O
fato de Kardec considerar que a Mediunidade não depende da Moral, pois
se relaciona com o corpo, serviu de motivo para explorações dos inimigos
gratuitos do Espiritismo, que passaram a proclamar a falta de moral no
Espiritismo. A afirmação kardeciana se confirma nas pesquisas atuais da
Parapsicologia, como já se
confirmara nas pesquisas da Metapsíquica. Nas experiências espíritas
posteriores a Kardec também se confirmou essa distinção. E isso porque,
como se vê rio Livro dos Médiuns, a mediunidade não é uma graça ou dom
especial concedido a criaturas privilegiadas, mas uma faculdade humana
como as demais. A moral do médium determina o seu comportamento como
criatura humana e regula as suas relações com os espíritos. A questão
moral não surge da faculdade mediúnica, mas da sua consciência. Não se
pode dizer que um médium entregue as práticas maldosas ou a objetivos
condenáveis, contrários ao senso moral, não seja médium Assim como há
criaturas boas e más na Terra, há espíritos maus e bons que com elas se
afinam e se servem da sua mediunidade para fins maus ou bons. Se o
médium sem moral se corrigir e passar a portar-se pelos princípios
morais, passará a servir aos espíritos bons através da sua mesma
mediunidade. Assim acontece com todas as faculdades humanas. O homem
pode aplicar a sua inteligência para o mal ou para o bem, mas a sua
inteligência é sempre a mesma, quer atue num ou noutro campo. A maldade
da linguagem não depende da língua, mas da mente que a usa. O mesmo
acontece com todas as faculdades humanas.
O
que gerou esse mau entendimento do ensino de Kardec foi a crença
ingênua de que Deus só concede benefícios a criaturas santificadas,
quando os fatos nos mostram o contrário: as criaturas más, perversas e
viciadas são as que mais recebem os benefícios de Deus, que deseja
desviá-las de seus erros pela transformação da consciência e não pela
força, pois através desta a transformação seria forçada e não natural,
espontânea e verdadeira. Deus nos corrige através de suas leis, tanto as
leis naturais quanto as leis morais, que devemos conhecer os seus
efeitos na própria experiência com elas. Na sua misericórdia, concede
boas faculdades aos maus para que eles aprendam a ser bons. Se através
das boas faculdades praticarem o mal, receberão a paga fatal de seus
atos nas conseqüências da maldade praticada.
Quanto
à ligação da mediunidade com o corpo, que muitos espíritas não
entenderam, confundindo-a com uma suposta origem orgânica da
mediunidade, trata-se de coisa muito diferente disso. A mediunidade está
ligada ao corpo pelo espírito que a ele se liga, mas não pertence ao
corpo e sim ao perispírito, que enquanto estivermos encarnados faz parte
do corpo e permite a ligação do espírito comunicante com o perispírito
do médium. É o grau maior ou menor da possibilidade de expansão das
energias perispirituais no corpo do médium que deter-mina a maior ou
menor flexibilidade do médium na recepção das comunicações. Quando os
espíritos dizem que a mediunidade, que a faculdade mediúnica liga-se ao
organismo e independe da moral, confirmam a posição de Kardec. O
perispírito controla o organismo como provaram as pesquisas soviéticas
das funções do corpo bioplásmico do homem. O moral, mais acentuadamente
na língua francesa do que na portuguesa, representa o conjunto das
atividades mentais e psíquicas da criatura. É evidente que a dependência
orgânica da mediunidade decorre da ligação espírito-corpo, através do
perispírito. Quando falamos, usamos o equipamento fônico do corpo para
uma comunicação mental, que não é de ordem orgânica, tanto que, nas
manifestações mediúnicas e nas experiências telepáticas atuais, a voz do
espírito (de morto ou de vivo) identifica-se pela sua tonalidade e
timbre, que o desaparecimento do aparelho vocal na morte não permitiria
repetir-se.
A
existência da mediunidade, determinando mudanças no comportamento dos
médiuns, necessariamente dá origem à Moral Mediúnica. Sabemos que a
Moral é um sistema de regras ou normas de conduta, derivadas dos
costumes e das tradições de uma determinada cultura Os costumes derivam,
por sua vez, das necessidades de ordem e respeito humano das estruturas
sociais. isso levou os materialistas a considerarem a Moral como
simples mecanismo de manutenção e defesa da sociedade variando de povo
para povo, não raro de maneira contraditória. Não passa de uma convenção
pragmática. Mas os estudos mais profundos de Bergson e outros mostraram
que Moral e Religião são formas de projeção das exigências da
consciência nas estruturas sociais. A negação materialista da Moral
Absoluta e a negação positivista da Moral Metafísica tiveram então de
enfrentar a tese bergsoniana da Moral Consciencial. A Moral existe como
absoluta e metafísica nas aspirações de ordem, justiça, beleza e bondade
dos anseios humanos de transcendência. Em sentido geral, podemos dizer
que a Moral é a busca da realização do Bem na Terra. Não seria possível
que uma doutrina de elevação e aprimoramento do homem, como o
Espiritismo deixasse de produzir um tipo de Moral. O aparecimento da
Moral Mediúnica logo se fez sentir, orientada nos rumos superiores da
Moral Cristã. Mas se esta, assim chamada, desviou-se em muitos pontos da
Moral do Cristo, a Moral Mediúnica agiu no sentido de reação espiritual
para o restabelecimento da Moral Evangélica. É sobretudo no Livro dos
Espíritos e no Evangelho Segundo o Espiritismo que encontramos as leis
da Moral Mediúnica. A comprovação científica da sobrevivência do homem
após a morte, através da Mediunidade, mostrou a relação direta existente
entre Mediunidade e Moral e, portanto, entre Espiritismo e Moral. O
médium tem, nos princípios de moral, as normas ideais da sua orientação
no mundo. Se as conhecer e seguir, sua mediunidade será altamente
benéfica, posta a serviço dos Espíritos Superiores, seja no campo da
assistência aos espíritos inferiores desencarnados e encarnados, seja na
área das atividades doutrinárias de ordem social ou especificamente no
plano cultural da transformação dos conhecimentos humanos, para a
compreensão espiritual da vida. A transformação do mundo se faz pela
conversão. Não se trata da conversão a unia seita, a um tipo especial de
fé, mas da conversão dos valores mundanos em valores espirituais. O
médium é um servidor do espírito e para servi-lo terá de integrar-se nas
condições espirituais que traz em si mesmo, na sua essência humana. O
próprio desenvolvimento da mediunidade lhe ensina isso. As funções
mediúnicas mudam a direção do seu campo visual e perceptivo. Ele se
desliga se desimanta da realidade mundana para focalizar em sua
sensibilidade as perspectivas do espírito. Essa esquizofrenia divina
caracteriza os estágios superiores da evolução anímica em que a
realidade concreta se converte na abstração das idéias, dos conceitos,
dos sonhos, dos anseios utópicos. O sonho dos poetas e artistas e a
utopia que leva os mártires ao suplício são os primeiros sinais do
alvorecer da mediunidade na esteira da reencarnação. O espírito sobe do
sensível platônico (do concreto) para o inteligível (o abstrato) que é a
visualização das essências. Por isso Platão, nos seus últimos anos,
sentia-se incapaz de transmitir em palavras as percepções do seu mundo
das idéias. E por isso Paulo de Tarso, que imantado às tradições
violentas do Judaísmo, perseguia o Cristo, ao receber o impacto da
existência espiritual do Mestre, na Estrada de Damasco, desliga-se do
mundo de falsas imagens em que vivia, perde a visão das coisas e mais
tarde a recobra num ângulo superior, com os passes de Ananias,
convertendo-se ao Cristianismo nascente. O desenvolvimento espiritual de
Paulo o leva, naquele instante, à conversão cristã pelo batismo do
espírito, nas águas invisíveis da mediunidade. Dali por diante ele será
inspirado por Estevão, o mártir que ele mandou lapidar na sua loucura
mundana. Tudo se converte ao seu redor, o mundo em que passa a viver não
é mais o da arrogância e da brutalidade, mas o mundo da abnegação e da
humildade. O Doutor da Lei converte-se em aprendiz e servo da realidade
cristã.
A
mecânica da conversão é irreversível, porque decorre de um processo de
amadurecimento psíquico, no desenvolvimento das potencialidades do
espírito.
As
potencialidades desenvolvidas elevam o grau consciencial da criatura e
alargam o seu campo visual e perceptivo. O convertido, como aconteceu
com Paulo, despem-se de todo o seu passado, mesmo à custa dos maiores
prejuízos no plano material e mundano, para integrar-se numa compreensão
superior da realidade. Só podem regredir os pseudoconvertidos do
formalismo religioso, da dogmática artificial das igrejas, que nada mais
fazem do que trocar de dogmáticas, sem tocar nem de leve a fímbria da
Verdade. O poder do Evangelho vivo e puro é semelhante ao do sol, que
amadurece os frutos sem que estes possam voltar à condição de verdes.
Daí a razão do ensino de Kardec no tocante à inconveniência do
proselitismo forçado. Que cada qual fique onde está, na escala evolutiva
das crenças religiosas, pois o conhecimento espiritual requer tempo e
maturação de cada criatura. Assim sendo individualmente, também o é
coletivamente. O mundo só pode completar a sua conversão, iniciada pelo
Cristo, quando estiver maduro para isso Não obstante, não temos o
direito de cruzar os braços ante as dores do mundo. Nosso dever é
trabalhar incessantemente para que a concepção espírita, o que vale
dizer o ideal cristão em sua pureza primitiva, esteja sempre ao alcance
de todos, particularmente das novas gerações.
A
Moral Mediúnica não é simples repetição dos preceitos evangélicos
usados pelas religiões na medida de suas conveniências e aplicadas a
sociedades no resguardo de seus interesses. É a moral total ensinada e
vivida por Jesus, interpretada em profundidade e sem temor pelos que
realmente a compreenderam como vemos no exemplo de O Evangelho Segundo o
Espiritismo. Kardec desvestiu os Evangelhos de todos os adereços
mitológicos e supersticiosos dos textos clássicos (escritos no clima da
Era Mitológica) para destacar apenas o ensino morai do Cristo, que é a
essência de toda espiritualidade verdadeira. Nada de aparatos e
fantasias, nada de simbologias misteriosas, apenas a verdade clara dos
princípios, e estes desenvolvidos em todas as suas possibilidades de
aplicação.
Não
são rígidos os princípios da verdadeira Moral Cristã. São claros e
flexíveis, dessa flexibilidade funcional que permite a sua aplicação nos
mais variados aspectos da existência. O princípio do Amor é o centro
luminoso desse leque de conceitos que se abrem nas dimensões da
consciência. Dele parte a normativa de todos os demais princípios. A
antiga atitude de suspeita e desconfiança em relação aos outros, quando
não de repúdio e hostilidade, transforma-se em simpatia e acolhimento
para todas as criaturas. O médium é afável e serviçal, pois conhece os
deveres da fraternidade ativa no trato com a imensa irmandade humana.
Amar aos inimigos era um absurdo, uma idéia louca para a Antigüidade.
Perdoar indefinidamente aos que erram parecia um incentivo ao erro, um
estímulo ao crime. Dar a face direita ao que bateu na esquerda, uma
prova de covardia ou insanidade. Dar a capa também ao que nos pede o
vestido, uma prodigalidade tola e perigosa. Acertar o passo com os
adversários nos caminhos do mundo, uma imprudência suicida. Suportar com
paciência os que nos ofendem e perturbam nada menos do que entregar-se
ao abuso dos atrevidos. Livrar-se dos excessos da fortuna para não ser
ladrão dos que nada possuem uma forma perdulária de incitar à preguiça, à
malandragem. Aconselhar aos rebeldes a não-violência, uma forma indigna
de aprovar o direito da força. Não cobiçar as posses alheias, uma
asfixia do poder de conquista. Manter a firmeza das palavras: sim, sim;
não, não, uma carência de habilidade e astúcia. Não roubar, não mentir,
não cultivar a hipocrisia e a traição, uma traição a si mesmo. Ser
sincero, não enganar nem fraudar, o caminho da derrota e da miséria.
Todos
esses princípios de uma conversão estúpida forçaram os homens apegados
ao mal e ao egoísmo a procurar os meios falaciosos de fraudá-los. E
dessa fraude universal do direito e da verdade surgiram os
anti-evangelhos das concessões igrejeiras com o rendoso comércio das
indulgências. A Moral Cristã reverteu-se na moral dos homens devorados
pelos instintos ferozes da selva.
Dois
mil anos de domínio do Anticristo em nome de Cristo arderam no delírio
das controvérsias, das simulações, das perseguições em nome da piedade
divina, das lutas e matanças que ensangüentaram toda a Terra, para
saciar a sede e a fome de conquista dos dominadores. Além da
crucificação do Cristo foi necessário o suplício dos mártires e a
matança sem limites dos inocentes, na defesa da moral cristã revirada no
avesso das morais arcaicas. Só então foi possível, graças ao
florescimento das gerações renovadoras, o impacto das eclosões
mediúnicas e a ressurreição do culto pneumático (do grego: pneuma,
espírito), no reconhecimento difícil da faculdade mediúnica, ainda hoje
torturada pela brutal incompreensão dos que não conseguiram elevar-se um
pouco acima das convenções condicionadoras de atitudes e comportamentos
anticristãos. O amor humano voltou à sensualidade desbragada dos cultos
pagãos, como advertiu Paulo aos Coríntios.
A
Moral Mediúnica, entretanto, não cedeu. As experiências da prática
espírita revelaram a situação desesperada em que se encontravam, na
ressurreição imediata, não da carne, mas do espírito dos mortos, os que
haviam tripudiado sobre os ensinos do Mestre. Kardec, em O Céu e o
Inferno, provava a possibilidade de saber-se, neste mundo, o que se
passa no outro. Os quadros das aflições umbralinas, dos espíritos que
não conseguiram ir além dos umbrais da Terra, permanecendo nas regiões
inferiores do mundo espiritual eram realmente infernais, embora não
tanto como na imaginação dos teólogos, torturadores criadores de
demônios. Os que haviam, por seus méritos, alcançado os planos
superiores, não viviam entre anjos em revoadas, mas gozavam de situação
realmente feliz. Além disso, as pesquisas kardecianas revelavam,
confirmando Paulo, em contradição com os teólogos, que a ressurreição de
Jesus não fora no corpo carnal, mas no corpo espiritual, e que os
mortos não esperam o Dia do Juízo para ressuscitar, pois, ainda de
acordo com Paulo, ressuscitam logo após a morte. Kardec lembrava que os
teólogos não haviam conseguido localizar o Purgatório, mas ele o fazia,
indicando que o lugar de purgação era a Terra, em nosso sistema solar, e
mundos de condições semelhantes às do nosso planeta. em outros sistemas
A vaidade humana sentia-se ferida, na tola pretensão de estarmos, como
queria o Dr. Pangloss, no melhor dos mundos. Ruíam as pretensões
igrejeiras ante essas revelações baseadas em pesquisas sérias, feitas
com rigor científico, mas a Igreja investia furiosa contra o
Espiritismo, que lhe roubava o direito aos segredos de Deus. Dali por
diante, as criaturas de bom-senso não comprariam mais os passaportes
eclesiásticos para as mansões celestes. Não obstante, a situação das
almas do Purgatório era tão grosseira que elas continuariam a negociar
nos guichês sagrados todos os sacramentos supostamente capazes de
levá-las ao Céu, como ainda hoje o fazem.
A
Moral Mediúnica não se impunha e não se impõe de maneira coercitiva ou
ao tilintar das moedas. Abolindo a simonia, mostrava que só existe
realmente uma maneira de se conseguir passaporte para o Céu: a prática
da caridade cristã humilde, silenciosa e secreta, sem alardes e
intenções mercenárias. Os vendilhões do Templo eram novamente expulsos
com bois e carneiros sacrificiais, mas dessa vez com o chicote invisível
das manifestações mediúnicas. Restabelecia-se o princípio evangélico do
dai de graça o que de graça recebestes. Nem um só dos atos mediúnicos
poderia ser pago. pois não se vende o que não se possui. Esse é um dos
princípios mais exigentes da Moral Mediúnica. O Médium que a viola
desrespeita as próprias palavras do Cristo e se faz ladrão perante sua
própria consciência. A Moral Mediúnica substitui o sacerdócio remunerado
pelo mediunato gratuito. As mãos do Médium devem estar marcadas
nobremente pelos calos do trabalho com que se sustenta e limpas de
interesses materiais em tudo quanto fizer. pois não lhe cabe o direito
de cobrar o que recebeu para a prática do amor ao próximo. O Médium sabe
e o confirma experimental-mente, no
exercício das suas funções espirituais — na ajuda ao doente e aos
desvalidos, na assistência ao moribundo e ao desesperado, no ensino
doutrinário e na pregação evangélica e assim por diante — que não pode
vender o que não é dele, que não pode extorquir dinheiro do próximo a
pretexto de que lhe dar recursos que não dependem dele. Essa medida
estabelecida por Kardec na prática espírita tornou-se o princípio básico
da ética doutrinária, fundamentada nos Evangelhos. Em conseqüência
dela, muitos exageros são cometidos. Certas pessoas acham que um
profissional espírita de qualquer ramo está obrigado a fazer tudo de
graça no campo doutrinário e até mesmo para os adeptos da doutrina. Um
médico, um pedreiro, um advogado, um dentista e assim por diante, devem
trabalhar gratuitamente nas instituições espíritas. É uma extensão
absurda de principio referente exclusivamente aos dons espirituais. O
médium, o conferencista, o doutrinador, todos os que dão assistência
espiritual individualmente, em sentido religioso nada podem cobrar. Fora
do campo espiritual e religioso não existe nem pode existir o princípio
da gratuidade. A finalidade desse princípio é evitar a
institucionalização religiosa do Espiritismo em forma de igreja, evitar o
comércio religioso, a simonia das igrejas. Porque um pregador pago ou
um médium pago expõe-se à tentação de transformar a doutrina em meio de
vida. Dessa tentação pode nascer a profissionalização religiosa, que
acabaria subordinando a própria doutrina aos interesses financeiros. Os
interesses particulares excitam a ambição e anulam a espontaneidade e a
sinceridade, abrindo brechas por toda parte para o aviltamento
doutrinário. Onde entra o lucro, o interesse pessoal, desaparece a
abnegação e com ela a mais alta virtude espírita que é a doação de si
mesmo em favor da causa humanitária. Um médium pago, mesmo
discretamente, mais hoje, mais amanhã vai entregar-se à fraude, pois se
não produzir fenômenos — o que não depende dele — perderá a clientela.
Não se trata de um princípio religioso, mas de uma medida ética em
defesa da pureza da prática espírita.
Essa
medida se justifica não só pelas razões éticas, mas também pela
observação do que se passa na prática doutrinária. Uma instituição
espírita fundada com dificuldades, onde se destaca o desinteresse e a
abnegação de todos, basta crescer um pouco e começar a enriquecer-se
para que tudo nela se modifique. O homem sofre a hipnose da moeda, o
dinheiro o alucina e o transforma em desonesto. São poucos os que
resistem a esse poder do dinheiro, que na verdade não está no dinheiro
mas na alma gananciosa e vaidosa. Há casos espantosos de instituições
que se enriqueceram e esqueceram as suas próprias finalidades,
transformando-se em verdadeiras casas comerciais, onde o interesse
financeiro se sobrepõe aos interesses sagrados da doutrina. Os médiuns
em evidência são tentados a passar de uma instituição para outra com a
promessa de vencimentos disfarçados em benefícios à família ou em
pagamento de funções técnicas que não conhecem. Felizmente a maioria dos
médiuns têm resistido a essas tentações e triunfado dignamente. Mas os
diretores dessas instituições fascinadoras e invigilantes caíram no
erro, incidiram no atentado ao formularem suas propostas aviltantes. Se
isso acontece em plena vigência do princípio de gratuidade, abandonado o
princípio teríamos a venda e compra de “passes” de médiuns como se fossem jogadores de futebol.
Os
que compreendem a doutrina e a amam, e zelam por ela, não podem
endossar e nem mesmo tolerar essas irresponsabilidades perigosas.
Os
médiuns curadores são os mais expostos à tentação do dinheiro,
assediados por laboratórios e até mesmo por hospitais que lhes oferecem
empregos generosos em seu quadro de funcionários, para explorar o seu
nome e a sua mediunidade, com o sofisma de que ali poderão trabalhar sem
perigo e prestar maiores serviços em casos incuráveis. Muitos deles
caíram nesses alçapões do mundo, mas a maioria não cedeu. A Moral
Mediúnica falou mais alto em suas consciências. Os médiuns de
efeitos-físicos e particularmente os de materialização geralmente são
tentados pela sua própria ganância ou pela ignorância de pessoas que
pretendem exibi-los para converter os incrédulos. Como se o Espiritismo
fosse uma questão de crença e de proselitismo, e não um processo de
transformação do homem e do mundo. Em tudo isso pontificam a ignorância,
a ganância e a vaidade, estigmas da inferioridade espiritual, que
merecem a piedade dos espíritas sinceros, mas não a tolerância que leva à
cumplicidade.
Não
se pode, porém, manter um hospital, uma creche, um orfanato, uma
escota, uma Faculdade ou uma Universidade — absolutamente necessários no
meio espírita, para a própria realização das finalidades doutrinárias,
sem a contratação de profissionais de várias categorias, espíritas ou
não, que darão a sua força de trabalho devidamente remunerada. Mesmo
nesses casos temos encontrado gestos de abnegação de espíritas que se
dedicam à execução de serviços gratuitos, muitas vezes recebendo o
salário e devolvendo-o no todo ou em parte aos cofres da instituição
como doação. Não estão obrigados a isso, mas o fazem na intenção de
melhor colaborar com as instituições, convictos da sua importância e
necessidade. Mas esses são casos de consciência, de pura abnegação dos
que podem fazê-lo. Mas no campo mediúnico nada disso é permitido. Os
médiuns podem ser socorridos em suas necessidades por amigos e
companheiros generosos, quando realmente necessário, mas não pode vender
os dons mediúnicos nem mesmo a pretexto de fazê-lo em benefício desta
ou daquela instituição.
Nas
reuniões de passes proíbe-se o toque dos médiuns nos pacientes, a não
ser para ajudá-los em casos extremos, para evitar mal-entendidos e
suspeitas maliciosas que atentam contra o médium, a instituição e a
doutrina. Não é necessário de maneira alguma o toque do médium, nem
mesmo a pretexto de transfusão fluídica, como se faz em algumas
modalidades do sincretismo religioso afro-brasileiro. As mãos do médium
funcionam nos passes como antenas captadoras e emissoras de vibrações
dos espíritos, o que pode ser feito até a grandes distâncias. A Moral
Mediúnica não é nem pode ser preconceituosa, mas não dispensa medidas de
segurança e defesa em meio à malícia do mundo. Os passes individuais
são geralmente dispensáveis, mas a maioria das pessoas tem necessidade
psicológica da imposição das mãos para se sentirem beneficiadas, mas
sempre de maneira discreta, guardando a distância conveniente. Muitos
aborrecimentos o médium pode evitar com essa precaução. É claro que não
devemos ceder aos preconceitos estúpidos, fundados numa falsa moral, mas
o preço de uma despreocupação é às vezes tão alto, não atingindo apenas
o médium, que não nos convém pagá-lo. Nas relações com o público, na
maioria desconhecedor da doutrina, devemos tomar todas as precauções,
até mesmo para não afastarmos do benefício pessoas sistemáticas que não
compreendem a grandeza de uma doação fluídica. Restringir-nos à nossa
maneira de ser, confiantes em nossa sinceridade, sem levar em conta as
condições do próximo, é também uma forma de egoísmo.
Certas
instituições tomam medidas extremadas como a divisão de homens e
mulheres em grupos separados em seus trabalhos mediúnicos ou de
palestras e cursos. Trata-se de resquícios da moral hipócrita de tempos
excessivamente místicos, em que os moralistas cristãos faziam como os
fariseus acusados por Jesus: coavam um mosquito e engoliam um camelo.
Toda forma de extremismo é sempre negativa, denotando insegurança e
desconfiança de tudo e de todos. Medidas extremas como essa revelam
falta de maturidade dos que as impõem e falta de respeito pelos
freqüentadores. Além disso, levam ao ridículo. Devemos lembrar-nos desta
expressão feliz de Kardec: O Espiritismo é uma questão de bom-senso. As
pessoas que freqüentam uma reunião espírita devem ser consideradas como
respeitáveis e responsáveis. No caso do passe a medida é de ordem
puramente interna não pública, transmitida particularmente aos médiuns,
de maneira que não ofende a dignidade
alheia. Quanto à dignidade dos médiuns, também não é afetada no caso do
passe, desde que não recebam uma ordem específica pessoal, mas a devida
explicação do problema. Existe a desconfiança semeada pelos adversários
da doutrina é justo que se tomem medidas de resguardo, no entendimento
fraterno entre dirigentes e médiuns. Há pequenas minúcias no trato com o
público que não podem ser esquecidas na prática mediúnica.
Autor: J.Herculano Pires
Livro: Mediunidade
Site: Luz do Espiritismo – Grupo Espírita Allan Kardec
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