Os
seres que chamamos anjos (1), arcanjos (2), serafins (1, 2), não formam
uma categoria especial, de natureza diferente da dos outros Espíritos,
são Espíritos puros (3): estão no mais alto grau da escala e reúnem em
si todas as perfeições.
A
palavra anjo desperta geralmente a ideia da perfeição moral; não
obstante, é frequentemente aplicada a todos os seres, bons e maus, que
não pertencem à Humanidade. Diz-se: o bom e o mau anjo; o anjo da luz e o
anjo das trevas; e nesse caso ele é sinônimo de Espírito ou de gênio.
Tomamo-lo aqui na sua boa significação.
Os
anjos também percorreram todos os graus, mas, uns aceitaram a sua
missão sem murmurar e chegaram mais depressa; outros empregaram maior ou
menor tempo para chegar a perfeição.
Existe
a opinião de que há seres criados perfeitos e superiores a todos os
outros, mas ela é errônea. Devemos aprender que o nosso mundo não existe
de toda a eternidade, e que muito antes de ele existir já haviam
Espíritos no grau supremo; os homens, por isso, acreditaram que eles
sempre haviam sido perfeitos.
Se
houvesse demônios, no sentido que se dá a essa palavra, eles seriam
obra de Deus. E Deus não seria justo e bom, criando seres infelizes,
eternamente voltados ao mal. Se há demônios, é no nosso mundo inferior e
em outros semelhantes, que eles residem: são homens hipócritas que
fazem de um Deus justo um Deus mau e vingativo, e que pensam lhe ser
agradáveis pelas abominações que cometem em seu nome.
A palavra demônio (4) não implica a ideia de Espírito mau, a não ser na sua acepção moderna, porque o termo grego daimon, de que ela deriva, significa gênio, inteligência, e se aplicou aos seres incorpóreos, bons ou maus, sem distinção.
Os
demônios, segundo a significação vulgar do termo, seriam entidades
essencialmente malfazejas: e seriam, como todas as coisas, criação de
Deus. Mas Deus, que é eternamente justo e bom, não pode ter criado seres
predispostos ao mal por sua própria natureza e condenados pela
eternidade. Se não fossem obra de Deus, seriam eternos como ele, e nesse
caso haveria muitas potências soberanas.
A
primeira condição de toda doutrina é a de ser lógica; ora, a dos
demônios, no seu sentido absoluto, falha neste ponto essencial. Que na
crença dos povos atrasados, que não conheciam os atributos de Deus,
admitindo divindades malfazejas, também se admitissem os demônios, é
concebível; mas para quem quer que faça da bondade de Deus um atributo
por excelência é ilógico e contraditório supor que ele tenha criado
seres voltados ao mal e destinados a praticá-lo perpetuamente, porque
isso negaria a sua bondade. Os partidários do demônio se apoiam nas
palavras do Cristo e não seremos nós que iremos contestar a autoridade
dos seus ensinos, que desejamos ver mais no coração do que na boca dos
homens; mas estariam bem certos do sentido que ele atribuía à palavra
demônio? Não se sabe que a forma alegórica é uma das características da
sua linguagem? Tudo o que o Evangelho contém deve ser tomado ao pé da
letra? Não queremos outra prova, além desta passagem:
"Logo
após esses dias de aflição, o sol se obscurecerá e a lua não dará mais a
sua luz, as estrelas cairão do céu e as potências celestes serão
abaladas. Em verdade vos digo que esta geração não passará, antes que
todas essas coisas se cumpram".
Não vimos a forma do texto bíblico contraditas pela Ciência, no que se
refere criação e ao movimento da Terra? Não pode acontecer o mesmo com
certas figuras empregadas pelo Cristo, que devia falar de acordo com o
tempo e a região em que se achava? O Cristo não poderia ter dito
conscientemente uma falsidade. Se, portanto, nessas palavras há coisas
que parecem chocar a razão, é que não as compreendemos ou que as
interpretamos mal.
Os
homens fizeram, com os demônios, o mesmo que com os anjos. Da mesma
forma que acreditaram na existência de seres perfeitos, desde toda a
eternidade, tomaram também os Espíritos inferiores por seres
perpetuamente mau. A palavra demônio deve portanto ser entendida como
referente aos Espíritos impuros, que frequentemente não são melhores que
os designados por esse nome, mas com a diferença de ser o seu estado
apenas transitório. São esses os Espíritos imperfeitos que murmuram
contra as suas provações e por isso as sofrem por mais tempo, mas
chegarão por sua vez à perfeição, quando se dispuserem a tanto.
Poderíamos aceitar a palavra demônio com esta restrição. Mas, como ela é
agora entendida num sentido exclusivo, poderia induzir em erro, dando
margem à crença na existência de seres criados especialmente para o mal.
A
propósito de Satanás (5), é evidente que se trata da personificação do
mal sob uma forma alegórica, porque não se poderia admitir um ser
maligno lutando de igual para igual com a Divindade, e cuja única
preocupação seria a de contrariar os seus desígnios. Como o homem
necessita de imagens e figuras para impressionar a sua imaginação,
pintou os seres incorpóreos com formas materiais dotadas de atributos
que lembram as suas qualidades ou os seus defeitos. Foi assim que os
antigos, querendo personificar o Tempo, deram-lhe a figura de um velho
com foice e uma ampulheta, uma figura de jovem, nesse caso, seria um
contrassenso. O mesmo se deu com as alegorias da Fortuna, da Verdade,
etc. Os modernos representaram os anjos, os Espíritos puros numa figura
radiosa, com asas brancas, símbolos da pureza, e Satanás com chifres,
garras e os atributos da bestialidade, símbolos das baixas paixões. O
vulgo, que toma as coisas ao pé da letra, viu nesses símbolos entidades
reais, como outrora vira Saturno na alegoria do Tempo [6].
NOTAS:
(1) Anjo (do lat. angelus, gr. aggelos,
mensageiro) – segundo a ideia vulgar, os anjos são seres intermediários
entre o homem e a divindade, por sua natureza e poder, e que podem
manifestar-se, quer por avisos ocultos, quer de um modo visível. Eles
não foram criados perfeitos, pois a perfeição supõe a infalibilidade e
alguns dentre eles se revoltaram contra Deus. Diz-se: os bons e maus
anjos, o anjo das trevas. Entretanto a ideia mais geral, ligada a esta
palavra, é a da bondade e da suprema virtude.
Segundo
a doutrina espírita, os anjos não são seres à parte e de uma natureza
especial: são os Espíritos da primeira ordem, isto é, os que chegaram ao
estado de puros Espíritos depois de terem sofrido todas as provas.
Nosso
mundo não é de toda a eternidade e, muito tempo antes que ele
existisse, já Espíritos haviam atingido esse grau supremo; os homens
então acreditaram que eles sempre foram assim. (Allan Kardec in Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas, Vocabulário.)
(2) ARCANJO – anjo de uma ordem superior (v. Anjo). A palavra anjo é um termo genérico que se aplica a todos os Espíritos puros. Se admitirmos, relativamente aos anjos, diferentes graus de elevação, poderemos, para empregar termos conhecidos, designá-los pelas palavras arcanjos e serafins. (Allan Kardec in Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas, Vocabulário.)
(3)
São os Espíritos que não tem mais nenhuma influência da matéria.
Possuem uma superioridade intelectual e moral absoluta, em relação aos
Espíritos das outras ordens. (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Escala Espírita, Primeira Ordem – Espíritos Puros. Item 112.
(4) Demônio (do lat. Daemo, feito do gr. Daimon, gênio, sorte, destino, manes) – Daemones,
tanto em grego como em latim, se diz de todos os seres incorpóreos,
bons ou maus, e que se supõe terem conhecimentos e poder superiores aos
dos homens. Nas línguas modernas esta palavra é geralmente tomada em má
acepção, que se restringe aos gênios malfazejos. Segundo a crença vulgar
os demônios são seres essencialmente maus por sua natureza. Os
Espíritos nos ensinam que Deus, sendo soberanamente justo e bom, não
pode ter criado seres voltados ao mal e desgraçados por toda a
eternidade. Segundo eles não há demônios na acepção absoluta e
restrita desta palavra; há apenas Espíritos imperfeitos, que podem,
todos, aperfeiçoarem-se por seus esforços e por sua vontade. Os
Espíritos da décima classe (*) seriam os verdadeiros demônios, se esta palavra não implicasse a ideia de uma natureza perpetuamente má. (Allan Kardec in Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas, Vocabulário.)
(*) São Espíritos inclinados
ao mal e o fazem objeto de suas preocupações. Como Espíritos, dão
conselhos pérfidos, insuflam a discórdia e a desconfiança e usam todos
os disfarces para melhor enganar. Apegam-se às pessoas de caráter
bastante fraco para cederem as suas sugestões, a fim de as levar à
perda, satisfeitos de poderem retardar o seu adiantamento, ao fazê-los
sucumbir ante as provas que sofrem.
Nas
manifestações, reconhecem-se esses Espíritos pela linguagem: a
trivialidade e a grosseria das expressões, entre os Espíritos como entre
os homens, é sempre um índice de inferioridade moral, senão mesmo
intelectual. Suas comunicações revelam a baixeza de suas inclinações, e
se eles tentam enganar, falando de maneira sensata, não podem sustentar o
papel por muito tempo e acabam sempre por trair a sua origem.
Alguns povos os transformaram em divindades malfazejas, outros os designam como demônios, gênios maus, Espíritos do mal.
Quando
encarnados, inclinam-se a todos os vícios que as paixões vis e
degradantes engendram: a sensualidade, a crueldade, a felonia, a
hipocrisia, a cupidez e a avareza sórdida. Fazem o mal pelo prazer de
fazê-lo, no mais das vezes sem motivo, e, por aversão ao bem, que sempre
escolhem suas vítimas entre as pessoas honestas. Constituem verdadeiros
flagelos para a Humanidade, seja qual for a posição social que ocupem e
o verniz da civilização não os livra do opróbrio e da ignomínia. (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Escala Espírita, Décima Classe, Espíritos Levianos, Item 102.
(5) SATÃ (do hebreu chaitán,
adversário, inimigo de Deus) – o chefe dos demônios. Esta palavra é
sinônimo de diabo, com a diferença de que este último vocábulo pertence
mais do que o primeiro à linguagem familiar. Em segundo lugar, de acordo
com a ideia ligada a esta palavra, Satã é um ser único: o gênio do mal,
o rival de Deus. Diabo é um termo mais genérico, que se aplica a todos
os demônios. Há somente um Satã (ou Satanás), porém há vários diabos.
Segundo a doutrina espírita, Satanás não é um ser distinto, pois Deus
não tem rival com quem possa medir-se, poder contra poder. Satã é a
personificação alegórica do mal e de todos os maus Espíritos (v. Diabo,
Demônio). (Allan Kardec in Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas, Vocabulário.)
(6)
Esta teoria espírita sobre os demônios vai hoje se impondo aos próprios
meios religiosos que mais acirradamente a combateram. Em O Diabo, o
escritor católico Giovanni Papini a endossou, apoiado nos Pais da
Igreja. O padre Pierre Teilhard de Chardin, cuja doutrina aproxima a
teologia católica de concepção espírita, considera o Inferno como “polo
negativo do mundo”, integrado no Pleroma (o mundo divino unido ao corpo místico do Cristo) e assim se refere aos demônios: “O condenado não é excluído do Pleroma, mas apenas da sua face luminosa e da sua beatitude. Perde-o, mas não está perdido para ele.”– (Le Millieu Divin – Oeuvres – Seuil, 1957-- Paris – pág. 191.) – (Nota de J. Herculano Pires)
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