sábado, 22 de março de 2014

A paixão amorosa do ponto de vista do espiritismo

Por Ivan Paulo Salgado
Allan Kardec em “O Livro dos Espíritos“, na seção "Paixões" do capítulo "Da perfeição moral" pergunta “Será intrinsecamente mau o princípio originário das paixões, embora esteja na Natureza?”.
É Importante notar que, primeiro, Kardec indaga acerca do princípio originário das paixões, e não delas próprias, ou seja, procura esclarecimento sobre a origem, a fonte de onde nascem as paixões.  Segundo, há na pergunta uma afirmação categórica, o princípio do qual provêm às paixões está na Natureza, isto é, faz parte da ordem natural das coisas. Terceiro, o livro trata todas as paixões, como paixão pelo dinheiro, paixão por futebol e etc. Enquanto o foco aqui é a paixão por uma pessoa, paixão amorosa.
O conceito ordinário de paixão traz consigo uma conotação negativa, associando paixão a desequilíbrio, tumulto emocional ou desvios patológicos do sentimento. Frequentemente se ouve frases como “Isto não é amor, é paixão”, ou “Fulano está cego de paixão”. A questão proposta por Kardec motiva-se exatamente pelo conflito entre essa acepção vulgar do termo paixão e a análise filosófica das paixões, que indica serem elas provenientes de causas naturais. Considerando que tudo aquilo que pertence à ordem natural obedece a uma sabedoria e a uma bondade supremas, tendo, em outras palavras, sido instituído por Deus.

Está implícito na afirmação de Kardec de que o princípio originário das paixões é bom, tendo sido "posto no homem para o bem". O mal que vulgarmente se associa às paixões é o resultado de uma distorção do sentimento original. Do contexto é justo depreender que essa distorção corre por conta do livre arbítrio humano na condução de seus sentimentos, não podendo ser imputada à fonte natural e neutra de onde provêm.
Para Kardec as paixões são como um corcel que tem utilidade quando governado e perigoso quando se perde o controle dele. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que se perde o poder de governá-la, o que resulta em prejuízo qualquer para si, ou para outrem.
O Espiritismo modificou e complementou a descrição da paixão sem atribuir-lhe um automatismo total, centrado na estrutura fisiológica, mas dando residência as paixões no próprio espírito, em sua existência que antecede e sucede à do corpo denso, com possíveis influências também do seu envoltório perisspiritual. Ainda, segundo o Espiritismo, se constata por observação direta que os Espíritos desencarnados continuam tendo sentimentos aparentemente semelhantes às nossas paixões. Isso indica que a causa imediata das paixões não se pode reduzir a processos referentes ao corpo denso. O fato de que diante de determinados estímulos externos ou internos a alma é automaticamente objeto daqueles sentimentos que chamamos paixões deve-se a uma faculdade inerente à própria alma, que tem uma razão de ser providencial.
Pelas investigações científicas dos fenômenos espíritas, conhecemos inúmeros fatos e leis da realidade espiritual. É indubitável que alterações diversas do corpo, especialmente do sistema nervoso, podem de fato fazer surgir sentimentos ou paixões na alma. No entanto, sabemos que em muitas ocasiões em que não encontramos sua causa última naquilo que explicitamente observamos, quer no mundo exterior e em nossos corpos, quer em nossa alma, deve-se a fatores espirituais, tais como as vivências no mundo espiritual durante o sono, as influências obsessivas e telepáticas de um modo geral, ou a volta parcial de nosso passado (outras reencarnações).
Ainda no Livro dos Espíritos, (questões 907 e 908), Kardec afirma que as paixões "são alavancas que decuplicam as forças do homem e o auxiliam na execução dos desígnios da Providência". À primeira vista, é fácil reconhecer que o amor provém de princípios bons e concorrem para o nosso bem.
Importante pontuar que essa visão é bem formal uma vez que se fundamentou a discussão no livro-base do Espiritismo. Outro ponto é que estamos falando de paixão como um bom sentimento e não de "obsessão amorosa", que, segundo o Espiritismo, é causada por espíritos inferiores que tem prazer em praticar o mal.

* KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, 64a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)

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