
velho brocardo: Quer conhecer o vilão? Ponha-lhe nas mãos o bastão.
Após o célebre dia de Damasco, em que Saulo se transformou em Paulo, a
vilania daquele se converteu na coragem moral deste. De algoz, passou a
ser vítima. A seu turno perseguido, tendo agora contra si as armas e o
rancor das autoridades detentoras do poder; correndo os maiores riscos,
suportando prisões e açoites, afrontando a morte a cada momento, Paulo
caminha intrépido e destemido, na defesa da causa santa da justiça e da
liberdade personificadas no credo de Jesus.
O extraordinário Apóstolo das gentes nos oferece, em si mesmo,
exemplos da falsa e da legítima coragem, antes e depois da conversão.
Convertamo-nos, pois, nós os espíritas, os néo-cristãos, como se
converteu Paulo. Provemos em nós mesmos, com a transformação radical de
nosso caráter, a eficiência e o poder de Jesus-Cristo, como redentor da
Humanidade, como libertador do homem, mediante o exemplo de coragem
moral que nos legou como herança preciosíssima.
LIVRO: EM TORNO DO MESTRE
AUTOR: PEDRO DE CAMARGO (PSEUDÔNIMO DE VINICIUS)
EDITORA: FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA
LOCAL DE EDICAÇÃO: BRASÍLIA – DF – BRASIL / 1939
PÁGINAS: 59 ATÉ 62
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